
DESENVOLVIMENTO E COMPORTAMENTO
Desenvolvimento e Comportamento
Embora seja um conceito que envolva grande complexidade e múltiplos desdobramentos analíticos, o comportamento humano pode ser entendido, de uma maneira geral, como sendo o modo de agir e proceder no relacionamento com o ambiente psicossocial. Em outras palavras, pode ser considerado como o conjunto de posturas e atitudes (conduta) face a pensamentos, sentimentos ou necessidades, na interface com o ambiente sociocultural. O comportamento infantil, assim como os diversos aspectos do desenvolvimento neurossensoriomotor, desde o nascimento até o final da adolescência, segue um curso evolutivo, passando por etapas sucessivas de complexidade crescente, sendo influenciado por aspectos genéticos e ambientais (estímulos físicos, psíquicos e sociais, características culturais etc.).

Para analisar o desenvolvimento de forma mais ampla, é necessário que se considere a integração de determinados domínios funcionais que se relacionam e se integram para o desenvolvimento do comportamento:
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Sensorial (destacadamente visão e audição);
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Habilidades motoras;
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Linguagem;
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Desenvolvimento Social (sociocultural);
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Desenvolvimento cognitivo (pensamento, memória, raciocínio e aprendizagem)
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Desenvolvimento psíquico (afetivo; emocional)

Primeiro ano de vida
Ao nascimento, a criança não diferencia o que é o seu mundo interno daquilo que seja o mundo externo a ela, sendo, portanto, incapaz de diferenciar aspectos subjetivos e objetivos. Essa diferenciação irá acontecer progressivamente à medida que ela tomar consciência do próprio corpo, das pessoas e dos objetos que a rodeiam. Uma forte característica dessa fase é o egocentrismo. O aspecto central para a criança é sua própria gratificação, o seu próprio prazer (narcisismo infantil).
Nessa fase, a criança é totalmente dependente de cuidados externos por parte dos adultos, particularmente de sua mãe que é a figura central e representa, nesse momento, o "mundo" todo para a criança. O modo como a mãe acolhe e cuida dela representa o modo como o mundo "abre seus braços" para recepcioná-la. Se a criança é devidamente atendida em suas necessidades fundamentais ela aprende e desenvolve um sentido de confiança que se estenderá à sua relação com o mundo e a estará apta a seguir para o estágio seguinte de modo seguro. Caso contrário, haverá o desenvolvimento de um sentido de desconfiança e a criança poderá se tornar insegura e temerosa em suas relações futuras. O papel dessa fase na constituição da personalidade é muito importante no que se relaciona à sua autoestima.
O principal aspecto é a alimentação. Os estímulos neurossensoriais mais gratificantes são relacionados às sensações táteis e sensações gustativas/olfativas na boca, língua, faringe (comer, morder, beber, sugar etc.). A sensação de fome causa tensão, desconforto e angústia pela incerteza. O momento da amamentação conduz à plena satisfação, gratificação e alívio. A criança, enquanto mama, recebe também conforto e carinho (toque, colo, acalento), o que confere a ela uma prazerosa sensação gerada pelo contato afetuoso da mãe. Assim, a afetividade irá marcar as primeiras relações da criança. Assim como a primeira comunicação, que também é essencialmente emocional (choro).
Segundo e terceiro anos de vida
Nesse período são os aspectos cognitivos que predominam, havendo uma aceleração do desenvolvimento mental. Tem início a função simbólica e a criança já consegue processar a “permanência do objeto”, bem como a noção de passado e de futuro. Consegue lembrar e imitar comportamentos de outras pessoas. Já se torna capaz de entender a relação de causa e efeito e passa a agir com intencionalidade e objetividade. Um aspecto nessa fase é a atribuição de "vida" a fenômenos e coisas inanimadas (animismo). Outro ponto importante é que, com o desenvolvimento do pensamento simbólico, há uma rápida evolução da linguagem e da fala.
Graças aos ganhos na motricidade, a criança dedica-se à exploração do mundo físico, adquirindo capacidade de deambulação e manejo de objetos, o que lhe proporciona certo grau de liberdade. Além disso, uma das experiências mais significativas e marcantes nesse período, é o aprendizado e a aquisição do controle esfincteriano (anorretal e uretral), que lhe permite ainda mais independência. A forma como esse treinamento ocorre, pode influenciar o comportamento, propiciando o desenvolvimento de uma personalidade com característica retentiva ou expulsiva. A criança percebe que agora compete a ela a decisão sobre suas eliminações. Mas também reconhece que sua escolha de retenção ou expulsão pode colocá-la em conflito com as expectativas e normas do meio.
Apesar da sensação de autonomia e liberdade causada pelos avanços na motricidade, comunicação e controle de esfíncteres, a criança percebe o quanto ainda é dependente do adulto. Essa percepção se contrapõe ao seu desejo de independência e de autoafirmação e conduz à insegurança, medo e vergonha que podem se manifestar com crises de irritação e choro ou outras reações emocionais exaltadas. No entanto, em sua evolução saudável, esse processo poderá contribuir, com o tempo, para a construção de sentimentos de tolerância e equilíbrio emocional.


Faixa etária de três anos à seis ou sete anos
A criança já tem plena consciência do mundo que a rodeia, demonstra mais interesse pelo ambiente e deseja saber os "porquês" de todas as coisas (finalismo). Já reconhece suas habilidades, tem consciência de si mesma e de seu meio. Seu mundo se amplia em novos cenários e contextos sociais e ocorrem nítidos avanços no processo de socialização. Tem iniciativa e busca assumir o protagonismo na execução de tarefas do cotidiano de seu ambiente. Assume responsabilidades, embora não consciente de seus limites e de suas reais capacidades. Ao se dar conta de que existem discordâncias em relação à sua conduta, passa a sentir frustração, vergonha e culpa. Mas esse exercício é fundamental para o treinamento dos papéis sociais. Acentua-se o embate entre expectativas e desempenho, tendo o pai e a mãe como principais referências.
Essa fase tem grande importância na formação da identidade da criança e é marcada por conflitos, na busca de diferenciar seu “eu” dos “outros”. Esse momento é marcado por comportamentos de oposição aos adultos e uso frequente do “não”. Sua percepção, nessa etapa, acerca das diferenças sexuais (basicamente a presença ou ausência de pênis entre meninos e meninas), dos diversos papéis sociais, e das expectativas do meio, contribui para o desenvolvimento de sua identificação psicossexual e social.
Com o avanço do pensamento simbólico e da linguagem, a criança já tem pensamento verbal e é capaz de representações mentais, o que permite compartilhar suas ideias e atribuir significados à realidade. Já é capaz de compreender o conceito de números e quantidades e de organizar objetos, pessoas e eventos em categorias de significado (classificação). Mas o seu pensamento é fantasioso ou mágico (ainda não há pensamento lógico), marcado por grande imaginação. O pensamento estático prepondera sobre o dinâmico. A criança ainda não é capaz de alcançar o processo de transformação das coisas e, ao avaliar um objeto ou fenômeno da realidade, consegue focar em apenas um aspecto de cada vez (focalização). Igualmente, não compreendem que certos fenômenos podem ser reversíveis (irreversibilidade). Um outro aspecto desse período é o artificialismo: não consegue distinguir entre o que é próprio da natureza (natural) e o que é criado pelo homem (artificial).
Faixa etária de seis ou sete anos até onze ou doze anos
Essa fase coincide com a idade escolar. A criança agora se volta mais para a socialização nas relações entre colegas, através de hobbies, brincadeiras, esportes, artes e atividades intelectuais. Nota-se nítida preferência para o relacionamento social com crianças do mesmo sexo, fortalecendo assim, a definição da identidade sexual. Seu sentimento de autoconfiança é consolidado, embora sinta necessidade de validação externa de seus pensamentos e comportamentos em seu grupo.
Realiza operações mentais lógicas a partir de objetos e eventos concretos da realidade. O pensamento agora é mais dinâmico e já é capaz de considerar mais de uma característica de um mesmo objeto de uma só vez. Já entende que algumas propriedades de um objeto permanecem inalteradas mesmo quando outras se modificam e que uma mudança pode compensar a outra. Já reconhece que alguns fenômenos podem ser revertidos. Consegue perceber que os pensamentos dos outros podem ser diferentes dos seus, ou até que os outros podem pensar de uma forma e agir de outra.
Há um aumento na complexidade de suas tarefas e das expectativas com relação ao seu desempenho. Embora experimente novas conquistas, pode não atingir o nível de exigência esperado por aqueles que são suas referências. Além disso, ao se comparar com os adultos em relação à sua capacidade de realização, a criança percebe suas limitações.

Devido a isso, ela pode desenvolver um sentido de inferioridade e, em resposta, se esforça para atender às expectativas sobre ela depositadas. O resultado mais saudável é a compreensão de que seu modo de pensar e agir é diferente dos adultos e se identificar com sua mesma faixa etária. A partir daí, ela se volta para questões relacionadas ao seu grupo.
Predomina, nessa fase, a função cognitiva sobre a afetiva. Ocorrem importantes avanços no âmbito da inteligência. O interesse da criança se volta ao conhecimento das coisas, origens e finalidades, para a explicação da realidade. Aqui, a criança aprimora a capacidade de abstração, evolui da imitação para a representação e já começa a representar em sua mente, pessoas, objetos e situações que não estão presentes.
Adolescência
(a partir da puberdade)
Essa fase tem início na puberdade. É marcada pelo amadurecimento dos sistemas endócrino e genital, trazendo mudanças físicas, psicológicas e comportamentais com predominância afetiva e busca por definição da personalidade. Nesse período ocorre um interesse significativo pelas experiências sexuais e afirmação da vida afetiva em suas relações pessoais. Existe nesse momento uma separação emocional do adolescente em relação a seus pais. A busca pela independência passa a ser uma meta e um marco no estilo de vida. O adolescente, em busca de afirmação, se aproxima mais de seus pares, sendo o seu comportamento marcado pela convivência em grupos. Busca um novo equilíbrio a partir de uma reavaliação dinâmica e contínua de si mesmo e pela aquisição de uma identidade psicossocial e definição de seu papel no mundo. Sua identidade e definição de personalidade se baseia em referências pessoais e por meio de escolhas de regras de vida e de uma escala de valores hierarquizada própria.
Seu posicionamento na sociedade do ponto de vista ético, moral, político, ideológico, religioso, profissional, sexual e afetivo, entre outras questões, marcam uma busca constante, carregada de ansiedade e angústia. Se bem sucedidos, poderão conduzir à formação de uma sólida identidade. Caso contrário, irá conduzir à confusão de papeis, dificuldade de se encontrar, incertezas, insegurança em fazer escolhas. Essa bipolaridade (identidade versus difusão) é dinâmica e se for bem resolvida ainda na adolescência, poderá prevenir transtornos na vida adulta. A maturidade será alcançada à medida que o adolescente desenvolve sua capacidade de manter o controle sobre suas emoções.
Do ponto de vista cognitivo, há notada capacidade de processar funções e operações mentais complexas, pensamento lógico e abstrato bem consolidados, capacidade de reflexão de seus próprios pensamentos, compreensão de linguagem figurada, elaboração de hipóteses, raciocínio dedutivo e capacidade de dissociação, inferência e generalização.
Grandes referências da psiciologia e psiquiatria infantil
Abaixo, estão alguns dos grandes nomes da área da psicologia e da psiquiatria infantil que desenvolveram estudos sobre o desenvolvimento psíquico e comportamental do ser humano, desde o nascimento até a vida adulta. Para conhecer um pouco sobre as teorias e a concepção de cada um, clique nos links abaixo.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO INFANTIL. Child Development Info. 2024. Disponível em: https://childdevelopmentinfo.com/. Último acesso em: 26 set. 2024.