DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR
Introdução
O tema será abordado em três partes:
Vigilância do Desenvolvimento Neuropsicomotor
O termo “Desenvolvimento” pode ser definido como sendo “o aumento da capacidade do indivíduo na realização de funções cada vez mais complexas” (Marcondes et al, 1991) ou “um processo que vai desde a concepção, passando pela maturação neurológica, comportamental, cognitiva, social e afetiva da criança”. (Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil no Contexto da AIDPI. OPAS, OMS, 2005).
ou ainda:
“processo que inter-relaciona aspectos biológicos, psíquicos, cognitivos, ambientais, socioeconômicos e culturais, mediante o qual a criança vai adquirindo maior capacidade para mover-se, coordenar, sentir, pensar e interagir com os outros e o meio que a rodeia; em síntese, é o que lhe permitirá incorporar-se, de forma ativa e transformadora, à sociedade em que vive.” (Acompanhamento do Crescimento e Desenvolvimento Infantil parte 2 O Desenvolvimento Saudável - Ministério da Saúde - Brasil – 2002).
Como se observa nas várias definições, o desenvolvimento é um processo morfofuncional complexo, integrador, dinâmico e contínuo ao longo da formação e a maturação do indivíduo, sendo dependente de suas características biológicas e de aspectos relacionados à sua interação com o meio sociocultural em que está inserido.
A vigilância do desenvolvimento neurossensoriomotor compreende a observação continuada dos progressos funcionais da criança com base em expectativas determinadas para cada faixa etária, nas áreas motora, psicossocial, cognitiva e linguagem. É uma das mais importantes atividades pediátricas considerando a relevância do diagnóstico precoce dos transtornos do neurodesenvolvimento, permitindo a imediata intervenção visando à redução dos agravos associados.
Ao nascimento a criança apresenta um padrão motor imaturo (medular), flexão de membros (hipertonia flexora), hipotonia da musculatura paravertebral e movimentos reflexos. O processo de mielinização irá permitir a transição de atitudes passivas (decúbito dorsal) para posição ortostática (atitude ativa). O exercício funcional estimula mielinização mais rápida e a transição das funções reflexas para as funções voluntárias.
Os estudos sobre o desenvolvimento infantil revelam que existem padrões definidos e previsíveis que são contínuos, ordenados e progressivos. Para que se possa realizar a vigilância do desenvolvimento infantil, é importante conhecer sua evolução normal, ter conhecimento de fatores favoráveis e desfavoráveis e saber reconhecer comportamentos indicadores de algum problema. O desenvolvimento neurossensoriomotor da criança depende, entre outros fatores, da mielinização no sistema nervoso. Esse processo está 90% completo entre três e quatro anos de idade, enquanto os 10% restantes se completam até o final da adolescência. A mielinização permite a transição de atitudes passivas para atitudes ativas, de atos reflexos para ações voluntárias. Não acontece de maneira arbitrária, mas segue uma sequência ordenada, sendo geneticamente determinado.
Do ponto de vista anatômico, o desenvolvimento apresenta um padrão céfalo-caudal e próximo-distal. Do ponto de vista funcional, parte do mais simples para o mais complexo. O desenvolvimento infantil é o produto de interações entre muitas variáveis:
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Estrutura genética
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Integridade do sistema neurossensorial e endócrino
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Integridade do sistema locomotor
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Meio Ambiente (relações afetivas, alimentação, necessidades orgânicas básicas, cultura, meio social...)
O neurodesenvolvimento infantil pode ser avaliado por setores:
Motricidade: inclui as atividades motoras amplas e a motricidade fina.
Cognitivo: inclui o desenvolvimento da linguagem e a capacidade de solução de problemas.
Psicossocial: inclui o desenvolvimento de habilidades adaptativas, interação social e o desenvolvimento emocional.
Para o adequado desenvolvimento de suas habilidades, as crianças dependem das oportunidades oferecidas pelo ambiente, para desenvolverem plenamente seu potencial genético.
(Os aspectos específicos do desenvolvimento do comportamento serão abordadas em página específica).
Avaliação do desenvolvimento infantil
A avaliação do desenvolvimento é parte importante da consulta pediátrica. O profissional já deve iniciar essa avaliação a partir do momento que a criança entra no consultório, pela observação de sua postura, atitude, comportamento, linguagem, comunicação, participação e interação com o ambiente, etc. e ao longo da anamnese e do exame físico deve se manter essa avaliação. Também deve se observar as atitudes da mãe em sua interação com a criança (vínculo mãe-filho), considerando a importância dessa relação para o desenvolvimento infantil.
Na avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, deve-se considerar (1) a opinião da mãe sobre o desenvolvimento do seu filho, (2) obtenção de informações sobre fatores de risco, (3) a verificação do perímetro cefálico, (4) observação da presença de alterações fenotípicas ao exame físico e (5) avaliação específica. Esta última se procede por meio da observação e exame dos principais reflexos e reações posturais, motricidade, comportamento e linguagem presentes em determinadas faixas etárias da criança.
(1) Opinião da mãe sobre o desenvolvimento do seu filho: Deve ser valorizada, pois ela é a pessoa que mais convive com a criança sendo assim, a sua principal observadora.
(2) Obtenção de informações sobre fatores de risco: A anamnese deve ser completa, atentando-se para a existência de fatores de risco, desde a gestação, parto e período neonatal, até o momento presente. Deve-se verificar se a gestação foi desejada ou não, se foi realizado pré-natal (quantas consultas), se apresentou algum problema de saúde como infecções (infecção urinária, rubéola, toxoplasmose, sífilis, HIV, citomegalovírus, hepatite, uso de algum medicamento; hemorragias, doença hipertensiva, diabetes, abuso de substâncias químicas pela mãe durante a gestação, etc. Pedir informações sobre o trabalho de parto e o parto (verificar se houve sofrimento fetal). Saber a idade gestacional de nascimento, o APGAR no 1° e no 5° minutos, peso de nascimento. Investigar se a criança necessitou permanecer hospitalizada no berçário, UTI ou alojamento conjunto, por alguma complicação neonatal. Questionar sobre a presença de icterícia neonatal, se necessitou algum procedimento hospitalar de risco, etc. Perguntar sobre os antecedentes patológicos da criança e seus antecedentes familiares, incluindo consanguinidade dos pais.
(3) Exame físico: O exame físico deve ser completo. A verificação do tônus muscular da criança e suas reações posturais devem ser realizadas na seguinte sequência de posições: decúbito dorsal, tração pelos MMSS, de pé com apoio, suspensão ventral e decúbito ventral
(4) Verificação do perímetro cefálico: É fundamental medir o perímetro cefálico (PC) da criança, pois tanto a microcefalia como a macrocefalia podem se associar ao retardo do desenvolvimento. É considerada como normal a medida do PC situada entre os percentis 3 e 97 (escore Z entre -2 e +2).
(5) Observação da presença de alterações fenotípicas: Durante o exame físico, deve-se observar atentamente o fácies, considerando que alterações faciais podem ser sugestivas de variadas síndromes genéticas e cromossômicas.
(6) Avaliação específica
O teste de Denver II é o mais utilizado pelos profissionais da área da saúde para avaliação específica do desenvolvimento neuropsicomotor. É delineado para aplicação em crianças desde o nascimento até a idade de 6 anos, consiste em 125 itens, divididos em quatro grupos ou setores:
a) Setor de motricidade ampla ou grosseira: Tônus e controle motor corporal, estática do pescoço e da cabeça, capacidade de sentar, caminhar, correr, pular e todos os demais movimentos realizados através da musculatura ampla.
b) Setor de motricidade fina ou adaptativa: movimento de pinça, coordenação olho/mão, coordenação motora na manipulação de pequenos objetos (destreza manual);
c) Setor pessoal/social: aspectos da socialização da criança dentro e fora do ambiente familiar;
d) Setor linguagem: Expressões como sorriso, choro, emissão de sons, capacidade de reconhecer, entender (linguagem receptiva) e usar a linguagem (linguagem expressiva);
Cada um dos itens avaliados é registrado a partir de observação direta da criança ou a partir de informação obtida da mãe sobre a capacidade do filho realizar a tarefa ou não. É importante ressaltar que o desenvolvimento de cada um desses setores é capaz de influenciar reciprocamente o desenvolvimento dos demais de modo dinâmico e contínuo, tornando a criança progressivamente capaz de adaptar-se e relacionar-se com o meio social em que está inserida.
Essa codificação permite interpretar os itens testados da seguinte forma:
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Avançado: Quando a criança passa em um item situado totalmente à direita da linha de sua idade;
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Normal: Quando a criança passa em um item situado à esquerda da linha da idade
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Risco: Quando a criança falha ou recusa em um item situado entre o percentil 75 e 90 na linha da idade
-
Atraso: Quando a criança falha ou recusa em um item situado totalmente à esquerda da linha da idade.
A partir dessa interpretação, o desenvolvimento da criança é classificado como:
-
Desenvolvimento normal: Não há nenhum tipo de atraso e no máximo um item de risco.
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Desenvolvimento questionável: Há dois ou mais itens de risco e/ou um ou mais itens de atraso. Reavaliar após uma a duas semanas. Se a alteração persistir em duas avaliações, encaminhar à neurologia.
Principais marcos do Desenvolvimento Neuropsicomotor
Primeiro trimestre de vida
Motor Grosseiro
Membros flexionados (hipertonia flexora)
Dedos flexionados com mãos fechadas; polegares se opõem por fora dos outros dedos;
Eventualmente abre as mãos por alguns instantes
Movimentos alternados dos membros inferiores tipo pedalar
Ao final do terceiro mês observa-se tônus cervical capaz de dar sustentação cefálica adequada
Mantém a cabeça 45º quando fica em decúbito ventral e mantido sentado, sustenta a cabeça
Motor Fino ou adaptativo
Reconhecimento das mãos (junta as mãos)
Pessoal Social
Fixação ocular se instala na terceira semana de vida, inicialmente de forma imprecisa
Observa atentamente um rosto humano
Seguimento ocular em 180° (acompanha um objeto com os olhos)
Linguagem
O aparecimento do sorriso social entre a sexta e a décima semanas de vida
Vocalização (emissão de sons que não o choro)
Reação ao som
Sinais de Alerta no Primeiro Trimestre
Alguns sinais no primeiro trimestre já podem chamar a atenção ou servir de alerta para transtornos do DNPM
-
Olhar inexpressivo, pouco interessado no ambiente
-
Ausência de estática da cabeça
-
Polegares permanentemente aduzidos
-
Ausência de sorriso social ou sorriso social pobre
-
Irritabilidade
Segundo trimestre de vida
Motor Grosseiro
Reviravolta fisiológica do tônus muscular do lactente: Modificação total do tônus muscular de base reduzindo o tônus muscular flexor dos membros e aumento do tônus muscular do tronco axial, permitindo movimentos ativos dos membros e do tronco
Capacidade de sentar com apoio das mãos (em “tripé”)
Capacidade de “rolar” sobre o próprio corpo, passando rapidamente do decúbito dorsal para o ventral e vice-versa
Capacidade de explorar os pés, levando-os até a boca
Puxado para sentar mantém a cabeça firme
Motor Fino ou adaptativo
Aquisição da preensão palmar voluntária de objetos
Transferência de objetos de uma mão a outra
Leva objetos à boca
Tenta alcançar um brinquedo
Explora o mundo com o olhar, mãos e boca
Sinais de Alerta no Segundo Trimestre
Alguns sinais no segundo trimestre já podem chamar a atenção ou servir de orientação para transtornos do DNPM
Hipertonia de membros verificada pela presença de ângulos poplíteos e adutores da coxa em torno de 70° e presença de pés equinos e mãos fechadas persistentemente
Hipotonia de tronco axial com comprometimento da estática da cabeça
Olhar inexpressivo, pouco interessado no ambiente
Irritabilidade, choro contínuo de difícil resolução
Terceiro trimestre de vida
Motor Grosseiro
Adquire a capacidade de sentar sem apoio
Apoiando-se com ajuda das mãos, pode manter-se ereta com sustentação nas próprias pernas
Algumas crianças exercitam o engatinhar antes da marcha, mas essa atividade não é um marco essencial no DNPM.
Motor Fino ou adaptativo
As mãos livres não são mais objeto de curiosidade e servem para explorar o meio ambiente e manipular objetos diversos e partes do corpo
Desenvolve preensão tipo pinça radial começando a utilizar o polegar.
Pessoal Social
Reage à presença de estranhos, olhando-os com desconfiança, podendo apresentar choro inconsolável
A curiosidade agora se volta para os pés, manuseando-os e levando-os à boca
Brinca de esconde/achou
Linguagem
Desenvolve a linguagem corporal e sons linguodentais dissilábicos (dada, nenê, tatá...) e labiais (mama, papa...)
Sinais de Alerta no Terceiro Trimestre
Algumas características no terceiro trimestre podem significar sinais de certeza para transtornos:
.
-
Não aparecimento das grandes funções motoras (estática da cabeça, sentar sem apoio, andar com apoio)
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Hipertonia dos membros inferiores
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Hipotonia do tronco axial
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Preensão inadequada, mãos insistentemente fechadas
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Membros inferiores entrecruzados e membros superiores flexionados
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Sorriso social pobre
Quarto trimestre de vida
Motor Grosseiro
É extremamente ativo e muda facilmente de decúbito, passando facilmente do decúbito à posição sentada, gira do decúbito dorsal ao ventral, engatinha, explora todo o ambiente
Pode se manter de pé, graças aos músculos extensores do dorso e dos membros inferiores
Dá os primeiros passos sem ajuda, pouco antes ou pouco depois de completar 12 meses de vida, com a base de sustentação alargada
Motor Fino ou adaptativo
Adquire noções espaciais de distância, profundidade e noção de permanência do objeto
Aperfeiçoamento do uso das mãos
Emprego do polegar em oposição ao indicador (pinça superior)
Segura o copo ou mamadeira
Pessoal Social
Aponta para o que quer
Bate palmas
Acena com as mãos
Linguagem
Em torno dos 10 meses inicia a linguagem simbólica significativa com objetivo, inicialmente silábica (fala mama e papa específicos), mas a linguagem compreensiva é muito mais ampla que a expressiva. Imita gestos
Sinais de Alerta no Quarto Trimestre
Algumas características no quarto trimestre podem significar sinais de certeza para transtornos:
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Ausência de sinergia pés e mãos
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Colocado de pé com apoio, as mãos e membros superiores permanecem inativos
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Inércia psíquica (pouco receptiva)
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A exploração do meio ou dos objetos é de má qualidade e monótona
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Movimentos anormais
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Irritabilidade ou riso imotivado e pobre
Fatores de Risco para Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor
Fatores adversos biológicos e/ou ambientais podem alterar o ritmo normal do desenvolvimento da criança. Os riscos biológicos podem incidir no período pré, peri ou pós natal e podem ser agrupados em (1) Riscos genéticos e (2) Riscos ocasionados por agravos desordens clínicas (ambientais). Os riscos genéticos incluem mais comumente os erros inatos do metabolismo, malformações congênitas, síndrome de Down e outras síndromes cromossômicas. Os riscos ocasionados por desordens clínicas são os que comprometem a integridade do sistema nervoso associado ou não ao comprometimento do sistema locomotor. Os agravos ou situações clínicas mais frequentes são a prematuridade, asfixia grave, kernicterus, meningites e encefalites ou quadros de sepse neonatal, hemorragia peri-intraventricular, infecções congênitas, traumatismos, entre outros.
Os riscos ambientais incluem experiências adversas de vida ligadas à família, ao meio ambiente e à sociedade. A primeira condição ambiental para que uma criança se desenvolva bem é o afeto de sua mãe, cuja ausência deixa marcas indeléveis no desenvolvimento da criança. Também são considerados fatores ambientais: dificuldade de acesso a serviços de saúde, a falta de recursos sociais e educacionais, a baixa escolaridade materna, desnutrição, privação de estímulos sensoriais e motores, violência doméstica, abuso, maus-tratos e problemas de saúde mental da mãe ou de quem cuida, entre outros. Na maioria das vezes não se pode estabelecer uma única causa, existindo uma associação de diferentes etiologias.
Riscos Biológicos
Genéticos/cromossômicos
Desordens Clínicas
Riscos ambientais
Erros inatos do metabolismo;
Síndrome de Down e outras síndromes cromossômicas;
Anomalias congênitas do sistema nervoso e/ou sistema locomotor
Prematuridade
Asfixia grave
Kernicterus
Meningoencefalites
Sepse neonatal
Hemorragia periintraventricular
Infecções congênitas
Privação de afeto materno
Dificuldade de acesso aos serviços de saúde
Falta de recursos sociais e educacionais
Baixa escolaridade materna
Desnutrição
Privação de estímulos sensoriais e motores
Violência doméstica, abuso, maus tratos
Apresentação clínica das alterações do desenvolvimento infantil
Os problemas no desenvolvimento da criança podem se apresentar de diversas maneiras, incluindo alterações no desenvolvimento motor e/ou neuro-sensorial, comprometendo a motricidade, a linguagem, a interação pessoal-social, o cognitivo, o afetivo, o comportamento... Na maioria das vezes há comprometimento de mais de uma função e a criança apresenta alterações mistas no seu desenvolvimento.
Alterações mistas são observadas, por exemplo, na paralisia cerebral que se associa a alterações significativas no desenvolvimento motor, mas também pode comprometer o desenvolvimento da linguagem e a cognição. No hipotireoidismo congênito não tratado se verificam alterações no desenvolvimento motor, na linguagem e no setor cognitivo. A surdez congênita compromete prioritariamente a linguagem. O transtorno do espectro autista leva a sérios problemas na interação pessoal-social e também na linguagem (Os aspectos do desenvolvimento do comportamento serão abordadas em página específica).
Não se pode esquecer que crianças pouco estimuladas podem atingir tardiamente os marcos etários do desenvolvimento ou não alcançar seu potencial pleno. Daí ser muito importante não só diagnosticar os desvios, mas também promover o bom desenvolvimento da criança, por meio de estimulação adequada a cada fase do seu desenvolvimento.
Quando ocorre um agravo em uma criança cujo sistema nervoso ainda se encontra em processo inicial de desenvolvimento estrutural, pode haver maior possibilidade de recuperação funcional, desde que haja estimulação adequada, devido à neuroplasticidade, que é máxima nos primeiros 12 a 24 meses de vida.
Embora as deficiências mais graves possam ser reconhecidas mais precocemente, distúrbios de linguagem, hiperatividade e transtornos emocionais são menos diagnosticados antes dos três ou quatro anos de idade. Da mesma forma, distúrbios de aprendizagem são mais frequentemente identificados após o ingresso da criança na escola regular.
Diagnóstico e Conduta
Considerar o Desenvolvimento como NORMAL:
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Todos os marcos do desenvolvimento presentes para a faixa etária;
-
Ausência de fatores de risco
Conduta:
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Elogiar a mãe
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Orientar a mãe para que continue estimulando seu filho
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Retornar para acompanhamento conforme a rotina do serviço de saúde
Considerar o Desenvolvimento como NORMAL COM FATORES DE RISCO:
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Todos os marcos do desenvolvimento presentes para a faixa etária;
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Presença de um ou mais fatores de risco
Conduta:
-
Orientar a mãe sobre a estimulação de seu filho
-
Marcar consulta de retorno em 15 a 30 dias
-
Informar a mãe sobre o que observar
Considerar um POSSÍVEL ATRASO no desenvolvimento
-
Ausência de um ou mais marcos esperados para a mesma faixa etária
Conduta:
-
Orientar a mãe sobre a estimulação de seu filho
-
Marcar consulta de retorno em 15 a 30 dias
-
Informar a mãe sobre o que observar
Considerar um PROVÁVEL ATRASO no desenvolvimento
-
Ausência de um ou mais marcos para a faixa etária anterior
Conduta:
-
Referir para acompanhamento especializado
Estimulação do Desenvolvimento
Os primeiros anos de vida da criança são fundamentais para seu desenvolvimento neuropsicomotor e sensorial considerando que é nessa fase que o cérebro mais desenvolve. Cerca de 90% das sinapses nervosas são estabelecidas nos primeiros cinco anos de vida. Para otimizar esse processo, são necessários estímulos diversificados e interações sociofamiliares e ambientais adequadas. Esse período marcante será decisivo para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, da capacidade de adaptação e resolução de problemas e para a construção das bases da personalidade da criança. Para tanto, é necessário um ambiente propício ao desenvolvimento saudável, o qual deve ser cercado de afeto, atenção e liberdade para a criança explorar com segurança e autonomia todo o seu potencial de desenvolvimento. As relações sociofamiliares nos primeiros anos de vida muito influenciam o desenvolvimento emocional da criança. O cuidado zeloso dos adultos para com a criança são ingredientes fundamentais para a construção de uma personalidade estável e equilibrada, além de contribuir também para o seu desenvolvimento cognitivo. Interações tais como contar histórias, conversar, brincar, cuidar da higiene pessoal, sair para passear, entre outras, são ótimas oportunidades para demonstrar afeto. Muito cuidado com relação às mídias eletrônicas, tais como televisão, computador, tablet, videogame e smartphone, que exercem uma atração, um certo fascínio sobre as crianças, talvez em função de intensos estímulos visuais e sonoros, incluindo cores, formas, vozes e ritmos musicais variados. Entretanto, estes dispositivos, além de não agregarem nenhuma vantagem ao desenvolvimento infantil, podem ainda o prejudicar. As recomendações da Academia Americana de Pediatria e Sociedade Brasileira de Pediatria a respeito da idade mínima e da exposição máxima diária às telas em geral nos levam a aconselhar aos pais ou responsáveis pelas crianças que evitem completamente a exposição de crianças, de até dois anos de idade, a essas mídias eletrônicas.
Primeiro trimestre
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Com o rosto próximo à face do bebê, permita que ele o(a) observe atentamente;
-
Converse frequentemente com ele, com calma, deixando-o observar os seus movimentos labiais e expressões faciais;
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Sorria para o bebê e estimule o seu sorriso;
-
Aproveite os horários em que o bebê esteja acordado e momentos como o banho, a troca de fraldas, a amamentação etc., para interagir com ele;
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Desloque objetos na frente dos olhos do bebê, afastando-os em relação à linha média, permitindo que ele o acompanhe lateralmente;
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Coloque o bebê de bruços e estimule sua elevação da cabeça.
Segundo trimestre
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Coloque o bebê de bruços com a cabeça e o tronco elevados, apoiado nos antebraços;
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Apresente ao bebê pequenos objetos e permita que ele os pegue, ora com uma mão, ora com a outra;
-
Estimule-o a transferir os objetos de uma mão para outra;
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Coloque o bebê sentado com apoio;
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Chame o bebê pelo nome, estando fora do seu campo de visão, ou chame sua atenção com um objeto sonoro para que ele se vire tentando localizá-lo;
Terceiro trimestre
-
Dê espaço para que o bebê possa se deslocar no piso da casa, arrastando-se ou engatinhando. Cuide para que a superfície esteja devidamente limpa e segura;
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Aproveite a presença de cadeiras ou outros móveis que sirvam de apoio e permitam que o bebê consiga levantar-se e ficar em pé;
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Deixe objetos adequados para que o bebê possa pegá-los e manuseá-los, incluindo objetos que possam estimular o movimento de pinça com o polegar e o indicador;
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Estimule o bebê a repetir sons da fala, sons de animais ou outros sons do ambiente.
Quarto trimestre
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Garanta um espaço adequado para que o bebê se desloque com segurança engatinhando ou já trocando alguns passos com apoio;
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Reúna objetos que possam ser apreendidos com o polegar e o indicador com facilidade, que tenham cores, formas e texturas diferentes e possam ser retirados e recolocados dentro de um pequeno pote ou balde plástico, por exemplo;
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Continue estimulando o bebê a repetir sons da fala, sons de animais ou outros sons do ambiente;
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Estimule a identificação de familiares, como por exemplo, papai, mamãe, vovó, titio etc.;
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Estimule o bebê a fazer gestos com as mãos e a cabeça, gestos de “não”, “sim”, “adeus”, bater palmas, mandar beijo etc.
Segundo ano de vida
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Estimule a criança a comer com as próprias mãos ou que manuseie a colher durante as refeições;
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Permita que comece a manusear copo ou xícara, para ingerir líquidos frios, por si só;
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Deixe que a criança tente retirar sozinha as suas roupas na hora do banho, e tente vestir-se após o banho, começando pelas peças de roupa mais fáceis;
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Estimule e supervisione a criança subir e descer escadas;
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Disponibilize papéis e giz de cera coloridos e deixe que ela rabisque espontaneamente;
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Crie condições para que a criança brinque sozinha ou em companhia de outras crianças;
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Ensine-a a dizer o seu próprio nome;
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Dê alguns comandos ou ordens simples para que ela execute. Peça, por exemplo, para empilhar caixas ou cubos, pegar um objeto específico, identificar e nomear figuras etc.
A partir de 2 anos de idade
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Continue aproveitando cada oportunidade para conversar com a criança, falando sempre com clareza. Na hora do banho e durante os momentos de higiene, por exemplo, nomeie as partes do corpo. Ao vestir a criança, fale o nome das peças de roupa e quando possível, deixe-a tentar vestir-se sozinha, mas sem pressão. Na hora da alimentação, estimule a criança a falar o nome dos alimentos e a comer com suas próprias mãos;
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Não perca oportunidades lúdicas para brincar, correr, jogar, dançar etc. Brinque de bola. Essa atividade estimula a coordenação motora de pés, pernas, mãos e braços. Estimule amizades com outras crianças. Aos poucos, elas vão aprendendo as regras de convivência social, como não bater, esperar a sua vez, respeitar o espaço do outro. Estimule o contato com a natureza. Aproveite para conversar sobre as plantas, os animais etc. Brinque de imitar os sons e movimentos de animais, por exemplo;
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Leia para a criança e permita que ela manuseie livros infantis. Estimule-a a contar histórias baseadas nas figuras. Isso contribui para o desenvolvimento da linguagem, desenvolve a atenção da criança, exercita o cérebro ao estimular habilidades de memória e compreensão sobre outras realidades. Responda às perguntas que surgirem durante a leitura. Essa troca reforça o aprendizado e torna essa experiência ainda mais rica. Contar (ou ler) uma história à noite, por exemplo, permite que a criança se acalme e relaxe antes de dormir. Essa sensação de conforto e segurança proporciona uma noite muito mais tranquila para a criança;
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Estimule trabalhos manuais com massas de modelar, giz de cera etc., mas sem esperar ou cobrar resultados bonitos ou perfeitos. O ato de rabiscar desperta a imaginação, permite a expressão das ideias e o controle dos movimentos. Ao ter contato com papel, tintas laváveis, giz de cera, a criança experimenta as texturas, as cores, formas. Peça que ela explique o que desenhou para estimular a criação de narrativa e desenvolver sua criatividade;
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Estabeleça rotinas diárias. Isso contribui para o sentimento de segurança da criança, pois contribui para o desenvolvimento de habilidades de relacionamento com o ambiente sociofamiliar. Portanto, o estabelecimento de uma rotina adequada, influencia positivamente o desenvolvimento infantil. Entre outros fatores, ela ensina a criança regras e limites que permitem a convivência sociofamiliar de modo equilibrado, contribui para o fortalecimento de autonomia e capacidade de resolução de problemas. Reforce que as crianças devem ter a hora de acordar, os horários de alimentação, momentos para brincar, horário para o banho e para dormir;
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Crianças com mais de dois anos de idade, devem ter o tempo de exposição às telas de mídias eletrônicas restrito ao máximo de duas horas diárias. Para crianças em idade escolar, os pais devem estabelecer algumas regras, tais como, assistir ao conteúdo junto com ela; não instalar aparelhos de TV ou computador no quarto dos filhos; e controlar o seu próprio uso de mídia como exemplo e para não comprometer a qualidade da atenção na relação com os filhos, além de dar bom exemplo.
SAIBA MAIS
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ARAÚJO, L. A.; MELO, F. (Trad.). Sociedade Brasileira de Pediatria. Cartilha de desenvolvimento 2 meses a 5 anos: Aprenda os sinais, Aja cedo [recurso eletrônico]. Disponível em: file:///C:/Users/User/OneDrive/%C3%81rea%20de%20Trabalho/textos%20para%20o%20site%20roteiros/24327g-Cartilha_de_Desenvolvimento-2m-5anos-.pdf. Último acesso em: 24 set. 2024.
-
ABERCROMBIE, J.; WIGGINS, L.; GREEN, K. K. CDC's "Learn the Signs. Act Early." Developmental Milestone Resources to Improve Early Identification of Children with Developmental Delays, Disorders, and Disabilities. Zero Three, v. 43, n. 1, p. 5-12, set. 2022. PMID: 37207257; PMCID: PMC10193264.
-
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Manual para vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington, D.C.: OPAS, 2005. (Série OPS/FCH/CA/05. 16.P). ISBN 92 75 72606 X.
-
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. 184 p. ISBN 978-85-334-2434-0.
-
HALPERN, Ricardo. Manual de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. 1. ed. São Paulo: Manole, 2014. 556 p.
-
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 100 p. il. (Série Cadernos de Atenção Básica; n. 11) (Série A. Normas e Manuais Técnicos). ISBN 85-334-0509-X.
-
FRANKENBURG, W. K.; DODDS, J.; ARCHER, P.; SHAPIRO, H.; BRESNICK, B. Denver II: technical manual and training manual. Denver: Denver Developmental Materials, 1992.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento relativamente frequente, caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação social e por padrões restritivos e repetitivos de comportamento. Sua gênese envolve uma complexa interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais.
Há fortes evidências que correlacionam o TEA a causas genéticas. A taxa de Transtorno do Espectro Autista entre irmãos é muito maior do que a taxa na população em geral. Estudos com gêmeos demonstram taxas de concordância substancialmente mais altas de TEA entre gêmeos monozigóticos do que entre gêmeos dizigóticos, entre outras. Os genes até o momento identificados como relacionados ao TEA, são genes envolvidos em uma variedade de funções biológicas, relacionadas ao desenvolvimento e função cerebral, incluindo estrutura e função sináptica, sinalização intracelular, regulação da transcrição e remodelação da cromatina neuronal.
Os fatores ambientais associados ao TEA incluem a idade materna e paterna aumentadas, a exposição intrauterina a medicamentos neurotóxicos, diabetes gestacional, infecções (por exemplo, rubéola e citomegalovírus), restrição do crescimento fetal, hipóxia intraparto, nascimento prematuro, encefalopatia neonatal, entre outros. Os fatores ambientais podem apresentar risco independente para o desenvolvimento cerebral fetal ou podem afetar a função gênica em indivíduos com predisposição genética.
Critérios diagnósticos
O diagnóstico do Transtorno de Espectro Autista é essencialmente clínico e é baseado em critérios definidos pelo DMS-5, cujos sinais e sintomas são agrupados em dois domínios:
1. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social, presentes em vários contextos (identificados presencialmente ou por histórico). Este domínio possui três critérios. Para o diagnóstico, é necessária a presença de todos os três critérios:
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Comprometimento da reciprocidade socioemocional: esse critério implica em dificuldade em iniciar ou responder a interações sociais, dificuldade de manter uma conversa ou diálogo adequado, redução no compartilhamento de interesses, emoções ou afeto.
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Comportamentos comunicativos não-verbais usados para interação social: além das dificuldades de comunicação verbal, a comunicação não-verbal também é inadequada, com déficits na compreensão e uso de gestos, anormalidades no contato visual e na linguagem corporal, ausência de expressões faciais.
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Desenvolvimento, compreensão e manutenção de relacionamentos: dificuldades em ajustar o comportamento para se adequar a vários contextos sociais, dificuldades em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, ausência de interesse pelos colegas.
2. Padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (identificados presencialmente ou por histórico). Este domínio possui quatro critérios. Para o diagnóstico, é necessária a presença de pelo menos dois destes critérios:
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Movimentos motores estereotipados ou repetitivos, uso repetitivo de objetos ou de padrões de fala: estereotipias motoras simples, , hábito de alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases peculiares.
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Insistência na mesmice, aderência inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal e não-verbal: extremo desconforto com pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões de pensamento rígidos, rituais de saudação, necessidade de seguir o mesmo caminho ou comer o mesmo alimento todos os dias.
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Interesses altamente restritos e fixados que são anormais em intensidade ou foco: forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesse excessivamente circunscrito ou perseverante.
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Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesses incomuns em aspectos sensoriais do ambiente visual por luzes ou movimento, ao lado de aparente indiferença à dor/temperatura: resposta adversa a sons ou texturas específicos, cheiro excessivo ou toque de objetos. Fascinação visual por luzes ou movimento.
Para atender aos critérios diagnósticos do TEA (três critérios do primeiro domínio e pelo menos dois critérios do segundo domínio), os sinais e sintomas devem prejudicar o desempenho funcional da criança, com impacto social e ocupacional em ambientes ou cenários variados. Os sintomas devem estar presentes no início do período de desenvolvimento, embora possam não se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas da criança.
Formas Atípicas
Embora o TEA seja tecnicmente associado às características clássicas (comunicação/interação social e comportamentos restritivos/repetitivos), algumas pessoas podem apresentar manifestações que não se encaixam perfeitamente nos critérios diagnósticos tradicionais. Essas formas atípicas podem ser mais sutis ou variáveis, dificultando o reconhecimento. Como exemplo podemos citar:
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TEA de Alto Funcionamento (ou Síndrome de Asperger): Pessoas com essa forma de TEA podem ter inteligência e habilidades linguísticas normais ou até acima da média, mas ainda enfrentam desafios nas interações sociais e podem exibir comportamentos restritivos ou repetitivos. Esses indivíduos podem parecer altamente funcionais em alguns aspectos da vida, mas têm dificuldades nas sutilezas das interações sociais.
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TEA sem Deficiência Intelectual ou Atraso de Linguagem: Algumas pessoas no espectro autista podem não apresentar os atrasos de linguagem ou deficiências cognitivas comumente associados ao TEA. No entanto, ainda têm dificuldades com a reciprocidade social e a flexibilidade comportamental.
O diagnóstico de formas atípicas pode ser mais complexo e, muitas vezes, requer uma equipe multidisciplinar para avaliar os sintomas de forma abrangente.
Classificação
De acordo com a GRAVIDADE dos sintomas, o Transtorno de Espectro Autista pode ser classificado em três níveis:
Nível 1 - Requer apoio
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Sintomas Socioafetivos:
Déficits na comunicação social com prejuízos perceptíveis: Dificuldade em iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas inadequadas às iniciativas sociais dos outros. Pode demonstrar interesse diminuído em interações sociais.
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Comportamentos Restritivos e Repetitivos:
Inflexibilidade de comportamento com prejuízo significativo no desempenho funcional em um ou mais contextos ou ambientes. Dificuldade em alternar entre atividades. Problemas de organização e planejamento.
Nível 2 - Requer apoio significativo
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Sintomas Socioafetivos:
Déficits significativos nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal. Prejuízos sociais são aparentes mesmo com os apoios recebidos. Iniciativa limitada de interações sociais e respostas reduzidas ou anormais às iniciativas sociais dos outros.
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Comportamentos Restritivos e Repetitivos:
Inflexibilidade de comportamento, dificuldade em lidar com mudanças ou outros comportamentos restritivos e repetitivos com frequência suficiente para serem óbvios para um observador casual e com interferência no desempenho funcional em diversos contextos.
Nível 3 - Requer apoio muito significativo
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Sintomas Socioafetivos:
Déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal causando sérios prejuízos no desempenho funcional, com iniciativa muito limitada de interações sociais e resposta mínima às iniciativas sociais dos outros.
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Comportamentos Restritivos e Repetitivos:
Inflexibilidade de comportamento; extrema dificuldade em lidar com mudanças; esses e outros comportamentos interferem significativamente no desempenho funcional em todas as esferas. Grande angústia ou dificuldade em mudar de foco ou ação.
O Transtorno de Espectro Autista também pode ser classificado em verbal ou não verbal, de acordo com as habilidades comunicativas:
Verbal:
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Utilizam a linguagem falada para se comunicar.
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Podem formar frases completas e manter conversas.
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A habilidade verbal pode variar significativamente; alguns podem ter habilidades de comunicação próximas ao normal, enquanto outros podem ter dificuldades com a linguagem pragmática (uso social da linguagem), compreensão de nuances, e habilidades de conversação.
Não Verbal:
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Indivíduos que não utilizam a linguagem falada para se comunicar ou que têm habilidades verbais muito limitadas.
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Podem se comunicar usando outros meios, como gestos, linguagem de sinais etc.
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A capacidade de comunicação não verbal também pode variar; alguns podem usar uma combinação de métodos para se expressar e se comunicar efetivamente, enquanto outros podem ter desafios mais significativos.
Sinais de Alerta
Os principais sinais de alerta que podem contribuir para se suspeitar de Transtorno de Espectro Autista, são colocados a seguir:
Antes de 12 meses de idade:
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Contato visual limitado ou ausente desde o segundo mês de vida
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Falta de sorriso social ou de expressões faciais que normalmente começam por volta dos 2 a 3 meses.
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Atrasos no balbucio que iniciam entre 4 e 6 meses.
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Atrasos na resposta aos sons ou falta de resposta a sons e vozes familiares
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Pouco interesse em interações sociais
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Reações exageradas ou ausência de reação a estímulos sensoriais como luzes, sons, odores, sabores ou toques
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Falta de gestos comunicativos como apontar, acenar ou mostrar objetos, que ocorrem normalmente por volta dos 9 a 12 meses.
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Não reage ou responde ao nome, o que é esperado normalmente aos 12 meses.
Após os 12 meses de idade:
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Atraso na fala e nas habilidades de linguagem
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Preferência por ficar sozinho
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Dificuldade em entender os sentimentos de outras pessoas ou em falar sobre os próprios sentimentos
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Repetição de palavras ou frases repetidamente (ecolalia)
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Respostas não relacionadas às perguntas
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Dificuldade com situações de mudança (mesmo pequenas mudanças)
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Interesses obsessivos
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Movimentos repetitivos como balançar as mãos, balançar o corpo ou girar em círculos
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Não apontar para objetos para mostrar interesse ou desejo (esperado até os 14 meses)
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Não brincar ou não compreender brincadeiras de faz de conta (esperado até os 18 meses)
Testes de Triagem
Durante as consultas de puericultura e vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor, nem sempre é possível identificar essas crianças. Os sintomas característicos de TEA podem não ser detectados nessas consultas médicas de rotina. A avaliação formal da linguagem, habilidades cognitivas e adaptativas e estado sensorial é um componente importante do processo diagnóstico. Por isso é necessária uma avaliação adicional. O uso de ferramentas padronizadas de triagem para TEA pode auxiliar as famílias a identificarem sintomas potenciais de forma mais eficaz. Recomenda-se a triagem de todas as crianças para sintomas de TEA utilizando uma combinação de vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor em todas as consultas e testes padronizados específicos de triagem para TEA entre 16 e 30 meses de idade. A identificação de crianças com TEA mais precocemente, permite que as intervenções sejam iniciadas mais cedo com potencial de melhor influenciar os resultados.
As ferramentas de triagem são projetadas para auxiliar os cuidadores (pais, familiares, professores...) na identificação e no relato dos sintomas observados em crianças com alto risco de Transtorno do Espectro Autista. Embora testes de triagem não sejam suficientes para o diagnóstico, eles contribuem na identificação de crianças em risco de TEA e consequente encaminhamento para avaliação adicional.
O M-CHAT R/F (Modified Checklist for Autism in Toddlers, Revised with Follow-Up) é uma das ferramentas de triagem mais utilizada para identificar sinais de risco de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em crianças pequenas, geralmente entre 16 e 30 meses de idade. O M-CHAT R/F é uma versão revisada e ampliada da M-CHAT original, com um componente adicional de seguimento (Follow-Up) que ajuda a melhorar a precisão da triagem. Crianças rastreadas com o M-CHAT-R/F conseguem ser identificadas com TEA em idades mais jovens do que o previsto.
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O M-CHAT R/F é um questionário com 20 perguntas perguntas simples, respondidas pelos pais ou responsáveis, focadas em comportamentos, comunicação e interação social da criança.
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Se a triagem inicial indica risco de TEA, um seguimento é realizado, para esclarecer respostas ambíguas e reduzir falsos positivos. Perguntas feitas pelo clínico e repetição do questionário são necessárias para garantir sua especificidade.
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A principal finalidade do M-CHAT R/F é identificar crianças que podem precisar de uma avaliação mais aprofundada para diagnóstico de TEA, permitindo intervenções precoces.
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O M-CHAT R/F é amplamente reconhecido e utilizado devido à sua eficácia em detectar sinais precoces de TEA, contribuindo para diagnósticos e intervenções mais precoces e eficazes.
Pontuação:
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Crianças com pontuação igual ou superior a 8 apresentam alto risco para TEA ou outro transtorno do desenvolvimento e devem ser encaminhadas imediatamente para avaliação diagnóstica.
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Para crianças com pontuação de 3 a 7, é necessário realizar nova abordagem, utilizando questões de entrevista de seguimento (roteiro disponível publicamente) para os itens classificados como positivos. Crianças que continuam com 3 a 7 itens positivos para diagnóstico de TEA após esclarecimento das perguntas de acompanhamento têm 47% de risco de diagnóstico de TEA.
Reforçando: Um resultado positivo no M-CHAT-R/F não significa necessariamente que a criança tenha TEA, mas indica a necessidade de uma avaliação adicional por um profissional especializado.
Para obter a versão completa e atualizada do M-CHAT-R/F em português, com todas as perguntas e instruções, consulte o link:
https://mchatscreen.com/wp-content/uploads/2020/09/M-CHAT-R_F_Brazilian_Portuguese_v2
Avaliação Diagnóstica
Uma vez identificados critérios de risco para TEA, é recomendada a imediata avaliação diagnóstica, incluindo testes cognitivos, avaliação da audição, linguagem, entre outros. Embora a maioria das crianças precise consultar um especialista (neurologista, psiquiatra ou psicólogo), sabe-se que pediatras generalistas e psicólogos infantis familiarizados com os critérios do DSM-5 podem perfeitamente realizar um diagnóstico clínico inicial. Crianças com sintomas mais leves e/ou inteligência média ou acima da média podem não ter os sintomas identificados até a idade escolar, quando as diferenças na linguagem social ou rigidez pessoal passam a afetar o desempenho. Algumas crianças que recebem diagnóstico de TEA mais tardiamente, podem ter sido, inicialmente, consideradas como tendo linguagem precoce, habilidades de leitura ou matemática acima da média, e somente quando as demandas sociais da escola aumentam é que os sintomas se manifestam. Também tem sido observado que as meninas podem ter menor intensidade de sintomas e menos comportamentos aparentes. Essas diferenças podem, em parte, resultar em subdiagnóstico em meninas.
Um outro aspecto a se considerar é o fato de que os sintomas podem variar dependendo da idade, nível de linguagem, habilidades cognitivas e da existência ou não de comorbidades. Para o diagnóstico de TEA é essencial descartar outros diagnósticos isolados, como deficiência intelectual causada por outra condição ou atraso global do desenvolvimento causado por outra condição.
A definição diagnóstica é o primeiro passo para o início das intervenções terapêuticas. Confirmado o diagnóstico, deve-se iniciar a intervenção precoce e proporcionar os serviços escolares e outros cuidados necessários.
Avaliação Cognitiva
Uma variedade de medidas padronizadas é usada para determinar o QI em crianças. O teste de inteligência selecionado pelo psicólogo dependerá da idade e do nível de linguagem da criança. A administração de um teste cognitivo válido é importante para atribuir sintomas ao TEA como parte do diagnóstico inicial. Inclusive, existem testes válidos que podem ser usados em crianças não verbais.
Avaliação da Linguagem
Alterações no uso da comunicação verbal e não verbal para interação social são inerentes aos sintomas centrais do TEA. A avaliação formal da comunicação por um fonoaudiólogo envolve várias etapas e métodos para obter uma compreensão abrangente das habilidades comunicativas e linguísticas da criança. Existem testes padronizados para medir aspectos específicos da linguagem, como vocabulário, compreensão auditiva, produção verbal, pragmática (uso social da linguagem) e habilidades narrativas:
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Análise de amostras de fala espontânea para avaliar estrutura gramatical, complexidade sintática e uso de linguagem funcional.
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Análise da capacidade da criança de iniciar e manter conversas, fazer e responder perguntas, usar gestos e expressões faciais, e compreender normas sociais de comunicação.
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Observação de como a criança responde a perguntas e segue instruções verbais.
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Testes para avaliar a capacidade da criança de entender palavras, frases e instruções.
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Observação de comportamentos não verbais, como contato visual, uso de gestos e expressões faciais.
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Avaliação da necessidade e eficácia de dispositivos de comunicação alternativa, como tablets ou aplicativos de comunicação
Avaliação Motora
Crianças com TEA têm maior probabilidade de apresentar atrasos leves nas habilidades motoras grossas e coordenação, em comparação com crianças na população geral. Testes de triagem geral ou medidas adaptativas podem sugerir atrasos motores que se beneficiariam de uma avaliação formal por um terapeuta ocupacional ou fisioterapeuta.
Avaliação Sensorial: Audição
Crianças com atraso na linguagem ou desatenção à linguagem devem ter sua audição avaliada como parte da avaliação inicial. A perda auditiva pode coexistir com o TEA e precisa ser considerada em crianças com atrasos na linguagem, problemas de comportamento ou desatenção.
Avaliação Sensorial: Visão
A função visual deve ser considerada na avaliação inicial de crianças que estão visualmente desatentas, apresentam comportamentos estereotipados ou não fazem contato visual. A acuidade visual diminuída pode afetar o olhar interativo e exigir adaptações no ambiente educacional. Crianças com deficiência visual também podem demonstrar comportamentos motores estereotipados.
Comorbidades
Algumas condições patológicas podem coexistir com o Transtorno do Espectro Autista. Entre essas comorbidades, as mais frequentes são:
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Deficiência Intelectual: A associação entre Transtorno do Espectro Autista (TEA) e deficiência intelectual é relativamente alta. Estima-se que aproximadamente 30% a 50% de indivíduos com TEA podem ter algum grau de deficiência intelectual, embora as estimativas variem. No entanto, é importante notar que há uma ampla variação nas habilidades cognitivas entre indivíduos com TEA, e muitos têm inteligência na faixa normal ou acima da média.
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Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): O TDAH é comum em indivíduos com TEA, apresentando tanto comprometimento da atenção quanto manifestações de impulsividade e hiperatividade.
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Transtornos de Ansiedade e outros: Muitos indivíduos com TEA experimentam transtornos de ansiedade, incluindo transtorno de ansiedade generalizada. Podem apresentar também outros transtornos, tais como, transtorno do sono, transtorno do humor, distimia, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias específicas.
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Epilepsia: A prevalência de epilepsia é maior em indivíduos com TEA do que na população geral, afetando aproximadamente 20% a 30%.
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Transtornos de Alimentação: Pode haver seletividade alimentar extrema e problemas relacionados à alimentação, como recusa alimentar e problemas sensoriais com certos tipos de alimentos.
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Transtornos Sensoriais: Muitos indivíduos com TEA apresentam hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais, como sons, luzes, texturas e sabores.
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Transtornos Gastrointestinais: Problemas gastrointestinais, como constipação, diarreia e dor abdominal, são comuns.
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Transtornos de Movimento: Tiques, estereotipias motoras e distúrbios de coordenação motora são frequentemente observados.
Avaliação etiológica
Crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista devem ser avaliadas para identificação de potenciais causas. A avaliação etiológica começa com uma anamnese detalhada e um exame físico e neurológico completos e envolve uma equipe multidisciplinar que inclui, além de pediatras, neurologistas, psiquiatras e psicólogos, outros profissonais, tais como, geneticistas, audiologistas, oftalmologistas e fonoaudiólogos. Essa abordagem abrangente ajuda a garantir que todas as possíveis causas e comorbidades sejam consideradas.
Exames genéticos
Essa investigação pode envolver variados testes genéticos e deve ser recomendada e oferecida a todas as famílias. A decisão de quais testes genéticos realizar deve ser feita por um médico geneticista ou outro profissional de saúde qualificado, considerando a história clínica do paciente e achados do exame físico. Os testes genéticos comumente indicados incluem:
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Cariótipo: Utilizado para detectar grandes anomalias cromossômicas, como translocações, inversões ou grandes deleções/duplicações.
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Teste para Síndrome do X Frágil: A análise do gene FMR1 é utilizada para identificar a presença de mutações que causam a síndrome do X Frágil, uma das causas mais comuns de deficiência intelectual e TEA.
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Análise de Microarranjos Cromossômicos (CMA): Também conhecida como hibridização genômica comparativa por microarranjos, é usada para detectar variações no número de cópias de segmentos do DNA, como pequenas deleções ou duplicações, que podem estar associadas ao TEA.
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Sequenciamento de Exoma (WES): Sequenciamento completo dos éxons (as partes codificantes do genoma). Este teste é útil para detectar mutações raras em genes conhecidos por estarem relacionados ao TEA.
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Sequenciamento de Genoma Completo (WGS): Sequenciamento de todo o genoma para identificar variações genéticas, incluindo aquelas em regiões não codificantes do DNA, que podem estar associadas ao TEA.
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Análise de Genes Específicos: Testes direcionados para genes específicos conhecidos por sua associação com o TEA, como MECP2, PTEN, SHANK3, entre outros.
Quando há suspeita de uma síndrome específica ou distúrbio metabólico, o clínico ou geneticista deve solicitar o teste direcionado mais apropriado (como por exemplo algumas síndromes genéticas clínicas: síndrome do X frágil, complexo da esclerose tuberosa, síndrome de Rett, síndrome de Smith-Lemli-Opitz, síndrome de Timothy, entre outras).
Outros exames
Além dos testes genéticos, a investigação etiológica do Transtorno do Espectro Autista pode incluir uma variedade de exames e avaliações para identificar possíveis causas subjacentes e ou comorbidades associadas. Alguns desses exames incluem:
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Eletroencefalograma (EEG): Para detectar anormalidades na atividade elétrica do cérebro, especialmente em casos de suspeita de epilepsia.
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Ressonância Magnética (RM) ou Tomografia Computadorizada (TC) cranioencefálica: Para avaliar a estrutura cerebral e identificar anomalias anatômicas ou lesões neurológicas.
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Audiometria e Emissões Otoacústicas (EOA): Para descartar perda auditiva como causa de atraso na linguagem e dificuldades de comunicação.
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Avaliação Oftalmológica: Exame completo da visão para detectar problemas visuais que podem impactar o desenvolvimento e o comportamento.
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Avaliação Metabólica e Bioquímica: Testes laboratoriais para pesquisa de erros inatos do metabolismo ou outras condições metabólicas que possam estar associadas ao TEA.
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Sorologias para citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola e sífilis, que podem causar sintomas semelhantes aos do TEA.
Plano terapêutico e de cuidados
Estabelecer um plano terapêutico e de cuidados para uma criança com Transtorno do Espectro Autista requer uma abordagem personalizada e multiprofissional, obviamente com pleno envolvimento da família. Os pais e cuidadores recebem capacitação sobre como apoiar o desenvolvimento da criança em casa, incluindo técnicas de manejo comportamental e estratégias de comunicação.
É necessário que haja uma combinação de várias estratégias e serviços para garantir um desenvolvimento saudável e melhor qualidade de vida. Entre essas estratégias, as intervenções comportamentais desempenham um papel crucial. Elas são projetadas para abordar habilidades e sintomas específicos, ajudando a criança a desenvolver comportamentos sociais, habilidades de comunicação e habilidades cotidianas de forma mais eficaz. Uma abordagem multidisciplinar, que envolva todos esses aspectos, é fundamental para atender às necessidades de cada criança e promover seu bem-estar a longo prazo. A montagem da equipe multiprofissional é o passo inicial, incluindo psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos, médicos e outros especialistas (neuropediatra, psiquiatra infantil...). A equipe deve definir metas claras e alcançáveis, adaptadas às necessidades e habilidades específicas da criança, tais como, melhorias na comunicação, habilidades sociais, autonomia e comportamento. Ocupam papéis de destaque nesse processo, os profissionais da terapia ocupacional que trabalham o desenvolvimento de habilidades motoras finas e grossas, além de habilidades da vida cotidiana; fonoaudiologia, focada em melhorar a comunicação verbal e não-verbal e da área de pedagogia, que desenvolvem e trabalham em programas educacionais adaptados às necessidades da criança, como ensino estruturado, uso de suportes visuais e outras técnicas de ensino específicas para TEA.
Essas crianças devem ter um acompanhamento periódico visando revisar e ajustar o plano terapêutico regularmente com base no progresso e em novas necessidades da criança. Todos os membros da equipe e a família devem manter uma comunicação permanente e aberta entre si para garantir que o plano esteja funcionando bem e para os ajustes, quando necessário. A família deve receber apoio emocional, incluindo grupos de apoio e aconselhamento, além da capacitação prática. Criar e manter um plano terapêutico e de cuidados para uma criança com TEA é um processo contínuo e colaborativo que requer paciência, dedicação e a participação ativa de todos os envolvidos.
Medicamentos
A decisão de usar medicamentos deve ser tomada após uma avaliação cuidadosa dos benefícios e riscos, considerando as necessidades específicas da criança. É importante destacar que medicamentos não tratam o TEA em si, mas, eventualmente podem ser necessários para tratar alguns sintomas e ou comorbidades associadas e assim, melhorar a qualidade de vida da criança. Além disso, os medicamentos devem ser parte de um plano de tratamento abrangente que inclua todas as demais intervenções terapêuticas e educacionais. Entre os medicamentos com possibilidade de uso em crianças com TEA, estão os seguintes:
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Risperidona: Aprovada para tratar irritabilidade grave, incluindo agressividade, autoagressão e mudanças de humor em crianças com TEA.
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Metilfenidato: Usado para tratar sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) que podem estar presentes em crianças com TEA, ajudando a melhorar a atenção e reduzir a hiperatividade.
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Fluoxetina ou Sertralina: Usada para tratar sintomas de ansiedade, depressão e comportamentos repetitivos em crianças com TEA.
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Buspirona: Pode ser usada para tratar a ansiedade em crianças com TEA.
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Melatonina: Suplemento frequentemente usado para ajudar a regular o sono em crianças com TEA.
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Antiepilépticos tais como ácido valpróico, lamotrigina, entre outros, podem ser indicados para tratar crianças com TEA e epilepsia associada.
A indicação desses medicamentos deve ser realizada por neuropediatras ou psiquiatras infantis, responsáveis pela prescrição inicial, ajustes de dosagem quando indicados, troca da medicação ou interrupção do tratamento.
SAIBA MAIS...
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HIROTA, T.; KING, B. H. (2023). Autism Spectrum Disorder: A Review. JAMA, Chicago, v. 329, n. 2, p. 157-168. doi: 10.1001/jama.2022.23661.
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CARDOSO, A. A.; VELOSO, C. F.; CARDOSO-MARTINS, C.; FERNANDES, F. D. M.; MAGALHÃES, M. L.; NOGUEIRA, M. F. (2019). Transtorno do Espectro do Autismo. Manual de Orientação nº 05. São Paulo: Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento.
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MONTENEGRO, M. A., CELERI, E. H. R. V., & CASELLA, E. B. (2018). Transtorno do Espectro Autista - TEA: Manual Prático de Diagnóstico e Tratamento. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Thieme Revinter. 128 p. ISBN 978-8554650803.
TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade, com impacto no desempenho social, acadêmico e/ou ocupacional. É um dos transtornos mentais mais comuns na infância, afetando aproximadamente 5% das crianças em idade escolar. Crianças e adolescentes com TDAH, não tratados adequadamente, são mais propensos a problemas de risco futuro, incluindo abuso de substâncias, acidentes de trânsito, sexo desprotegido, comportamento criminoso, tentativas de suicídio, entre outros.
Há evidências de que o TDAH seja consequência de disfunções de circuitos neurais específicos, particularmente aqueles que conectam o córtex pré-frontal com outras áreas do cérebro, como os gânglios da base e o sistema límbico. Essas regiões são amplamente associadas às funções de atenção, controle inibitório, regulação da atividade motora e comportamento, planejamento e organização. A disfunção nos sistemas dopaminérgico e noradrenérgico dessas áreas é uma das principais hipóteses para o TDAH. A dopamina e a noradrenalina desempenham papéis críticos na modulação da atenção, motivação e controle do comportamento, sendo que alterações nesses sistemas podem contribuir para manifestação dos sintomas.
O TDAH é considerado multifatorial e resulta de uma complexa interação entre fatores genéticos, biológicos e ambientais. Nenhum fator isolado é responsável pelo desenvolvimento do transtorno. É a combinação desses elementos que irá influenciar a gravidade dos sintomas.
Critérios diagnósticos
O diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) segue critérios específicos estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-5), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria. Na definição diagnóstica de TDAH, existem dois blocos ou domínios principais de sintomas:
1. Sintomas de Desatenção: Inclui sintomas relacionados à dificuldade em manter a atenção, seguir instruções, organizar tarefas, entre outros. Para ser diagnosticado com TDAH predominantemente desatento, a pessoa precisa apresentar pelo menos seis sintomas de desatenção por um período de pelo menos seis meses, em grau que é inconsistente com o nível de desenvolvimento e que impacta negativamente atividades sociais e acadêmicas/ocupacionais:
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Frequentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por descuido.
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Tem dificuldade em manter a atenção em tarefas ou atividades recreativas.
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Frequentemente parece não escutar quando se fala diretamente com ele(a).
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Frequentemente não segue instruções e não termina tarefas escolares, tarefas domésticas ou deveres no local de trabalho.
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Tem dificuldade em organizar tarefas e atividades.
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Evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que requerem esforço mental prolongado.
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Perde coisas necessárias para tarefas e atividades.
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Distrai-se facilmente com estímulos externos.
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Esquece-se de atividades diárias.
2. Sintomas de Hiperatividade e Impulsividade: Inclui sintomas relacionados a comportamentos hiperativos e impulsivos, como falar excessivamente, agir de maneira impaciente, dificuldade em permanecer sentado, entre outros. Para ser diagnosticado com TDAH predominantemente hiperativo-impulsivo, a pessoa precisa apresentar pelo menos seis sintomas de hiperatividade e impulsividade por um período de pelo menos seis meses, em grau que é inconsistente com o nível de desenvolvimento e que impacta negativamente atividades sociais e acadêmicas/ocupacionais:
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Frequentemente mexe ou bate mãos e pés ou se remexe na cadeira.
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Frequentemente levanta-se em situações nas quais se espera que permaneça sentado.
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Frequentemente corre ou escala em situações onde isso é inapropriado.
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É incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer silenciosamente.
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Está frequentemente "a mil" ou muitas vezes age como se estivesse "a todo vapor".
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Frequentemente fala demais.
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Frequentemente responde abruptamente antes que a pergunta tenha sido completada.
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Frequentemente tem dificuldade em esperar a sua vez.
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Frequentemente interrompe ou se intromete nos outros.
Para atender aos critérios diagnósticos do TDAH (seis critérios do primeiro domínio e seis critérios do segundo domínio, por pelo menos seis meses), os sinais e sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos de idade, em dois ou mais ambientes (por exemplo, em casa, na escola ou outro ambiente frequentado pela criança; com pais ou outros familiares, professores, colegas) e com evidências claras de que os sintomas interferem ou reduzem a qualidade do desempenho social, acadêmico ou ocupacional.
Classificação
O TDAH pode ser classificado em três subtipos com base na predominância dos sintomas:
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TDAH Predominantemente Desatento: Quando os sintomas de desatenção predominam.
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TDAH Predominantemente Hiperativo-Impulsivo: Quando os sintomas de hiperatividade-impulsividade predominam.
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TDAH Combinado: Quando há uma combinação significativa de sintomas de ambos os domínios.
TDAH e o desenvolvimento de Funções Executivas
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) está fortemente relacionado a dificuldades no desenvolvimento das chamadas funções executivas. As funções executivas são um conjunto de processos cognitivos, que permitem a habilidade de planejar, organizar, manter a atenção, iniciar tarefas, controlar impulsos, gerenciar o tempo, entre outras. Durante a infância e a adolescência, essas habilidades estão em desenvolvimento, atingindo a maturidade na idade adulta. O desenvolvimento adequado das funções executivas é essencial para o sucesso acadêmico, social e emocional. Em indivíduos com TDAH, esse desenvolvimento pode ser atrasado ou menos eficiente, resultando em dificuldades persistentes ao longo da vida. A relação entre o TDAH e o desenvolvimento das funções executivas é central para o entendimento e o tratamento não farmacológico do transtorno, já que muitas das intervenções visam diretamente fortalecer essas funções para melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados.
Principais funções executivas:
Memória de trabalho: Capacidade de manter e manipular informações temporarias mentalmente. A memória de trabalho é um sistema cognitivo responsável por manter e manipular informações enquanto realizamos tarefas mentais. Ela é essencial para atividades que exigem a retenção de informações por curtos períodos, como realizar cálculos mentais, seguir instruções, realizar tarefas múltiplas, compreender um texto ou até mesmo participar de uma conversa. A memória de trabalho é uma das funções executivas mais afetadas em indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Indivíduos com TDAH frequentemente têm dificuldades em manter informações na memória de trabalho, gerando dificuldade em lembrar instruções complexas ou executarem uma atividade com muitos detalhes.
Atenção Sustentada: Uma das funções executivas mais afetadas pelo TDAH é a capacidade de manter a atenção por períodos prolongados em atividades que exigem concentração. Indivíduos com TDAH muitas vezes têm dificuldades em focar em tarefas monótonas ou prolongadas, o que pode levar à distração frequente.
Controle inibitório: Habilidade de controlar impulsos e resistir a distrações ou reações automáticas. Isso inclui o autocontrole e a habilidade de inibir respostas indesejadas. No TDAH, há uma dificuldade em suprimir respostas impulsivas ou mesmo de responder de maneira adequada a situações diferentes.
Flexibilidade cognitiva: Capacidade de mudar o foco da atenção ou mudar de uma tarefa para outra, ajustando-se a novas demandas, regras ou prioridades. Pessoas com TDAH podem ter dificuldade em mudar de uma tarefa ou pensamento para outro. Isso pode levar a dificuldades em se adaptar a mudanças ou lidar com situações que requerem tarefas múltiplas.
Planejamento, organização e gerenciamento de tempo: Habilidade de definir objetivos, criar um plano de ação e cronograma para alcançá-los e organizar as informações ou recursos necessários para isso. Indivíduos com TDAH frequentemente têm dificuldades em planejar e organizar suas atividades. Eles podem procrastinar, ter dificuldade em estabelecer prioridades ou seguir um plano até o fim.
Tomada de decisões: Capacidade de avaliar opções e tomar decisões. Pessoas com TDAH podem tomar decisões de forma impulsiva, sem considerar todas as opções ou consequências. Isso ocorre devido a dificuldades na inibição de respostas imediatas e tendência a agir antes de pensar. A avaliação cuidadosa de alternativas ou opções pode ser problemática para indivíduos com TDAH, devido a dificuldades para analisar múltiplos fatores ou prever resultados a longo prazo. Assim, a tendência de adiar decisões importantes é frequente, por causa da incapacidade de organizar pensamentos ou priorizar a decisão a ser tomada.
Monitoramento: Habilidade de monitorar o progresso em direção ao objetivo e realizar ajustes conforme necessário para alcançar esse objetivo. Indivíduos com TDAH podem ter dificuldades de acompanhar o progresso de uma tarefa em tempo real. Eles podem se distrair ou perder o foco, o que dificulta a realização de um monitoramento contínuo. Não conseguem perceber ou têm dificuldade de identificar a necessidade de ajustes em uma tarefa.
Autoavaliação: A autoavaliação pode ser inconsistente pela dificuldade em reconhecer padrões de comportamento ou desempenho, o que dificulta a identificação de áreas que precisam de melhoria. A autoavaliação eficaz requer feedback interno, algo que indivíduos com TDAH podem não conseguir gerar de forma confiável. Isso pode resultar na repetição de erros ou na incapacidade de melhorar em tarefas futuras.
Avaliação Diagnóstica
A avaliação diagnóstica do TDAH é um processo abrangente que envolve múltiplas etapas e coleta de informações de várias fontes e cenários socioambientais. A avaliação da criança começa com uma entrevista detalhada conduzida por profissionais de saúde mental (como psiquiatra infantil, neuropediatra, psicólogo) ou pediatra clínico. A entrevista inclui perguntas aos cuidadores sobre o comportamento da criança e seu desempenho em diferentes ambientes, seu histórico médico detalhado, incluindo informações sobre a gravidez, nascimento, marcos de desenvolvimento e histórico familiar de TDAH ou outros transtornos mentais. Existem instrumentos validados, incluindo testes ou questionários específicos, check lists de observação direta, entre outros, que são utilizados para direcionar e otimizar a coleta de informações sobre os sintomas comportamentais associados ao TDAH em crianças e adolescentes.
SNAP IV
No Brasil, o principal instrumento de investigação de TDAH é o SNAP-IV (Swanson, Nolan, and Pelham Teacher and Parent Rating Scale), uma escala de avaliação comportamental amplamente utilizada devido à sua validação e adaptação cultural para a população brasileira. O SNAP-IV é uma ferramenta útil na triagem e no monitoramento dos sintomas de TDAH, mas não é suficiente por si só para o diagnóstico definitivo. Ele faz parte de uma investigação mais ampla que deve incluir entrevistas clínicas, observações diretas e outras escalas avaliativas (o diagnóstico final é feito por um profissional de saúde mental com base em análise detalhada de todas as informações coletadas). O instrumento é constituído por 26 itens que contemplam os critérios do DSM e permitem avaliar a frequência e a intensidade dos sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Deve ser preenchido por pais, professores e outros cuidadores, proporcionando uma visão abrangente dos comportamentos da criança em diferentes contextos.
Interpretação da pontuação do SNAP-IV:
Os 26 itens se distribuem em três blocos, mas somente os dois primeiros blocos (itens 1 a 18) são específicos para TDAH:
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(1) Critério de Sintomas de Desatenção: Consiste em 9 itens (itens1 a 9).
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(2) Critério de Sintomas de Hiperatividade/Impulsividade: Consiste em 9 itens (itens 10 a 18).
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(3) Critério de Oposição/Desafio (TOD): Consiste em 8 itens (itens 19 a 26). Estes oito itens são específicos para comportamentos opositivos/desafiadores, que podem estar presentes ou ausentes no TDAH (não são específicos do TDAH).
Pontuação: Cada item é avaliado em uma escala de 0 a 3:
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0: Nunca (nem um pouco)
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1: Ocasionalmente (só um pouco)
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2: Frequentemente (bastante)
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3: Muito Frequentemente (demais)
Pontuação Significativa:
Para cada item dos critérios de desatenção e de hiperatividade/impulsividade, uma pontuação média de 2.0 ou mais, é frequentemente utilizada como um ponto de corte sgnificativo para indicar uma possível presença de TDAH. Embora não haja uma pontuação de corte definida para se suspeitar de modo consistente de TDAH, é necessário que haja pontuações elevadas em pelo menos um dos critérios. Como já foi explicado, o SNAP-IV não é suficiente por si só para o diagnóstico definitivo. A investigação deve ser abrangente com entrevistas clínicas, observações diretas e o diagnóstico final deve ser realizado por profissionais de saúde mental a partir de avaliações minuciosas.
Comorbidades e diagnósticos diferenciais
Comorbidades (O paciente tem TDAH + outros diagnósticos associados)
Outros transtornos podem coexistir com o TDAH, resultando quadros clínicos de maior complexidade. As comorbidades podem confundir o diagnóstico e dificultar o manejo. Alguns diagnósticos que frequentemente se associam e coexistem com o TDAH, incluem os transtornos de ansiedade, transtornos de humor, transtorno do espectro autista, transtorno opositivo desafiador, transtorno de conduta, transtornos do sono, abuso de substâncias (adolescentes), entre outros.
Diagnósticos diferenciais (O paciente apresenta algum outro diagnóstico com sintomas semelhantes ao TDAH, mas não têm TDAH)
Outras patologias distintas do TDAH também podem cursar com comprometimento variado da atenção e/ou sintomas análogos à hiperatividade-impulsividade, na ausência de TDAH. Por isso, para se obter um diagnóstico com precisão é necessário que haja uma avaliação completa da criança por profissionais de saúde mental, incluindo entrevistas, questionários e, em alguns casos, testes neuropsicológicos. É importante considerar todos os aspectos para evitar diagnósticos equivocados e assegurar um tratamento adequado. Os principais diagnósticos diferenciais incluem transtornos de ansiedade, transtornos da aprendizagem (como por exemplo dislexia, discalculia...), problemas visuais e auditivos, transtornos de humor, transtorno do espectro autista, transtorno opositivo desafiador, transtorno de conduta, transtornos do sono e abuso de substâncias (adolescentes).
Avaliação etiológica
Aspectos Genéticos
O TDAH tem um forte componente genético. Estudos realizados com famílias, irmãos gêmeos e filhos adotivos, mostram uma alta taxa de herdabilidade, em torno de 70-80%. Vários genes foram associados ao TDAH, muitos deles envolvidos na regulação dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina. Polimorfismos em genes como o DRD4 (receptor de dopamina D4), DAT1 (transportador de dopamina) e SNAP-25 (proteína associada à sinapse) têm sido associados ao diagnóstico de TDAH.
Aspectos Ambientais
Alguns fatores ambientais têm sido implicados na manifestação do TDAH. Exposição pré-natal a toxinas (como tabaco, álcool e drogas), baixo peso ao nascer, prematuridade e eventos psicossociais adversos na infância podem aumentar o risco de desenvolvimento do transtorno. Infecções congênitas ou stress materno elevado durante a gestação também têm sido relacionados ao maior risco de TDAH na criança.
Plano terapêutico e de cuidados
Estabelecer um plano terapêutico e de cuidados para uma criança com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade inclui uma gama de possibilidades de intervenções farmacológicas e não farmacológicas.
Tratamento farmacológico
O tratamento farmacológico do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) envolve principalmente medicamentos psicoestimulantes e medicamentos não estimulantes. Ambos os grupos são aprovados para o tratamento do TDAH e são recomendados com base em critérios clínicos individuais. Os medicamentos são liberados para uso em crianças somente a partir de 6 anos de idade. São eficazes na redução dos principais sintomas do TDAH, como déficit de atenção e hiperatividade-impulsividade e apresentam impacto positivo em outros aspectos importantes da vida da criança ou adolescente, como desempenho acadêmico, habilidades sociais, estado emocional e qualidade de vida.
Os medicamentos estimulantes têm demonstrado um efeito superior na melhoria dos sintomas principais do TDAH em comparação com os medicamentos não estimulantes. No entanto, quando se trata de comportamentos disruptivos (agressividade, oposição, desobediência etc.), os medicamentos não estimulantes apresentam melhores resultados. Assim, nestes casos, a combinação de medicamentos estimulantes com não estimulantes pode proporcionar uma melhoria adicional dos sintomas, em comparação com o uso de medicamentos estimulantes isoladamente.
Medicamentos Estimulantes
Os medicamentos estimulantes são a primeira linha de tratamento para o TDAH e são eficazes para a maioria dos pacientes. Esse grupo é constituído pelas anfetaminas, sendo o metilfenidato e a lisdexanfetamina, as mais utilizadas. As anfetaminas promovem o aumento da liberação de dopamina e noradrenalina nas sinapses nervosas, agindo sobre os transportadores dos neurotransmissores. Também inibem a recaptação desses neurotransmissores, mantendo-os por mais tempo na fenda sináptica.
- Metilfenidato(nomes comerciais: Ritalina®, Ritalina LA®, Concerta®)
Essas apresentações do metilfenidato diferem apenas em relação à sua farmacocinética (absorção, distribuição, meia vida e excreção).
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Ritalina® (formulação de liberação imediata): A absorção do metilfenidato é rápida, com o pico de concentração plasmática geralmente alcançado entre 1 e 2 horas após a administração oral. Nessa apresentação, A absorção do metilfenidato é rápida, com o pico de concentração plasmática geralmente alcançado entre 1 e 2 horas após a administração oral. A meia-vida varia de 2 a 3 horas e a duração de seu efeito clínico é de 4 horas no máximo.
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Ritalina LA®: A Ritalina LA (liberação prolongada) utiliza um sistema de liberação baseado em uma tecnologia de cápsulas de liberação controlada que proporciona dois picos de concentração plasmática. Esse sistema é conhecido como "sistema de liberação de duas fases" ou "sistema de liberação bimodal". Isso resulta em uma duração total do efeito de aproximadamente 8 a 12 horas, com um pico sérico em torno de duas horas após a ingestão oral e outro pico sérico após cerca de 6 horas.
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Concerta®: Essa apresentação também utiliza um sistema de liberação lenta, porém sem picos séricos. Isso resulta em uma duração total do efeito de 12 horas em platô (mantém concentração sérica aproximadamente constante).
- Lisdexanfetamina (nome comercial: Venvanse®). Apresenta meia-vida longa e duração de efeito em torno de 12 a 14 horas.
Medicamentos Não Estimulantes
Esses medicamentos são menos frequentemente usados. São indicados quando os estimulantes não são eficazes ou quando causam efeitos colaterais indesejáveis, ou ainda para tratamento de alguns quadros comórbidos, principalmente quando coexistem transtornos de humor ou ansiedade:
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ISRN (Inibidores Seletivos da Recaptação de Norepinefrina)
ISRN é uma classe de antidepressivos que inibe seletivamente a recaptação de norepinefrina, aumentando sua disponibilidade no cérebro.
Exemplo: Atomoxetina (nomes comerciais: Atentah®, Strattera®).
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IRSNS (Inibidores da recaptação de Norepinefrina e Serotonina)
ISRNS é uma classe de antidepressivos que inibe seletivamente a recaptação de norepinefrina e serotonina, aumentando sua disponibilidade no cérebro.
Exemplo: Venlafaxina (nomes comerciais: Effexor®, Zyvifax®).
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ISRD (Inibidores Seletivos da Recaptação de Norepinefrina e Dopamina)
ISRD é uma classe de antidepressivos que inibe seletivamente a recaptação de dopamina e norepinefrina, aumentando sua disponibilidade no cérebro.
Exemplo: Bupropiona (nome comercial: Wellbutrin®, Zyban®, Bup®).
(embora a bupropiona também tenha ação sobre a norepinefrina, ela é frequentemente citada como um exemplo de ISRD devido ao seu efeito mais significativo na dopamina).
A indicação desses e outros medicamentos psicotrópicos deve ser feita por neuropediatras ou psiquiatras infantis, responsáveis pela prescrição inicial, ajustes de dosagem quando indicados, troca da medicação ou interrupção do tratamento.
Tratamento não farmacológico
Embora os medicamentos estimulantes sejam atualmente o principal tratamento para crianças a partir de 6 anos de idade com TDAH, existem outras intervenções (intervenções comportamentais e psicoterapias) que podem ser combinadas ao tratamento farmacológico. Quando isoladas, as intervenções não medicamentosas parecem ter efeitos menores do que os medicamentos nos sintomas centrais do TDAH (como a hiperatividade, impulsividade e desatenção). Por outro lado, podem ter um impacto importante na qualidade de vida do paciente e melhorar significativamente suas funções executivas.
Algumas das intervenções não farmacológicas indicadas no TDAH, incluem:
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Terapia cognitiva comportamental
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Treinamento de pais
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Intervenções educacionais
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Neurofeedback, neuromodulação
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Currículo específico de funções executivas: conjunto de estratégias, atividades e intervenções educativas projetadas para ajudar crianças e adolescentes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) a desenvolver e fortalecer suas funções executivas.
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Outras: treinamento baseado em jogos, prática de atenção plena, exercícios físicos cognitivos...
SAIBA MAIS...
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FREITAS, Amanda Gabriela Ramos; SILVA, Caio Elias Palasios; OLIVEIRA, Mariana Borges de; RODRIGUES, Maria Clara Castilho; GONDIM, Letícia Floro; MAGALHÃES, Amanda Freitas; et al. Métodos diagnósticos e tratamento do TDAH em crianças: uma revisão. International Seven Journal of Health, São José dos Pinhais, v. 3, n. 4, jul./set. 2024.
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SANTOS, Camila Pereira Reis dos; SANTOS JÚNIOR, José Ricardo Baracho dos; CAMPOS, Daiane Marchezi; HOYER, Eduardo Rocha; MENDONÇA, Mariana Neuenschwander; ROLIM, Rômulo Torres; et al. Residência de Pediatria. Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 6, n. 3, p. 10662-10673, maio/jun. 2023.
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MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde. Coordenação-Geral de Gestão de Tecnologias em Saúde. Coordenação de Gestão de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Brasília, DF, 2022.
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GOUVÊA, Rayana Cabral; PALMA, Larissa; AZEVEDO, Letícia Alves Rodrigues de; BORGES, Leticia Piuco; SPERANDIO, Paula Lima; VILELA, Pedro Henrique Martins; et al. Desafio do Diagnóstico do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade na população pediátrica e suas consequências. Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 4, n. 5, p. 21648-21660, set./out. 2021.
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WOLRAICH ML, CHAN E, FROEHLICH T, LYNCH RL, BAX A, REDWINE ST, IHYEMBE D, HAGAN JF Jr. ADHD Diagnosis and Treatment Guidelines: A Historical Perspective. Pediatrics. 2019 Oct;144(4):e20191682. doi: 10.1542/peds.2019-1682. PMID: 31570649.