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ABORDAGEM DA CRIANÇA GRAVEMENTE ENFERMA

Abordagem Sistematizada da Criança Gravemente Enferma

Diante de uma criança em estado crítico de saúde, é fundamental uma abordagem precisa, rápida e coordenada, para garantir o máximo de eficiência e segurança do paciente. Isso é crucial em emergências, onde cada minuto conta. A adoção de um protocolo sistematizado de abordagem, ajuda na padronização dos cuidados, reduz a possibilidade de erros e melhora a qualidade do atendimento. Permite que a equipe se comunique melhor, trabalhe de modo articulado e otimizado, priorizando e escalonando ações mais urgentes durante o cuidado prestado.

 

Além disso, a existência de protocolos claros e bem definidos facilita o treinamento e a capacitação continuada das equipes de saúde.

Impressão inicial

O aspecto geral da criança deve ser observado logo no início da abordagem e inclui a percepção de sua aparência (interatividade, tônuns muscular, resposta verbal ou choro), de sua respiração (sinais de esforço respiratório) e circulação (coloração da pele e mucosas: palidez, moteamento, cianose, petéquias...). São poucos segundos utilizados na impressão inicial, mas que definem a existência ou não de uma emergência. Se for encontrada qualquer situação potencialmente fatal, deve-se iniciar imediatamente intervenções de suporte de vida e solicitar ajuda a outros membros da equipe. Caso contrário, prossegue-se com a abordagem sistematizada. 

Impressão inicial (segundos)

alterada

 aparência

respiração

circulação

não alterada

situação potencialmente fatal?

Sim

iniciar medidas de suporte 

de vida

Não

Segue a abordagem sistemática

Primeira Parte da Avaliação Sistematizada 

Logo após a impressão inicial e se não houver nenhuma situação potencialmente fatal, prossegue-se com a abordagem sistemática. É importante permanecer continuamente atento a sinais que indiquem a necessidade de intervenção a qualquer momento. Na primeira parte da avaliação detalhada da criança criticamente enferma (primeira avaliação ou avaliação primária), solicita-se seu monitoramento multiparâmetro/sinais vitais e procede-se à abordagem A-B-C-D-E:

  • A – Vias aéreas

  • B – Respiração (Breathing)

  • C – Circulação

  • D – Disfunção neurológica (inclui glicemia capilar)

  • E – Exposição do paciente (inclui temperatura corporal)

A qualquer momento, se em algum componente da avaliação (A, B, C, D ou E), for detectada alguma anormalidade potencialmente fatal, medidas de suporte de vida devem ser imediatamente iniciadas para aquele componente em questão (obstrução de via aérea, disfunção respiratória ou circulatória...). Após estabilizar o paciente, a avaliação é retomada a partir do ponto em que parou. É importante reforçar a importância de se avaliar e reavaliar continuamente. O ciclo AVALIAR – IDENTIFICAR – INTERVIR - REAVALIAR deve acontecer de modo recorrente e contínuo ao longo de toda a abordagem.

A - Vias aéreas:

Observar se estão pérvias (abertas e desobstruídas), preserváveis (estão obstruídas, mas podem ser desobstruídas por medidas simples) ou não preserváveis (estão obstruídas e necessitam intervenções avançadas). Procurar ouvir atentamente se há ruídos anormais durante a respiração que indiquem obstrução de vias aéreas superiores.

B - Respiração:

Avaliar frequência e ritmo respiratórios, a profundidade da respiração, a presença de esforço respiratório e uso de musculatura acessória, expansibilidade torácica, ausculta pulmonar e saturação de oxigênio.

CRIANÇA MASCARA O2.jpg

C - Circulação: Avaliar frequência e ritmo cardíacos, bulhas, pulsos periféricos e centrais, tempo de enchimento capilar e pressão arterial. Avaliar também a coloração e temperatura da pele, lembrando que as extremidades se alteram primeiro e o tronco por último em caso de déficit da circulação. Atentar para a diurese e o nível de consciência, que também se relacionam à função circulatória.

D - Disfunção neurológica: 

O comprometimento do nível de consciência (confusão mental, letargia, sonolência, irritabilidade ou agitação...), alterações no tônus muscular, convulsões podem ocorrer nesses casos. Instrumentos de avaliação da disfunção neurológica, são importantes ferramentas na identificação indireta da hipoperfusão cerebral e estão correlacionadas com o grau de hipóxia encefálica. A mais simples e rápida é a Escala de Resposta Pediátrica AVDI que permite verificar se a criança se encontra alerta (A), se responde à voz (V), ou se só responde à dor (D) ou mesmo se está inconsciente (I). A Escala de Coma de Glasgow é mais detalhada e permite uma pontuação de acordo com o grau de comprometimento na abertura dos olhos, na melhor resposta motora e na melhor resposta verbal. Além disso, se verifica a simetria das pupilas e sua resposta à luz (reflexo fotomotor). A aferição da glicemia capilar também faz parte desse componente da avaliação sistematizada.

E - Exposição: Remova as roupas da criança gravemente enferma (pode ser por partes) para examinar com atenção toda sua superfície corporal. Importante manter a criança confortável e aquecida. Avalie a temperatura corporal e se há diferença de temperatura entre o tronco e as extremidades. 

Intervenções necessárias durante a primeira parte da avaliação 

Ao longo da primeira avaliação detalhada, se for detectada alguma anormalidade, devem ser iniciadas imediatamente medidas de suporte específicas para aquele componente em questão. 

 

A - Intervenções necessárias para liberação das vias aéreas:

Se houver obstrução (parcial ou total) das vias aéreas superiores, deve-se verificar se é possível liberá-las com medidas simples ou se são necessárias intervenções avançadas. Muitas vezes, o simples reposicionamento da cabeça e do pescoço são suficientes para liberar o fluxo aéreo. Outra medida simples é a aspiração do nariz e/ou cavidade oral/orofaringe. Em situações críticas de obstrução de via aérea, serão necessárias medidas avançadas, como por exemplo intubação orotraqueal ou mesmo cricotirotomia se for o caso.

B - Intervenções necessárias para garantir a função respiratória:

Após garantir que as vias aéreas estejam pérvias, se houver alteração na função respiratória com desconforto ou insuficiência respiratória, medidas devem ser tomadas de imediato para restabelecer a oxigenação e a ventilação adequadas do paciente. Identificar se o problema é obstrutivo (vias aéreas superiores ou inferiores), ou se é uma doença do parênquima pulmonar ou ainda se é um distúrbio central do controle da respiração (ou ainda  se há uma combinação desses problemas). As intervenções devem ser dirigidas para o(s) tipo(s) de problema, mas independente disso, deverá ser administrado oxigênio por meio de um dispositivo de alto fluxo, como por exemplo, máscara não reinalante com reservatório, entre 10 e 15 litros de oxigênio por minuto.

C - Intervenções necessárias para garantir a função circulatória:

Após garantir a função respiratória, caso o paciente esteja em choque (insuficiência circulatória), medidas devem ser tomadas de imediato para restabelecer a adequada perfusão tecidual. Identificar se o choque está ainda compensado ou já é hipotensivo, definir o tipo de choque, se é hipovolêmico, distributivo, cardiogênico ou obstrutivo (ou ainda  se há uma combinação desses tipos). As intervenções devem ser especificamente dirigidas para o(s) tipo(s) de choque, mas independente disso, deverá ser administrado bolus de 20 mL/Kg de solução fisiológica (NaCl 0,9%) ou Ringer Lactato em 10 a 20 minutos, por até três vezes, dependendo da necessidade.

D - Intervenções necessárias para reverter a disfunção neurológica: 

São diversificadas as causas de redução do nível de consciência em crianças, mas o déficit de perfusão (choque) e hipóxia encefálica devem ser pensadas em primeiro lugar e corrigidas com as intervenções nos sistemas respiratório e circulatório. Outras possibilidades são hipoglicemia, lesões traumáticas cranioencefálicas, status epilepticus, meningoencefalite, intoxicações por drogas. Identificar a causa é a condição primordial para as intervenções específicas em cada caso.

E - Intervenções necessárias de acordo com os achados durante a exposição:

Nesse exame, deve-se procurar identificar evidências de trauma, hemorragias, queimaduras, petéquias, púrpuras, urticária, exantema, deformidades, etc. Dirigir as intervenções de acordo com a especificadade de cada achado. 

Segunda Parte da Avaliação Sistematizada 

Após as intervenções necessárias para estabilizar o paciente, prossegue-se com a segunda parte da avaliação sistematizada (segunda avaliação ou avaliação secundária). Enquanto a primeira avaliação visa a identificação de agravos que ameaçam a vida e intervir de imediato (suporte de vida), a segunda avaliação tem por finalidade, além da continuidade do suporte de vida, o estabelecimento do diagnóstico do agravo. Para isso, assim que o paciente estiver mais estável, procede-se à entrevista (anamnese dirigida) e ao exame físico. 

Anamnese dirigida

Realizar uma anamnese que seja objetiva e ao mesmo tempo tenha abrangência necessária para conhecer aspectos relevantes do histórico do paciente, é uma tarefa desafiadora. Desafiadora, mas necessária. Uma proposta da abordagem sistemática da criança gravemente enferma é obter informações utilizando a regra mnemônica S-A-M-P-L-E. É um recurso simples que ajuda direcionar a entrevista junto aos pais ou responsáveis pela criança. Basicamente essa regra prioriza a obtenção de dados da história da doença atual (HDA) e da história patológica pregressa/ antecedentes médicos (HPP).

S - Sinais e sintomas: corresponde à HDA, história da doença atual, incluindo a descrição dos sinais e sintomas em ordem cronológica de aparecimento.

A - Alergias (parte da história patológica pregressa (HPP), merecendo um destaque pela sua importância durante o atendimento de emergência).

M - Medicamentos em uso: Informações sobre medicamentos em uso e horários em que são tomados (também é parte da HPP).

P - Passado médico: Antecedentes médicos relevantes (também é parte da HPP).

L - Last meal (última refeição): Obter informações sobre a última ingesta (líquidos ou alimentos). Importante para o caso de necessidade de sedação do paciente.

E - Eventos: Informações sobre eventos relevantes desde o início do quadro até o momento da avaliação (informações da HDA ou linha do tempo dos eventos recentes).

Exame físico

Na primeira parte da avaliação sistematizada, já se procedeu a uma avaliação clínica com obtenção de dados do exame físico (A-B-C-D-E = sistema respiratório, cardiovascular, neurológico e ectoscopia). Agora, com o paciente mais estável, é o momento de realizar o exame físico mais detalhado com o objetivo de melhor definição diagnóstica.

Reavaliação contínua

É importante reforçar que o ciclo [ AVALIAR IDENTIFICAR INTERVIR  AVALIAR ... ] deve acontecer de modo recorrente e contínuo ao longo de toda a abordagem sistematizada. Após cada intervenção, avaliar a resposta ao tratamento e acompanhar sua evolução. 

 Terceira Parte da Avaliação Sistematizada 

  Avaliações diagnósticas

A avaliação clínica pode ser complementada por exames laboratoriais e ou de imagem que auxiliam no esclarecimento diagnóstico e na avaliação do impacto do(s) agravo(s) sobre as funções vitais. A definição de quais exames e o momento de sua realização irão depender de cada situação clínica.

No final dessa abordagem, espera-se que o paciente esteja estável clinicamente, com suas funções vitais preservadas e o(s) diagnóstico(s) estabelecidos(s). O tratamento e o manejo (plano terapêutico, plano de cuidados), serão específicos para cada caso.

SAIBA MAIS...

American Heart Association. Suporte Avançado de Vida em Pediatria: Manual do Profissional. Dallas: American Heart Association, 2020.

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