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FOLLOW-UP DE RECÉM-NASCIDOS DE ALTO RISCO

Recém-Nascido de Alto Risco

Graças aos avanços tecnológicos e à adoção de práticas de medicina neonatal baseada em evidências, a taxa de sobrevivência dos recém-nascidos de médio e alto risco vem aumentando nos últimos anos, embora essa melhora da sobrevida não esteja igualmente associada à redução da morbidade no período neonatal e pós neonatal. Esse cenário evidencia a necessidade e a importância de acompanhamento desses recém-nascidos após a alta hospitalar.

 

Entre os pacientes de alto risco, destacam-se especialmente os prematuros com idade gestacional ao nascer menor que 32 semanas (ou peso de nascimento inferior a 1500 gramas), os quais apresentam maior vulnerabilidade e risco para complicações. Um número significativo de crianças com nascimento pré-termo recebe alta das unidades neonatais com algum comprometimento do estado nutricional, déficit do crescimento, comprometimento no desenvolvimento neuro-sensório-motor, baixa imunidade, doença pulmonar crônica e/ou outras condições patológicas. Em função disso, seu seguimento ambulatorial especializado é extremamamente necessário. A continuidade da assistência integral e multiprofissional a esses pacientes após a alta, permite trabalhar essas condições em tempo oportuno, atuando na prevenção e detecção precoce de possíveis agravos, possibilitando a intervenção e reduzindo o risco de reinternação.

 

Além da prematuridade e do muito baixo peso, outras condições de risco podem demandar prioridade no seguimento ambulatorial especializado (independentes da idade gestacional ou do peso ao nascer), como por exemplo:

  • Infecções congênitas (ex.: TORCH), sepse neonatal ou meningite neonatal;

  • Asfixia neonatal grave;

  • Icterícia neonatal grave;

  • Malformações congênitas complexas;

  • Doenças genéticas ou metabólicas complicadas;

  • Tocotraumatismos graves.

Unidade Neonatal de Cuidados Progressivos

O conceito de cuidados progressivos na unidade neonatal refere-se a uma abordagem organizacional e assistencial que visa adaptar os níveis de cuidado de acordo com as necessidades específicas de cada recém-nascido. Esse conceito reconhece que os recém-nascidos internados podem apresentar diferentes graus de complexidade clínica e, por isso, devem receber cuidados individualizados e dinâmicos. Os níveis diferenciados de cuidado incluem:

  • Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN): Para recém-nascidos que requerem suporte avançado, como ventilação mecânica, monitoramento contínuo e intervenções complexas.

  • Unidade de Cuidados Intermediários (UCI): Para bebês que já não necessitam de terapia intensiva, mas ainda precisam de monitoramento e assistência, como oxigenoterapia ou alimentação enteral.

  • Unidade de Cuidados Canguru: Para recém-nascidos estáveis, muitas vezes prematuros, que podem se beneficiar do contato pele a pele com os pais, promovendo vínculo e transição para a alta.

Nesse sentido, os recém-nascidos podem transitar entre os diferentes níveis de cuidado conforme sua condição clínica melhora ou se agrava. Além de atender às necessidades clínicas, os cuidados progressivos priorizam o envolvimento dos pais, apoio emocional e estímulo ao desenvolvimento do recém-nascido. Essa abordagem promove melhor qualidade de assistência e resultados, ao mesmo tempo em que reduz o tempo de internação e favorece a continuidade do cuidado.

Alta Hospitalar

A alta hospitalar do recém-nascido deve ser preparada de forma cuidadosa, abrangente e planejada, envolvendo a equipe de saúde, os pais e/ou cuidadores. Aspectos importantes antes da alta: (1) Avaliação clínica e neurológica detalhada da criança antes da alta; (2) Educação, orientação, treinamento e suporte psicológico aos pais/cuidadores, preparando-os para os cuidados domiciliares; (3) Organização do cronograma de imunizações; (4) Elaboração do relatório detalhado de alta, da prescrição e do plano de cuidados e (5) Agendamento do ambulatório de follow-up.

Principais critérios para a alta hospitalar do recém-nascido de alto risco:

  • Estabilidade fisiológica e maturidade funcional, destacando-se a função respiratória (respiração espontânea em ar ambiente com saturação adequada), a capacidade de controle adequado da temperatura corporal;

  • Coordenação da sucção, deglutição e respiração, que permita a alimentação exclusivamente por via oral suficiente para manter o crescimento adequado;

  • Estabilidade clínica em relação a possíveis complicações da prematuridade apresentadas durante a internação;

  • Peso aproximado de 1.800-2.000 g (o mais importante é o ganho ponderal adequado regular);

  • Pais e/ou cuidadores treinados nos cuidados básicos e necessidades cotidianas do neonato/lactente e com percepção suficiente para detectar problemas de saúde da criança;

  • Plano de alta e relatório concluído;

  • Acesso garantido a seguimento ambulatorial e agendamento marcado da primeira consulta.

Ambulatório de Seguimento (Follow-up) de recém-nascidos de alto risco

Após a alta hospitalar, a assistência será continuada em nível ambulatorial. Para isso, a primeira consulta no ambulatório de seguimento (follow-up) já fica pré- agendada. O relatório de alta detalhado é encaminhado ao ambulatório, juntamente com os principais exames, prescrição e plano de cuidados. O relatório deve informar com precisão todos os aspectos importantes relacionados à assistência recebida pela criança durante a internação.

 

A primeira consulta tem caráter abrangente, no sentido de registrar no prontuário todos os dados relevantes da história perinatal e do período de hospitalização da criança, bem como redefinir o plano de cuidados para a criança. As consultas sequenciais (após a consulta inicial) vão sendo agendadas a cada retorno do paciente. O cronograma de consultas proposto é o seguinte:

  • Primeira consulta 7 a 10 dias após a alta

  • Revisões mensais até 6 meses de idade corrigida

  • Revisões bimestrais ou trimestrais 6 meses aos 12 meses de idade corrigida

  • Revisões trimestrais 13-24 meses

  • Revisões semestrais 2 a 4 anos de idade cronológica

  • Revisões anuais dos 4 anos até a puberdade

O seguimento ambulatorial deve ser multiprofissional. O trabalho em equipe de modo integrado é fundamental para garantir uma assistência de qualidade após a alta hospitalar. A integralidade do cuidado prestado a esses neonatos exige o envolvimento de diferentes profissionais, para abordar os múltiplos aspectos de seu desenvolvimento e saúde:

  • Pediatra/Neonatologista

  • Neurologista infantil

  • Oftalmologista pediátrico ou Retinólogo

  • Otorrinolaringologista

  • Nutricionista clínica

  • Fonoaudiologia

  • Fisioterapeuta

  • Psicóloga 

  • Terapeuta ocupacional

  • Enfermagem

  • Assistente social

  • Outras especialidades podem ser necessárias, de acordo com as espeficidades de cada caso.

Em cada consulta é importante:

  • Anamnese e exame físico completos (incluindo a avaliação neurológica), questionando sobre a evolução até então e possíveis intercorrências clínicas e medicações em uso;

  • Investigar cuidadosamente os aspectos relacionados com a alimentação;

  • Avaliar a atitude dos familiares e demais cuidadores para com a criança e checar seus aspectos fisiológicos (aceitação da dieta, sono, diurese, evacuações), desenvolvimento e comportamento, linguagem e novas aquisições funcionais; 

  • Conferir e orientar a caderneta de vacinação;

  • Aferir o peso, comprimento, perímetro cefálico e definir o diagnóstico nutricional;

  • Fazer as intervenções necessárias e definir (ou redefinir) o plano terapêutico e de cuidados;

 

É imprescindível que haja uma adequada integração entre o pediatra responsável pelo seguimento, os especialistas e outros profissionais de saúde com objetivos em comum, para que a intervenção seja efetiva e que a informação prestada aos familiares (cuidadores) seja a mais uniforme possível.

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Principais condições e morbidades relacionadas à prematuridade

A qualidade da assistência ao recém-nascido prematuro na sala de parto e nas primeiras horas de vida é fator decisivo no prognóstico dessas crianças. Alterações respiratórias e hemodinâmicas, hipotermia e hipertermia, distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos e infecções, são situações frequentes que agravam significativamente seu prognóstico. Após os cuidados da sala de parto e estabilização inicial, o neonato é levado em incubadora de transporte para a unidade neonatal para a continuidade da assistência. As principais condições relacionadas à prematuridade, descritas a seguir, se devem principalmente à dificuldade de adaptação à vida extrauterina devido à imaturidade dos sistemas e órgãos:

 

Regulação térmica

Uma característica dos prematuros é sua susceptibilidade à instabilidade térmica, que ocorre devido a alguns aspectos próprios da prematuridade:

  • Maior perda de calor através da pele (camada de tecido adiposo subcutânea reduzida e maior a superfície corpórea em relação ao peso);

  • Imaturidade do sistema termo regulador.

 

Crescimento

O monitoramento do crescimento de recém-nascidos prematuros exige considerações adicionais em relação aos recém-nascidos a termo. Esses bebês tendem a ganhar peso mais lentamente e podem apresentar também crescimento mais lento, tanto no comprimento quanto na circunferência cefálica. Essa situação pode ser ainda agravada em casos de restrição de crescimento intrauterino (CIUR). A restrição de crescimento intrauterino acompanhada de deficiências nutricionais durante a gestação, frequentemente se associa à restrição de crescimento pós-natal (RCPN).

O crescimento dessas crianças deve ser monitorado idealmente através das curvas de crescimento específicas para prematuros. Muito utilizadas são as curvas do projeto 'Intergrowth-21st', que desenvolveu curvas de crescimento para prematuros baseadas em um estudo multicêntrico que envolveu várias populações em diferentes países. Essas curvas são recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e levam em consideração a idade gestacional, peso, comprimento e circunferência da cabeça para prematuros. É indispensável acompanhar o crescimento de forma sequencial, utilizando as curvas escolhidas, avaliando se a criança apresenta inclinação ascendente, paralela ou descendente.

Curvas Intergrowth-21st

 

Saiba mais em:

https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/sbp/2023/junho/20/Neonatologia-Monitoramento-do-cresc-do-RN-pt-270117.pdf

Aspectos nutricionais e gastrintestinais

  • Do ponto de vista nutricional, os recém-nascidos prematuros apresentam necessidades específicas devido à sua imaturidade fisiológica e menor reserva de nutrientes. Os prematuros geralmente têm maior necessidade calórica em comparação com bebês nascidos a termo, devido ao seu metabolismo acelerado e taxa de crescimento mais rápida. O aleitamento materno é a opção mais recomendada para os prematuros, pois o leite materno contém nutrientes essenciais, anticorpos e fatores de crescimento que promovem o desenvolvimento e protegem contra infecções. Em alguns casos pode ser necessário utilizar o leite humano fortificado com suplementos adicionais de nutrientes, como proteínas, calorias, cálcio, fósforo, ferro, ácidos graxos, e vitaminas, entre outros (p.ex.: FM85®)Cada recém-nascido é único em suas necessidades e, portanto, é fundamental que o plano nutricional seja adaptado às necessidades específicas de cada um

  • As metas nutricionais básicas a serem atingidas por meio de um programa de orientação alimentar e nutricional que atenda progressivamente às  necessidades do prematuro no primeiro ano de vida, são: 

- Oferta hídrica: 150-200 ml/kg/dia; 
- Oferta calórica: 120-130 cal/kg/dia; 
- Oferta proteica: 2,5-3,5 g/kg/dia;
- Oferta lipídica: 6,0-8,0 g/kg/dia; 
- Oferta carboidratos: 10-14 g/kg/dia. 

  • Suplementação indicada para prematuros em aleitamento materno exclusivo:

- Zinco: suplementar entre 36 semanas e seis meses de idade corrigida, na dose de 0,5 a 1mg/kg/dia (máximo de 5mg/dia);
- Vitamina A (1500-3000 UI/Kg/dia)

- Vitamina C (15-45 mg/kg/dia)

- Vitamina D (800 ui/dia)
- Ferro (ver
suplementação de ferro)
- Cálcio (150-220 mg/kg/dia)

Fósforo (75-140 mg/kg/dia)

  • A recuperação nutricional e o "catch-up" do crescimento dependem de vários fatores, incluindo a idade gestacional e o peso ao nascer, a presença de complicações clínicas e a adequação da alimentação fornecida. De um modo geral, a recuperação nutricional é um processo gradual e pode levar meses ou até anos. A capacidade do prematuro de alcançar marcos do crescimento semelhantes aos de seus pares nascidos a termo ("catch-up") é variável e muitos prematuros não os alcançam completamente. Alguns podem permanecer definitivamente menores que seus pares nascidos a termo. Apesar do "catch-up" depender de vários fatores (inclusive do padrão de crescimento intrauterino), em geral deverá ocorrer até que a criança complete os seus dois ou três primeiros anos de vida. Após essa idade, o impacto do nascimento prematuro tende a diminuir e a criança segue seu padrão de crescimento de acordo com sua idade cronológica.

  • Os recém-nascidos prematuros são particularmente vulneráveis a várias condições gastrointestinais que podem resultar em morbidade significativa. O trato gastrointestinal dos prematuros ainda está em processo de maturação, o que pode prejudicar o seu funcionamento normal. A motilidade intestinal é lenta, causando impacto negativo na digestão e uma maior predisposição a problemas como constipação e distúrbios da motilidade ocasionando, frequentemente, quadros prolongados de distensão abdominal. A enterocolite necrosante é uma das complicações gastrointestinais mais graves em recém-nascidos prematuros e ocorre devido à imaturidade do trato gastrointestinal e do sistema imunológico. É caracterizada por inflamação e necrose do intestino, especialmente o cólon. A prematuridade é o fator mais significativo no desenvolvimento da enterocolite necrosante e ainda pode ser acentuado pelo uso de fórmulas lácteas. Por outro lado, o leite materno é um importante fator de proteção contra esse quadro.

  • Outras morbidades associadas ao trato gastrointestinal do prematuro incluem variados tipos de intolerância alimentar, problemas de sucção e deglutição, com consequente risco de broncoaspiração, má absorção de nutrientes,  refluxo gastresofágico entre outros.

 

 

Condições metabólicas e hidroeletrolíticas

Os prematuros são propensos a apresentar distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos devido à imaturidade de seus sistemas fisiológicos de regulação. Destacam-se, pela frequência e gravidade a hipoglicemia, distúrbios do cálcio, fósforo, magnésio, sódio e potássio. Além dos eletrólitos, podem apresentar distúrbios do equilíbrio ácido-base (alcalose ou acidose) em função de alterações respiratórias ou renais, alterações ósseas e alterações do metabolismo da bilirrubina.

 

Doença metabólica Óssea

 

Caracteriza-se pela hipomineralização óssea, decorrente do inadequado aporte de cálcio (Ca) e fósforo (P), tando na vida intrauterina, quanto no período pós-natal, estando associada a múltiplos fatores. No terceiro trimestre de gestação o feto apresenta elevadas taxas de crescimento e nesse período incorpora cerca de 2/3 das necessidades fetais de cálcio, mantendo uma relação cálcio/fósforo constante de 2:1 em nível ósseo. Entre 34 e 36 semanas de gestação, a incorporação de cálcio chega a 100 a 120 mg/kg/dia e de P entre 60 e 75 mg/kg/dia. Após o nascimento, a oferta materna placentária de cálcio e fósforo cessa e esses elementos devem ser obtidos através da dieta. Os neonatos a termo saudáveis em aleitamento materno exclusivo recebem quantidades suficientes para seu crescimento. No entanto, recém-nascidos pré-termo são suscetíveis a desenvolver quadros de deficiência de cálcio e fósforo por apresentarem menor reserva desses minerais ao nascimento, já que a maior incorporação mineral ocorre justamente no terceiro trimestre da gestação.

 

A doença metabólica óssea pode cursar de forma assintomática ou com poucos sintomas até fases avançadas. As manifestações clínicas surgem entre a 6ª e a 12ª semanas de vida. O bebê sintomático poderá apresentar déficit de crescimento, craniotabes, edema das articulações costo-condrais (rosário raquítico), alargamento epifisário principalmente em punhos. A gravidade do quadro é variável e inclui desde leve hipomineralização óssea (osteopenia) até a presença de alterações radiológicas e fraturas espontâneas (raquitismo). 

A desmineralização óssea pode ser, inicialmente, identificada com exames bioquímicos realizados periodicamente (nível sérico de cálcio, fósforo e fosfatase alcalina) e posteriormente confirmada por exames de imagem. ​Os marcadores bioquímicos plasmáticos mais característicos da osteopenia são: hipofosfatemia com nível sérico de fósforo abaixo de 4,0 a 5.0 mg/dL) e fosfatase alcalina mais de quatro vezes acima do limite superior (em geral valores > 900 -1.000 ui/L)).  O diagnóstico é definido com base na densitometria óssea ou através de Raio-x de ossos longos quando não se dispõe de densitometria (embora as alterações radiográficas sejam mais tardias). A profilaxia e o tratamento são a reposição adequada de cálcio, fósforo e vitamina D, além de aporte protéico adequado.

Metabolismo da Bilirrubina 

Outra questão importante se relaciona ao metabolismo da bilirrubina e sua neurotoxicidade. Considerando a imaturidade enzimática hepática nos prematuros, sua hemocaterese mais acentuada, a maior permeabilidade da barreira hematoencefálica e sua imaturidade cerebral, a hiperbilirrubinemia representa uma grave ameaça e risco para lesão neurológica grave nesses neonatos (encefalopatia bilirrubínica). Devido a essas particularidades, é necessário um monitoramento cuidadoso dos níveis de bilirrubina em prematuros com dosagens séricas regulares e o uso de gráficos específicos com valores próprios para prematuros. Em casos de hiperbilirrubinemia significativa, os prematuros podem exigir intervenção mais rápida e intensiva para prevenir complicações, o que envolve desde a fototerapia até mesmo a exsanguineotransfusão em casos graves (ver Icterícia Neonatal por Hiperbilirrubinemia Indireta).

 

Fatores de risco para neurotoxicidade da bilirrubina em RN pré-termo:
− Peso ao nascer < 1000g
− Apgar < 3 no 5º minuto
− Pressão arterial de oxigênio <40 mmHg por >2 horas
− pH < 7,15 por mais de 1 hora
− Temperatura corpórea < 35°C por > 4 horas
− Albumina sérica < 2,5 g/dL
− Presença de doença hemolítica
− Sepse

 

Frequentemente a persistência ou agravamento da hiperbilirrubinemia indireta no recém-nascido com menos de 35 semanas está relacionada a extravasamentos sanguíneos, seja por hematomas relacionados a tocotraumatismos ou mesmo por hemorragia intra-periventricular, esta última devendo ser investigada por ultrassonografia transfontanelar.  

 

Saiba mais em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/23176c-MO_Hiperbilirrubinemia_indireta_periodo_neo.pdf

 

 

Complicações Respiratórias

 

Os recém-nascidos prematuros são particularmente sujeitos a morbidades relacionadas ao sistema respiratório devido à imaturidade de seus pulmões e vias aéreas e, obviamente, a gravidade desses quadros é inversamente proporcional à sua idade gestacional:

  • Maior risco de asfixia perinatal e complicações na sala de parto;

  • A síndrome do desconforto respiratório (doença da membrana hialina), caracterizada pela insuficiência respiratória devido à falta de surfactante pulmonar é mais comum em prematuros extremos e requer precocemente suporte respiratório, como ventilação mecânica e administração de surfactante exógeno

  • Outro distúrbio comum é a apneia da prematuridade devido à imaturidade do centro respiratório e dos músculos respiratórios e que requer monitoramento contínuo e estimulação da respiração. 

Displasia Broncopulmonar (doença pulmonar crônica da prematuridade)

A displasia broncopulmonar acomete quase metade dos nascidos com menos de 29 semanas de idade gestacional. Além do comprometimento pulmonar, a condição apresenta implicações sistêmicas que afetam a saúde e a qualidade de vida a longo prazo. Trata-se de uma doença multifatorial com interação entre fatores genéticos e ambientais, na qual a imaturidade pulmonar desempenha um papel central na sua patogênese. Outros fatores envolvidos na sua etiologia incluem comorbidades como doenças respiratórias graves, ventilação mecânica e oxigenioterapia prolongadas, sepse, persistência do canal arterial, entre outras.

A imaturidade pulmonar, combinada com a exposição a altos níveis de oxigênio e ventilação mecânica, além da imaturidade dos sistemas enzimáticos antioxidantes nos prematuros, desencadeia a ativação de agentes pró-inflamatórios em cascata. Esse processo leva à lesão pulmonar, perpetuando um ciclo vicioso de dificuldade respiratória crônica e necessidade prolongada de oxigênio. Nas crianças com displasia broncopulmonar, as vias aéreas inferiores são mais suscetíveis a edema, hipersecreção, redução do calibre e aumento da resistência ao fluxo aéreo. Além disso, devido ao fato de possuírem sistema imunológico menos desenvolvido e níveis mais baixos de anticorpos maternos transplacentários, apresentam maior vulnerabilidade a infecções respiratórias, como pneumonia e bronquiolite viral.

Saiba mais em: https://www.spsp.org.br/wp-content/uploads/2021/04/AtualizeA6N2_final.pdf

Complicações Cardiovasculares

  • A persistência do canal arterial é mais frequente no prematuro e é responsável por um fluxo sanguíneo anormal entre a aorta e a artéria pulmonar. O hiperfluxo pulmonar pode levar à insuficiência cardíaca congestiva. O tratamento para fechar o canal arterial pode ser clínico (uso de medicamentos que inibem a síntese ou a ação das prostaglandinas) ou, eventualmente, cirúrgico

  • Outra morbidade relacionada ao sistema cardiovascular em prematuros, principalmente naqueles com doença da membrana hialina, é a hipertensão arterial pulmonar persistente em que a pressão arterial pulmonar permanece elevada após o nascimento, dificultando o bombeamento de sangue para os pulmões, resultando em hipoxemia e sobrecarga cardíaca. O tratamento envolve uma combinação de medidas farmacológicas, suporte respiratório e outras medidas de suporte. Entre os medicamentos utilizados estão o óxido nítrico inalado e outros vasodilatadores pulmonares como por exemplo os inibidores da fosfodiesterase-5 (como o sildenafil) e os antagonistas dos canais de cálcio (como o nifedipino). O objetivo do tratamento é diminuir a resistência vascular pulmonar e melhorar a oxigenação do sangue arterial.

 

Função Renal

  • Os rins dos recém-nascidos pré-termos apresentam imaturidade funcional, incluindo filtração glomerular reduzida, reabsorção tubular ineficaz e dificuldade na concentração urinária, além de um menor número de néfrons. Essas características aumentam o risco de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-base, hipertensão arterial e, em casos mais graves, o desenvolvimento de glomerulopatias. Além disso, durante sua internação na unidade neonatal, os neonatos são frequentemente expostos a medicações nefrotóxicas e condições de hipóxia, podem agravar ainda mais sua função renal. 
     

  • Sendo assim, a função renal dos prematuros precisa ser avaliada periodicamente ao longo de todo o seguimento ambulatorial, visando à identificação e tratamento precoce de eventuais problemas renais. Isso envolve um exame clínico detalhado incluindo a aferição da pressão arterial, pesquisa de edema ou desidratação, entre outros. Além da avaliação clínica, a rotina de exames complementares deve incluir: creatinina sérica, ureia, eletrólitos, exame de urina (proteinúria, hematúria, pH e densidade urinária), taxa de filtração glomerular (TFG), ultrassonografia de rins e de vias urinárias com avaliação de volume renal.
     

Complicações Neurológicas

  • A prematuridade pode estar associada a complicações neurológicas, considerando a imaturidade do sistema nervoso central e o ambiente de cuidados intensivos onde o recém-nascido recebe medidas de suporte de vida. Algumas das complicações neurológicas mais comuns na prematuridade incluem a hemorragia peri-intraventricular, relacionada à fragilidade e imaturidade de vasos sanguíneos da região periventricular e a leucomalácia periventricular, caracterizada pela necrose da substância branca periventricular, devido a isquemia cerebral. Essas lesões podem resultar em alterações motoras, deficiências sensoriais, atraso na fala, déficit cognitivo, problemas comportamentais (TDAH, TEA, entre outros), convulsões até quadros de paralisia cerebral. O grau do atraso no desenvolvimento pode variar dependendo da extensão dessas lesões, da idade gestacional no nascimento e de outras complicações associadas.

 

Complicações Neurossensoriais

- Oftalmológicas: 

  • A retinopatia da prematuridade é uma doença vasoproliferativa secundária à isquemia e hipóxia da retina imatura dos recém-nascidos pré-termo. É uma das principais causas de cegueira e baixa visão em prematuros e deve ser identificada e tratada ainda no período de internação. A isquemia e a hipóxia da retina imatura estimulam a liberação de fatores de crescimento vascular que promovem a formação de novos vasos sanguíneos retinianos. No entanto esse processo de neovascularização ocorre de forma anômala e desorganizada. Esses novos vasos sanguíneos são frágeis e propensos a sangramento, levando a complicações oculares, como hemorragia vítrea, cicatrização, fibrose e descolamento de retina.  Sua prevenção se faz com cuidadoso controle da oxigenoterapia no período de internação na UTI e um seguimento com fundoscopia em todos os prematuros menores de 32 semanas ou peso de nascimento menor que 1.500 g. A triagem para retinopatia da prematuridade se inicia entre 4 e 6 semanas de vida com exames oftalmológicos de rotina. Durante o exame oftalmológico, a retina é cuidadosamente examinada para se identificar os estágios e a gravidade do processo. A classificação do nível de gravidade (estágio 1 a 5) se baseia nas características morfológicas da retina, visualizadas pelo exame oftalmológico, sendo que o estágio 5 (mais grave) se caracteriza por descolamento total da retina.

  • Outras doenças oftalmológicas associadas à prematuridade, incluem o estrabismo, a catarata congênita, o nistagmo e as ametropias (ex.: miopia). Seu diagnóstico precoce pode prevenir problemas de visão e impactar positivamente no desenvolvimento em geral. Além dessas, outras patologias oculares que podem acontecer na população geral de recém-nascidos são o retinoblastoma glaucoma congênito, toxoplasmose congênita, entre outras. Isso reforça a importância da realização do teste do reflexo vermelho em todos os neonatos, não apenas no momento da alta hospitalar, mas também no seguimento ambulatorial.

 

-Deficiência auditiva:

  • É mais frequente em prematuros em comparação com bebês nascidos a termo, devido à imaturidade do sistema auditivo e a outros fatores que podem afetar a audição, tais como meningite, uso de drogas ototóxicas, hiperbilirrubinemia, entre outros. São mais susceptíveis a lesões cocleares, nos nervos auditivos ou nas vias auditivas com maior risco de perda auditiva neurossensorial permanente. É recomendado que todos os prematuros passem por exames auditivos de rotina para identificar precocemente quaisquer problemas de audição, permitindo a intervenção adequada e oportuna e prevenindo os impactos na audição e promovendo o desenvolvimento cognitivo e da linguagem.

Complicações Hematológicas

  • Anemia da prematuridade: É uma condição de causa multifatorial e a relevância de cada fator pode variar, mas a redução da produção de eritrócitos é o fator mais relevante para a anemia da prematuridade. A produção de hemácias pela medula óssea fetal é limitada durante o período gestacional e prematuros têm menos tempo para armazenar reservas de ferro, elemento  essencial para a produção de hemoglobina. Outros fatores causais incluem a realização de procedimentos médicos frequentes, como coleta de sangue, deficiência de eritropoietina, presença de infecções, entre outros.

  • Policitemia: Embora a anemia seja mais comum em prematuros, alguns podem desenvolver policitemia, caracterizada por aumento anormal do número de eritrócitos. Valores de hematócrito acima de 65% são, em geral, indicativos de policitemia. Algumas razões para que isso ocorra incluem, entre outras, situações de hipóxia intrauterina e pós natal, processos de redistribuição do volume sanguíneo e desidratação.   

 

Complicações Imunológicas

  • Prematuros apresentam deficiência nas respostas celular e humoral e risco para infecções. Linfócitos T e B, estão em um estágio de desenvolvimento inicial comprometendo sua capacidade de resposta imune adaptativa.  Além disso, possuem níveis mais baixos de anticorpos maternos transferidos por via transplacentária durante a gestação. Outro aspecto relevante é a fragilidade das barreiras naturais da pele e mucosas. Essas características os deixam absolutamente vulneráveis a infecções graves, tais como pneumonias, meningites, sepse neonatal, enterocolite, entre outras.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

 

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Neonatologia. Manual de seguimento do recém-nascido de alto risco. 2. ed. São Paulo: SBP, 2024. 142 f.

  1. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Neonatologia (gestão 2022-2024). A importância do pediatra na assistência perinatal. Nota de Alerta nº 107. Rio de Janeiro, 6 out. 2023. Disponível em: https://www.sbp.com.br/departamentos/neonatologia/documentos-cientificos/. Acesso em: 10 out. 2023.

  2. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Neonatologia. Recomendações para alta hospitalar do recém-nascido termo potencialmente saudável. Documento científico nº 7. Rio de Janeiro, ago. 2020. Disponível em: https://www.sbp.com.br/departamentos/neonatologia/documentos-cientificos/. Acesso em: 10 out. 2023.

  3. BRANDÃO, Danielle Cintra Bezerra; DRAQUE, Cecília Maria; ALMEIDA, Maria Fernanda Branco de. Hiperbilirrubinemia indireta no período neonatal. Manual de Orientação Nº 10, Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, 29 de setembro de 2021.

  4. COSTA, Helenilce de Paula Fiod; FISCHER JÚNIOR, Remaclo. Recomendações para alta hospitalar do recém-nascido termo potencialmente saudável. Documento Científico Nº 7, Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, agosto de 2020.

  5. ​BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. 2. ed. atual. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 4 v.: il.

  6. SILVEIRA, Rita de Cássia. Manual seguimento ambulatorial do prematuro de risco. 1. ed. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento Científico de Neonatologia, 2012.

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