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IDENTIFICAÇÃO E MANEJO
DO CHOQUE EM PEDIATRIA

Identificação do Choque em Pediatria

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Introdução

O choque se caracteriza pelo déficit do suprimento de oxigênio e nutrientes aos tecidos em relação às suas necessidades metabólicas. O choque pode ocorrer devido ao déficit na perfusão sanguínea sistêmica e/ou ao aumento da demanda metabólica. Em razão disso, ocorre comprometimento da oxigenação, do aporte de nutrientes e do clearance tecidual. Em última análise, o choque leva à disfunção de órgãos e sistemas e, no limite, se não revertido oportunamente, à parada cardiorrespiratória e óbito.

O suprimento de oxigênio e nutrientes aos tecidos é diretamente dependente do débito cardíaco (frequência cardíaca X volume sistólico). O volume sistólico (volume de sangue liberado pelo ventrículo na sístole) varia de modo diretamente proporcional com a pré-carga e a contratilidade miocárdica e de modo inversamente proporcional com a pós-carga. São fatores determinantes da pré-carga: o retorno venoso, o volume intravascular e a complacência ventricular. A pós-carga é influenciada pela pressão arterial sistêmica e pela complacência ou resistência vascular periférica.

 

Finalmente, a entrega de oxigênio aos tecidos irá depender, além do débito cardíaco, também da concentração de hemoglobina e da saturação de oxigênio (porcentagem de hemoglobina no sangue arterial que está saturada com oxigênio).

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Tipos de Choque

O choque pode ser classificado de acordo com a pressão arterial em: choque compensado (P.A sistólica normal) ou choque hipotensivo (P.A sistólica abaixo do percentil 5).

 

De acordo com a etiopatogenia, há quatro categorias básicas de choque:

  • Choque Hipovolêmico

  • Choque Distributivo:

    • choque séptico

    • choque anafilático

    • choque neurogênico

  • Choque Cardiogênico

  • Choque Obstrutivo

Vamos discutir resumidamente, para cada tipo de choque, suas principais características, etiologia, fisiopatologia e no final, o tratamento dos diferentes tipos de choque com os aspectos mais relevantes do manejo clínico.

Choque Hipovolêmico

Definição

É o tipo mais frequente de choque na faixa pediátrica e se caracteriza pela redução da volemia devido a perda de líquidos do compartimento extravascular (desidratação) ou intravascular (hemorragias, extravasamento plasmático).

 

Etiologia

Diarreia, vômitos, baixa ingesta hídrica, diurese osmótica, grandes queimaduras, extravasamento plasmático, hemorragias (interna ou externa)

 

Fisiopatologia

  • A hipovolemia leva à redução da pré-carga, resultando na queda da fração de ejeção ventricular e baixo débito cardíaco.

  • Em resposta, há ativação do sistema adrenérgico causando taquicardia, maior contratilidade miocárdica e vasoconstrição sistêmica, com o intuito de melhorar o débito cardíaco e manter a pressão de perfusão nos tecidos.

  • Tais mecanismos não se sustentam por longo tempo.

  • Se não houver intervenção adequada, O quadro evolui com hipotensão arterial, hipóxia tecidual, acidose metabólica, desequilíbrio eletrolítico, redução da contratilidade miocárdica, disfunção múltipla de órgãos. A PCR e óbito são o desfecho do choque hipovolêmico não tratado. 

 

Aspectos clínicos

Paciente em choque hipovolêmico apresenta alteração do nível de consciência, palidez, livedo reticular, extremidades frias, enchimento capilar lento, sudorese, pulsos periféricos ausentes ou fracos, pulsos centrais fracos ou normais, taquicardia, pressão sistólica normal ou baixa com pressão de pulso estreita, oligúria. Pode haver taquipneia em caso de acidose metabólica.

Choque Distributivo

No choque distributivo, ocorre vasodilatação sistêmica e redução da resistência vascular. A perfusão tecidual é comprometida pela hipotensão arterial e pela má distribuição do fluxo sanguíneo (fluxo reduzido em órgãos centrais e aumentado na pele e músculos esqueléticos).

A categoria de choque distributivo  inclui três tipos de choque:

  • Choque séptico

  • Choque anafilático

  • Choque neurogênico

  • Choque Séptico

sepse

Definição

O choque séptico é o tipo mais comum de choque distributivo na faixa pediátrica e se caracteriza pela presença de sepse associada a sinais clínicos de choque do tipo distributivo.

Novos critérios para definição de sepse e choque séptico pediátricos (Phoenix Pediatric Sepsis - PPS) foram publicados em 2024 e destinam-se a identificar crianças e adolescentes (de 1 mês a < 18 anos) apresentando disfunção orgânica com risco de morte devido à infecção (International Consensus Criteria for Pediatric Sepsis and Septic Shock, JAMA, January 2024).
 

A nova definição conceitual final para sepse pediátrica inclui um sistema de pontuação, o PSS (Phoenix Sepsis Score), que contém parâmetros referentes a quatro disfunções orgânicas (respiratória, cardiovascular, coagulação e neurológica).

  • Disfunção Respiratória: Relação PaO2/FIO2 ou relação SpO2/FIO2

  • Disfunção Cardiovascular: Valor de Lactato sérico, uso de drogas vasoativas e valor de pressão arterial média.

  • Disfunção da Coagulação: Contagem de plaquetas, RNI, valores de D-dímero e de fibrinogênio séricos

  • Disfunção Neurológica: Escala de Coma de Glasgow

 

Os Critérios de Sepse de Phoenix definem:

  • SEPSE: disfunção orgânica potencialmente fatal no contexto de uma infecção suspeita ou confirmada, operacionalizada por meio de uma pontuação no Escore de Sepse de Phoenix de pelo menos 2 pontos.

  • CHOQUE SÉPTICO: subconjunto de pacientes com sepse que apresentam disfunção cardiovascular, estando associado a uma maior taxa de mortalidade. O diagnóstico de choque séptico é estabelecido em crianças com sepse que apresentam pelo menos 1 ponto no componente cardiovascular do Escore de Sepse de Phoenix (ou seja, hipotensão grave para a idade, ou lactato sanguíneo > 45 mg/dL, ou necessidade de medicação vasoativa).

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PaO2: pressão parcial arterial de oxigênio; FiO2: fração inspirada de oxigênio; SpO2: saturação de pulso de oxigênio; VMI: ventilação mecânica invasiva; DVA: drogas vasoativas; RNI: razão normalizada internacional (tempo de atividade de protrombina do paciente/controle; ECG: escala de coma de Glasgow). 
a: O PSS pode ser calculado na ausência de algumas variáveis (lactato não medido ou sem medicações vasoativas usadas; nesse caso, usar pressão no escore cardiovascular). Obter exames de acordo com orientação médica. Idades não são ajustadas para prematuridade. Critérios não são aplicáveis a hospitalizações para nascimento, recém-nascidos com idade gestacional menor do que 37 semanas ou aqueles com 18 anos ou mais. 
b: SpO2:FiO2 usada apenas se SpO2 ≤ 97% 
c: Disfunção respiratória de 1 ponto aplica-se a qualquer paciente sob oxigenoterapia, alto fluxo, ventilação mecânica invasiva (VMI) e não invasiva (VNI) e inclui uma PaO2:FiO2 < 200 e SpO2:FiO2 < 220 em crianças que não estão recebendo VMI. Para crianças sob VMI com PaO2:FiO2 < 200 e SpO2:FiO2 < 220, ver critério para 2 e 3 pontos. 
d: Medicações vasoativas (DVA) inclui qualquer dose de epinefrina, norepinefrina, dopamina, dobutamina, milrinone e/ou vasopressores para choque 
e: Variação de Lactato é de 0,5 a 2,2 mmol/L (arterial ou venoso) 
f: Idade não é ajustada para prematuridade e o critério não se aplica a hospitalizações para nascimento, crianças com idade pós-concepcional menor do que 37 semanas ou aqueles com 18 anos ou mais 
g: Use medida da pressão arterial média (PAM), preferencialmente invasiva, se disponível, ou não invasiva). Se PAM invasiva não for disponível, usar a PAM calculada (1/3 x sistólica + 2/3 x diastólica) como alternativa 
h: Valores coagulação: plaquetas: 150 a 450 x 103 /µL; D-dímero: < 0,5 mg/L; fibrinogênio: 180 a 410 mg/dL; RNI: baseado em referências locais 
i: O sub escore de disfunção neurológica foi pragmaticamente validado em pacientes sedados e não sedados e naqueles recebendo ou não VMI 
j: A Escala de Coma de Glasgow mede o nível de consciência baseado na resposta verbal, ocular e motora (varia de 3 – 15, com um escore mais alto indicando melhor função neurológica).

Etiologia

O choque séptico é mais frequentemente causado por infecções bacterianas, embora possa ocorrer menos comumente por fungos e até mesmo por vírus. As bactérias mais frequentes, variam de acordo com a faixa etária:

Em recém-nascidos: 

  • Streptococcus do Grupo B: principal causa de sepse neonatal, adquirida durante o parto

  • Escherichia coli: Especialmente em recém-nascidos prematuros

  • Listeria monocytogenes 

Em lactentes e pré-escolares:

  • Streptococcus pneumoniae

  • Staphylococcus aureus

  • Neisseria meningitidis

  • Haemophilus influenzae tipo b 

Em crianças escolares e adolescentes:

  • Streptococcus pneumoniae

  • Staphylococcus aureus

  • Neisseria meningitidis

Fisiopatologia

O agente infeccioso e/ou suas toxinas causam lesão tecidual e ativação da resposta inflamatória, incluindo a ativação de células do sistema imunológico (neutrófilos, monócitos, macrófagos, linfócitos, entre outras). Ocorre liberação de diversas citocinas que mantêm a resposta inflamatória, produzem vasodilatação, lesão do endotélio e aumento da permeabilidade vascular, podendo haver ainda, em consequência, ativação da cascata da coagulação sanguínea e coagulação intravascular disseminada. Paralelamente, mediadores inflamatórios podem comprometer a contratilidade miocárdica e causar disfunção cardíaca. Não raramente, pode haver insuficiência adrenal devido a trombose microvascular e hemorragia da glândula suprarrenal, agravando ainda mais o quadro. Ocorre que no choque séptico (que é um choque distributivo), cada órgão pode apresentar diferentes graus de hipóxia e isquemia, devido à variação no comprometimento da perfusão e na ocorrência de trombose microvascular.

 

Choque "quente"

No início do quadro, a resposta neuroendócrina consegue manter o débito cardíaco por algum tempo, às custas do aumento da frequência cardíaca (a taquicardia é um sinal precoce). A baixa resistência vascular sistêmica e o fluxo sanguíneo aumentado na periferia mantêm os pulsos cheios, redução do tempo de enchimento capilar e pele aquecida (essa fase é chamada de "choque quente"). Pode haver hipotensão precoce com pressão de pulso elevada.

Choque "frio"

À medida que o quadro evolui sem tratamento, ocorre redução do débito cardíaco pela disfunção miocárdica e agravamento da hipovolemia relativa (pela vasodilatação sistêmica e/ou extravasamento capilar). Em resposta, a resistência vascular sistêmica se eleva (vasoconstrição visando manter a pressão de perfusão) e reduz o fluxo sanguíneo para pele e músculos. O resultado disso são pulsos fracos, extremidades frias (essa fase caracteriza o "choque frio"). Ocorre hipotensão com pressão de pulso estreita.

 

Aspectos clínicos

Os aspectos clínicos do choque séptico são aqueles já descritos e característicos do choque distributivo (rever) associados aos critérios de sepse apresentado anteriormente (rever). Pacientes em choque séptico, nos estágios iniciais, podem apresentar sinais e sintomas de choque pouco evidentes e de difícil identificação, já que a perfusão periférica pode parecer normal. Além disso, as manifestações clínicas podem ser atribuídas ao simples contexto infeccioso sem choque.

  • Choque Anafilático

Definição

O choque anafilático é um tipo de choque distributivo que ocorre em consequência a uma resposta inflamatória aguda generalizada, potencialmente fatal, provocada por reação alérgica intensa e difusa que ocorre em segundos ou minutos após a exposição a um antígeno específico, ao qual o organismo esteja previamente sensibilizado (ver Anafilaxia). 

 

Etiologia

Os alérgenos variam em função da sensibilidade individual, podendo ser um medicamento, um alimento, uma toxina, uma planta, um veneno, etc.

Fisiopatologia

  • A sensibilização ao antígeno específico (alérgeno) ocorre quando o organismo é exposto a ele pela primeira vez. O sistema imunológico produz anticorpos específicos do tipo IgE que se ligam a receptores de superfície em mastócitos e basófilos.

  • Durante a reexposição ao mesmo alérgeno, este se liga às moléculas de IgE fixadas nos mastócitos e basófilos, ativando a liberação de mediadores inflamatórios de forma maciça (degranulação).

  • São liberados vários mediadores, incluindo histamina, leucotrienos, prostaglandinas, bradicinina, fator ativador de plaquetas (PAF) e citocinas.

  • O resultado é imediato e generalizado: vasodilatação sistêmica, aumento da permeabilidade vascular, broncoconstrição, vasoconstrição arterial pulmonar, contração da musculatura lisa visceral e amplificação da resposta inflamatória.

  • Em consequência, ocorre queda abrupta na pressão arterial, edema e hipovolemia relativa.

  • A vasodilatação sistêmica reduz a pré carga.

  • A vasoconstrição arterial pulmonar eleva a pós carga do ventrículo direito, reduzindo o fluxo sanguíneo pulmonar e o retorno venoso ao átrio e ventrículo esquerdos.

  • A redução da pré carga sistêmica e o baixo retorno venoso pulmonar no ventrículo esquerdo, contribuem para o baixo débito cardíaco sistêmico.

  • Os mediadores inflamatórios também causam urticária e manifestações gastrointestinais como náuseas, vômitos, dor abdominal, entre outros. 

 

Aspectos clínicos

Os aspectos clínicos do choque anafilático são aqueles já descritos e característicos do choque distributivo (rever), associados à característica de ocorrer em segundos ou minutos e ser desencadeado pela exposição a um alérgeno ao qual o paciente esteja previamente sensibilizado. O paciente pode apresentar quadro de urticária, angioedema em pálpebras, lábios, língua, epiglote.  A hipotensão arterial sistêmica é causada pela vasodilatação, hipovolemia relativa e baixo débito cardíaco. A insuficiência respiratória aguda agrava a hipóxia tecidual e ocorre devido a obstrução das vias aéreas superiores (angioedema) e inferiores (broncoespasmo) e também pelo baixo fluxo sanguíneo pulmonar. 

  • Choque Neurogênico

Definição

O choque neurogênico é um tipo de choque distributivo que ocorre devido à perda do controle autonômico sobre os vasos sanguíneos, geralmente após uma lesão na medula espinhal ou no cérebro.

 

Etiologia

Lesão na medula espinhal (especialmente em níveis torácicos altos ou cervical) ou em casos de traumatismo craniano grave.

 

Fisiopatologia

A lesão medular ou cerebral pode resultar em interrupção da inervação simpática dos vasos sanguíneos e do coração, causando vasoplegia com vasodilatação súbita e generalizada, levando à hipotensão arterial sistêmica e à perfusão inadequada dos órgãos e tecidos, sem a respectiva taquicardia compensatória (pois o coração também perde o estímulo simpático).

 

Aspectos clínicos

O paciente apresenta hipotensão arterial com pressão de pulso alargada, frequência cardíaca normal ou bradicardia e hipotermia.

Choque Cardiogênico

Definição

O choque cardiogênico se caracteriza por uma disfunção primária do coração, que perde a capacidade de bombear o sangue de forma eficiente, causando uma inadequada perfusão dos órgãos e tecidos e insuficiência circulatória. 

 

Etiologia

Cardiopatias congênitas, miocardite, miocardiopatias, arritmias graves, sepse, lesão traumática do coração, toxinas, venenos...

 

Fisiopatologia

  • A falha na função de bombeamento reduz o débito cardíaco, levando a uma diminuição da perfusão e consequente disfunção dos órgãos vitais.

  • A queda do débito cardíaco resulta em hipotensão arterial, embora a hipotensão possa ser um sinal mais tardio.

  • Em resposta à hipotensão, ocorre ativação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, aumentando a frequência cardíaca, a contratilidade miocárdica, a resistência vascular sistêmica e produzindo retenção de fluidos.

  • Essa resposta neuroendócrina causa aumento da pressão de enchimento ventricular, podendo ocasionar congestão e edema pulmonar.

  • A hipoperfusão sanguínea resulta em hipóxia tecidual com consequente dano celular e disfunção orgânica.

 

Aspectos clínicos

O paciente apresenta sinais de choque associados à insuficiência cardíaca e congestão ou edema pulmonar:

  • Taquicardia, pulsos fracos e acelerados, hipotensão arterial com pressão de pulso estreita, extremidades frias e úmidas devido à diaforese, tempo de enchimento capilar prolongado

  • Taquipneia, aumento do esforço respiratório, estertores pulmonares, turgência jugular, hepatomegalia, cianose

  • Alteração do nível de consciência

  • Oligúria ou anúria

Choque Obstrutivo

Definição

O choque obstrutivo ou restritivo se refere a um tipo de choque causado por uma obstrução mecânica ao fluxo sanguíneo, impedindo que o coração bombeie sangue suficiente para o corpo. É ocasionado por qualquer condição que prejudique fisicamente o fluxo sanguíneo. Essa condição é capaz de levar ao choque porque limita o retorno venoso ao coração ou porque dificulta o bombeamento de sangue do coração para o corpo.

 

Etiologia

  • Tamponamento pericárdico

  • Pneumotórax

  • Cardiopatias congênitas dependentes do canal arterial

  • tromboembolismo pulmonar maciço

 

Fisiopatologia

Embora a fisiopatologia possa variar em alguns aspectos dependendo da causa, no choque obstrutivo, a obstrução física ao fluxo sanguíneo sempre ocasiona redução do débito cardíaco, por restringir o bombeamento de sangue para o corpo e/ou limitar o retorno venoso ao coração. Em consequência ao baixo débito cardíaco, ocorre hipotensão arterial e comprometimento da perfusão tecidual. Em resposta compensatória, há aumento da resistência vascular sistêmica e taquicardia visando melhorar o débito cardíaco e a pressão de perfusão.  

 

Aspectos clínicos

Os sinais e sintomas clínicos podem variar de acordo com a causa do choque obstrutivo, mas em geral ocorrem:

  • Baixo débito cardíaco sistêmico  associado à insuficiência cardíaca direita com edema pulmonar

  • Desconforto ou insuficiência respiratória com elevação da frequência e do esforço respiratório, hipoxemia, cianose

  • Taquicardia, perfusão periférica reduzida, com extremidades frias, pulsos fracos e tempo de enchimento capilar prolongado

  • Hipotensão com pressão de pulso estreita

  • Sinais de congestão venosa sistêmica e pulmonar

  • Comprometimento do nível de consciência

 

​Os demais sinais e sintomas são relacionados ao quadro clínico da causa do choque obstrutivo (tamponamento cardíaco, pneumotórax, tromboembolismo pulmonar ou insuficiência cardíaca relacionada a algumas cardiopatias congênitas).

Tratamento do Choque

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Aspectos gerais do tratamento do choque

O choque em pediatria é uma condição grave que exige reconhecimento precoce e intervenção imediata. O tratamento visa garantir, em tempo hábil, medidas de suporte de vida, reverter o déficit de perfusão tecidual e atender às necessidades metabólicas celulares (normalizar a transferência de oxigênio e nutrientes), evitando sua progressão para parada cardiorrespiratória e óbito. É fundamental identificar, assim que possível, a causa primária e o tipo de choque. O tratamento deve iniciar imediatamente e visa estabilizar a função cardiovascular e restaurar a perfusão, garantindo a transferência de oxigênio e nutrientes aos tecidos. 

 

Os objetivos do tratamento do choque incluem:

  • Otimizar a concentração de oxigênio no sangue

  • Restaurar o volume circulante

  • Incrementar o débito cardíaco

  • Normalizar a pressão arterial

  • Reduzir as demandas metabólicas teciduais (dor, febre, ansiedade, esforço respiratório...)

  • Corrigir os distúrbios eletrolíticos, desequilíbrio ácido-base, hipoglicemia

O tratamento do choque pediátrico exige que o trabalho em equipe seja bem articulado com otimização do tempo em relação às ações necessárias.

  • Posicionamento adequado do paciente

  • Monitoramento

  • Manutenção da via aérea, oxigenação e ventilação

  • Acesso vascular (acesso venoso periférico ou acesso intraósseo)

  • Administração rápida de fluidos (expansão)

  • Obtenção de exames complementares (exames laboratoriais e/ou exames de imagem) 

  • Administração de medicamentos

Monitoramento

 

Além das reavaliações clínicas constantes, o monitoramento do paciente em choque inclui os sinais vitais básicos, balanço hídrico, entre outros. Um monitor multiparâmetro deve estar devidamente instalado, informando a temperatura, frequência cardíaca, saturação de oxigênio, pressão arterial, traçado eletrocardiográfico, etc. O paciente inconsciente deve estar com sonda vesical para monitoramento da diurese (débito urinário). O nível de consciência deve ser monitorizado pela escala de coma de Glasgow.

Manutenção da via aérea, oxigenação e ventilação

 

Todo cuidado deve ser dado para a preservação da via aérea. O paciente que respira espontaneamente de forma eficiente, deve receber oxigênio por meio de dispositivos de alto fluxo, como por exemplo, máscara não reinalante com reservatório (10 a 15 litros de oxigênio por minuto). Em caso de respiração ineficaz, a administração de oxigênio deve ser combinada com medidas de suporte ventilatório, tais como pressão positiva não invasiva até mesmo, se indicado, ventilação mecânica após intubação.

Administração rápida de fluidos (expansão)

 

Administrar soro fisiológico ou ringer lactato em bolus de 20 mL/Kg durante 10 a 20 minutos (etapa de expansão). Repetir esse volume até normalizar a pressão arterial e a perfusão tecidual. Em caso de choque cardiogênico utilizar bolus de 10 mL/Kg. Durante a infusão rápida de fluidos, monitorar sinais de congestão circulatória, edema pulmonar ou piora da perfusão tecidual. Se esses sinais ocorrerem, a infusão deve ser interrompida. Após a hidratação rápida com fluidos e estabilização hemodinâmica, passar para a hidratação venosa de manutenção (ver Hidratação venosa).

Exames laboratoriais

 

A investigação complementar com exames laboratoriais e/ou de imagem, depende do tipo de choque e de sua causa. Mas, independente do tipo ou da causa do choque, alguns exames são necessários para avaliar as funções respiratória, circulatória, o equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-base, a atividade inflamatória, presença de infecções e a repercussão do choque no metabolismo e na função dos  órgãos vitais. Alguns dos exames mais frequentemente solicitados em casos de choque incluem:

  • Hemograma

  • Marcadores inflamatórios (PCR, procalcitonina)

  • Glicose

  • Eletrólitos (sódio, potássio, cloro, cálcio, fósforo, magnésio)

  • Gasometria arterial

  • Lactato sérico

  • Ureia e creatinina

  • Enzimas cardíacas (Troponinas, CK-MB) e peptídeos natriuréticos BNP/NT-proBNT

  • Enzimas hepáticas (AST, ALT, FA, GamaGT) e bilirrubinas

  • Albumina

  • Coagulograma, fibrinogênio e D-dímero

  • Culturas (sangue, urina e outros)

Drogas vasoativas

 

O tratamento com drogas vasoativas tem a finalidade de intervir na contratilidade miocárdica, na frequência cardíaca e na resistência vascular. A escolha da medicação (ou medicações) mais adequada(s) depende da condição hemodinâmica do paciente. As drogas vasoativas mais frequentemente utilizadas no tratamento do choque são os vasopressores (epinefrina, norepinefrina, dopamina e vasopressina), inotrópicos (dobutamina e milrinona) e vasodilatadores (dobutamina, milrinona).

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Principais medicamentos utilizados no tratamento do choque pediátrico

 

  • Epinefrina: Apresenta alta atividade em todos os receptores de catecolaminas. Em doses baixas ou usuais, predomina o efeito beta-adrenérgico (cronotrópico e inotrópico) levando ao aumento da frequência cardíaca e da força de contração miocárdica. Em doses mais altas o efeito alfa-adrenérgico predomina causando vasoconstrição periférica.

  • Norepinefrina: Ao contrário da epinefrina que possui uma ação mais difusa e menos específica nos receptores adrenérgicos, a norepinefrina tem uma ação predominante sobre os receptores α-adrenérgicos periféricos e alguns receptores β1. Em doses baixas, a norepinefrina estimula os receptores α1, resultando em vasoconstrição periférica. À medida que a dose de norepinefrina aumenta, além da estimulação dos receptores α1, ocorre também ação nos receptores β resultando em incremento na contratilidade cardíaca (efeito inotrópico) e na frequência cardíaca (efeito cronotrópico).

  • Dopamina: Em doses baixas, a dopamina estimula predominantemente os receptores dopaminérgicos. Isso causa vasodilatação renal, mesentérica, coronária e cerebral, melhorando o fluxo sanguíneo para esses órgãos. Em doses intermediárias, a dopamina começa a estimular os receptores β1, além dos receptores dopaminérgicos. Isso resulta em efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos, aumentando a contratilidade do miocárdio e a frequência cardíaca. Em doses altas, a dopamina estimula predominantemente os receptores α1 adrenérgicos. Isso leva à vasoconstrição periférica e aumento da resistência vascular sistêmica.

  • Dobutamina: A dobutamina age predominantemente os receptores beta. Sua ação e efeitos clínicos variam com a dose, mas de forma geral, a dobutamina é usada principalmente para aumentar a contratilidade cardíaca sem causar uma vasoconstrição significativa. Em doses baixas a moderadas, estimula predominantemente os receptores β1 no coração resultando em aumento da contratilidade miocárdica (efeito inotrópico) e, em menor grau, aumento da frequência cardíaca (efeito cronotrópico). A dobutamina também tem algum efeito nos receptores β2, que causa uma leve vasodilatação periférica e reduz a resistência vascular sistêmica.

  • Milrinona: A milrinona inibe a enzima fosfodiesterase 3, resultando em um aumento dos níveis intracelulares de cAMP, incrementando a entrada de cálcio nas fibras cardíacas, causando aumento da contratilidade cardíaca (efeito inotrópico positivo). Nas fibras musculares lisas da parede dos vasos, o aumento do cAMP causa inativação da cadeia leve da miosina quinase, resultando em miorrelaxamento e vasodilatação. Portanto, a milrinona melhora o débito cardíaco e reduz a pós-carga.

SAIBA MAIS...

American Heart Association. Suporte Avançado de Vida em Pediatria: Manual do Profissional. Dallas: American Heart Association, 2020.

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Anafilaxia

ANAFILAXIA EM PEDIATRIA

Definição

 

A anafilaxia é definida como uma reação alérgica multissistêmica grave, de início agudo e potencialmente fatal. Clinicamente, alguns ou todos os seguintes sinais e sintomas podem estar presentes: urticária, angioedema, comprometimento da função respiratória, gastrintestinal e/ou hipotensão arterial. É importante reforçar que o termo 'anafilaxia' pode ser utilizado tanto para os casos graves acompanhados de choque, quanto para os casos mais leves.

Epidemiologia

A prevalência de anafilaxia em crianças é estimada entre 1 e 2% na população pediátrica. Há evidências que apontam para uma elevação dessa taxa nos últimos anos, principalmente em países industrializados. As principais causas de anafilaxia em crianças são alimentos, medicamentos e picadas de insetos. A maioria dos episódios ocorre na própria casa onde a criança vive. A anafilaxia é mais comum em meninos, mas essa diferença de gênero tende a se igualar na adolescência. Crianças com histórico familiar ou pessoal de alergias ou condições atópicas, como dermatite atópica, asma ou rinite alérgica, têm maior risco de desenvolver anafilaxia. Além disso, a presença de asma concomitante, especialmente quando mal controlada, é um fator de risco significativo para a gravidade das reações anafiláticas. A mortalidade por anafilaxia em crianças não é comum, mas o subdiagnóstico e o tratamento inadequado (principalmente a falta de administração precoce de adrenalina), podem aumentar o risco de complicações graves. Por isso, é crucial que tanto os cuidadores quanto os profissionais de saúde tenham informações corretas sobre o reconhecimento precoce dos sintomas e o manejo adequado da anafilaxia em pediatria.

 

Principais Desencadeantes

  • Alimentos: leite de vaca, ovos, amendoim, nozes, castanhas, peixe, frutos do mar, soja e trigo

  • Medicamentos: antibióticos (beta-lactâmicos, vancomicina), anti-inflamatórios não esteroidais, opiáceos, radioconstrastes iônicos de alta osmolaridade, látex

  • Picada de insetos:  formigas, abelhas, vespas, marimbondos, mosquitos e carrapatos 

  • Fatores físicos: exercícios físicos isoladamente ou associado a ingesta previa de alimentos, frio ou calor excessivos

Fisiopatologia

 

Quanto a sua fisiopatologia, a anafilaxia apresenta diferentes mecanismos​​:

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Anafilaxia Imunológica

 

- Anafilaxia mediada por IgE

A anafilaxia mediada por IgE é a forma clássica e a mais frequente. Ela ocorre geralmente em pacientes que já foram previamente expostos ao alérgeno. Na primeira exposição, os alérgenos são capturados e processados por células apresentadoras de antígenos, como macrófagos e células dendríticas, que os apresentam aos linfócitos T auxiliares do tipo 2 (Th2). Esses linfócitos liberam citocinas que estimulam os linfócitos B a se diferenciarem em células plasmáticas, especializadas na produção de anticorpos IgE específicos para aquele alérgeno. Esses anticorpos circulam pelo organismo e se ligam a receptores de alta afinidade na superfície de mastócitos e basófilos. Quando ocorre uma reexposição ao mesmo alérgeno, este se liga aos anticorpos IgE presentes nos mastócitos e basófilos, ativando-os. Essa ativação leva ao processo de degranulação dessas células, com liberação maciça de uma variedade de mediadores inflamatórios potentes, incluindo histamina, prostaglandinas, leucotrienos, citocinas, entre outros. Como resultado da ação desses mediadores, ocorre vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, broncoconstrição e amplificação da resposta inflamatória:

  • Vasodilatação sistêmica: Resulta em hipotensão, choque e colapso cardiovascular.

  • Aumento da permeabilidade vascular: Causa extravasamento de fluidos dos vasos sanguíneos para os tecidos, levando a edema e contribuindo para o agravamento da hipotensão arterial.

  • Broncoconstrição e hipersecreção de muco: Provoca obstrução de vias aéreas, insuficiência respiratóra aguda e hipoxemia.

  • Espasmo gastrointestinal: Pode resultar em sintomas como náuseas, vômitos e cólicas abdominais.

  • Sintomas cutâneos: Urticária, angioedema e prurido são comuns.

 

Em alguns casos, a anafilaxia pode ter uma resposta bifásica, onde os sintomas retornam horas após o tratamento inicial, mesmo sem nova exposição ao alérgeno.

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- Anafilaxia não mediada por IgE

 

  • Anafilaxia mediada por IgG: Nesse mecanismo, os anticorpos IgG reconhecem o alérgeno, formando complexos antígeno-anticorpo que ativam o sistema complemento, ocasionando ativação de mastócitos e basófilos com liberação de mediadores inflamatórios, semelhante à anafilaxia IgE-mediada, porém sem a presença de IgE. Esse tipo de anafilaxia é menos comum.

  • Anafilaxia induzida por complemento: Alguns alérgenos ou drogas podem ativar diretamente o sistema complemento, levando à formação de fragmentos C3a, C4a e C5a, chamados de anafilatoxinas. Essas moléculas ativam diretamente mastócitos e basófilos, resultando na liberação de histamina e outros mediadores. Um exemplo clássico é a reação a alguns meios de contraste radiológico.

 

Anafilaxia Não Imunológica

- Anafilaxia por ativação direta de mastócitos e basófilos: Certas substâncias podem ativar diretamente mastócitos e basófilos, sem a necessidade de envolvimento do sistema imunológico. Isso inclui alguns medicamentos, como opiáceos, vancomicina e contrastes radiológicos, que causam a liberação não imunológica de mediadores dos mastócitos e basófilos. O mecanismo não envolve a formação de anticorpos e pode ocorrer já na primeira exposição à substância.

 

- Anafilaxia relacionada a fatores físicos: 

  • Anafilaxia induzida pelo exercício: Pode ser desencadeada por exercício físico, especialmente quando associado à ingestão de certos alimentos. A fisiopatologia exata não é totalmente compreendida, mas acredita-se que envolva fatores que aumentam a permeabilidade intestinal e facilitam a absorção de alérgenos.

  • Anafilaxia ao frio ou calor: Exposição a temperaturas extremas pode desencadear reações anafiláticas. Esse mecanismo envolve a ativação de mastócitos e basófilos causando sua degranulação.

Diagnóstico

 

O diagnóstico é essencialmente clínico. A anamnese, assim que possível, deve ser detalhada e acompanhada de exame físico completo. As manifestações cutâneas são as mais comuns, seguidas pelas manifestações respiratórias, gastrointestinais, neurológicas e cardiovasculares. Embora a urticária seja um dos critérios diagnósticos mais frequentes, cerca de 10%  dos pacientes podem apresentar anafilaxia sem sintomas cutâneos. O início do quadro é geralmente súbito, ocorrendo segundos ou minutos após a exposição ao alérgeno. Cerca de 40% dos pacientes têm sintomas nos primeiros 10 minutos após a exposição ao alérgeno. Aproximadamente 45%, entre 10 e 30 minutos. Menos frequentemente (cerca de 15% dos casos), os sintomas ocorrem após 30 minutos ou mais. Vale destacar que a reação bifásica, caracterizada pela reaparição dos sintomas após a fase inicial, pode ocorrer em aproximadamente 5 a 10% dos casos, cerca de 8 a 12 horas após início do quadro, mesmo sem haver nova exposição ao alérgeno.

Novos critérios diagnósticos de anafilaxia propostos pela World Allergy Organization (WAO):

- Reação que tem início em minutos a horas com envolvimento de pele e/ou mucosas E pelo menos uma das seguintes manifestações:

  • Manifestações respiratórias (tosse, dispneia, estridor, sibilância, hipoxemia)

  • Hipotensão arterial (ou sintomas como desmaio ou síncope)

  • Sintomas gastrointestinais (cólicas abdominais intensas, vômitos)

- Reação que tem início em minutos a horas (após a exposição a um alérgeno provável para esse paciente, mesmo na ausência de sintomas cutâneos típicos), incluindo pelo menos uma das seguintes manifestações:

  • Hipotensão OU

  • Broncoespasmo (dispneia, sibilância) OU

  • Edema da laringe (glote)

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 Principais sinais e sintomas de anafilaxia

Sinais e sintomas cutâneos

  • Urticária e angioedema (mais comumente em lábios e pálpebras, podendo acometer também orelhas e língua) 

  • Erupção cutânea (rash, eritema) 

  • Prurido isolado (sem rash cutâneo)

Sinais e sintomas respiratórios

  • Espirros, coriza, obstrução, prurido nasal e/ou ocular, hiperemia conjuntival e lacrimejamento

  • Tosse, rouquidão, estridor

  • Edema de laringe (edema de glote)

  • Sibilância, dispneia, hipoxemia

Sinais e sintomas cardiovasculares

  • Tontura, desmaio, síncope

  • Taquicardia

  • Hipotensão arterial, choque

Sinais e sintomas digestórios

  • Dor abdominal

  • ​Náuseas, vômitos, diarreia

Outros sinais e sintomas 

  • ​Cefaleia, desorientação, convulsão 

De acordo com a gravidade, o quadro clínico de anafilaxia varia em leve, moderado ou grave, com compromentimento sistêmico envolvendo vários órgãos.

Anafilaxia leve

  • Manifestações cutâneas predominantes, como urticária, coceira e rubor.

  • Sintomas gastrointestinais leves, como desconforto abdominal ou náuseas.

  • Sintomas respiratórios leves, como coriza ou tosse leve, sem sinais de dificuldade respiratória.

  • Estado geral: sem comprometimento cardiovascular ou respiratório significativo.


Anafilaxia moderada

  • Manifestações cutâneas mais intensas (urticária generalizada, angioedema).

  • Sintomas respiratórios moderados, como dispneia, sibilância e tosse persistente.

  • Sintomas gastrointestinais moderados, incluindo vômitos ou diarreia.

  • Sintomas cardiovasculares podem incluir leve taquicardia, mas sem hipotensão significativa.


Anafilaxia grave

  • Comprometimento respiratório grave, como desconforto respiratório intenso, estridor, cianose ou necessidade de intubação.

  • Comprometimento cardiovascular grave, como hipotensão, taquicardia significativa ou choque.

  • Perda de consciência ou confusão mental, síncope, indicando hipóxia cerebral.

  • Sintomas gastrointestinais podem incluir dor abdominal intensa, diarreia ou incontinência fecal.

 

A classificação da anafilaxia é importante para orientar o tratamento. Casos graves requerem intervenções emergenciais imediatas.

Tratamento

O tratamento da anafilaxia no serviço de urgência e emergência deve ser imediato e envolve a rápida aplicação de epinefrina intramuscular, o posicionamento adequado do paciente em decúbito dorsal com elevação dos membros inferiores, monitoramento multiparâmetro, oxigênio (avaliar a necessidade, de acordo com a gravidade do quadro) e obtenção de acesso venoso. A avaliação do paciente e as condutas prioritárias, seguem o protocolo de abordagem sistematizada do atendimento de emergência pediátrica:

 

A - Vias aéreas: avaliar a existência de obstrução de via aérea superior e se necessário providenciar medidas que garantam a lberação da via aérea.
B - Respiração: avaliar a existência de sinais desconforto, broncoespasmo, hipoxemia e iniciar oxigenoterapia e assistência ventilatória se necessário. 
C - Circulação sanguínea: avaliar pulsos, perfusão periférica, pressão arterial e sinais de choque, providenciar acesso venoso e iniciar expansão volêmica com solução salina isotônica.
D - Neurológico: avaliar o nível de consciência (escala de Glasgow)
E - Exposição: avaliar pele e mucosas, urticária, rash cutâneo, angiodema 

 

A história dirigida e estruturada utilizando o mnemônico S-A-M-P-L-E para coletar informações importantes sobre o paciente, ajuda a organizar dados essenciais para orientar o tratamento imediato:

 

S - avaliar os sinais e sintomas do quadro atual (respiratórios, circulatórios, cutâneos, gastrointestinais, neurológicos).

A - perguntar ou verificar se a criança tem algum histórico de alergia conhecida. Isso pode incluir alergias a alimentos, medicamentos, picadas de insetos ou outros prováveis agentes desencadeantes.

M - questionar sobre medicamentos em uso atual ou recente, se a criança usou autoinjetor de adrenalina previamente e saber sobre tratamentos anteriores.

P - obter a história médica pregressa e identificar se a criança tem asma ou outras condições respiratórias, verificar a existência de outras comorbidades, checar se já apresentou episódios de anafilaxia anteriormente, buscando identificar possíveis alérgenos já conhecidos.

L - Saber o que a criança comeu anteriormente e quando foi, pode ajudar a identificar alimentos potencialmente causadores de alergias e considerar a possibilidade de aspiração caso haja vômito.

E - Perguntar sobre o que aconteceu imediatamente antes do início dos sintomas. Saber se houve contato com alérgenos conhecidos (como um alimento, picada de inseto ou medicação) ajuda a confirmar o fator desencadeante da reação alérgica.​​

Tratamento Farmacológico

 

Epinefrina

 

Administração de epinefrina (adrenalina) é a primeira linha de tratamento e a mais importante. Deve ser administrada imediatamente por via intramuscular (preferencialmente na na face lateral da coxa, no músculo vasto lateral. A dose comum para adolescentes é de 0,3 a 0,5 mg de adrenalina, e para crianças, 0,01 mg/kg. Se necessário, repetir a dose a cada 5 a 15 minutos. A administração precoce de epinefrina pode prevenir a progressão para choque anafilático.

Ações da epinefrina na anafilaxia:
-
Ação α-adrenérgica: Promove vasoconstrição, corrigindo a vasodilatação, reduzindo o edema, desobstruindo as vias aéreas superiores e corrigindo a hipotensão arterial. Também contribui para o alívio dos sintomas de urticária.

- Ação β-adrenérgica: Melhora a contratilidade cardíaca, aumentando o débito cardíaco e promovendo maior fluxo sanguíneo nas coronárias. Produz broncodilatação. Inibe a liberação de mediadores inflamatórios por mastócitos e basófilos. 

Observação:

* Glucagon
Apresenta efeito inotrópico e cronotrópico positivo, além de seu efeito broncodilatador. Ativa diretamente a adenilciclase e age de modo independente de receptores beta-adrenérgicos. Seu uso está indicado, portanto, em pacientes com anafilaxia e hipotensão refratária à adrenalina e/ou que estejam em uso de betabloqueadores (o uso de betabloqueadores favorece a anafilaxia grave, pois prejudica a ação β-adrenérgica da adrenalina). 

- Apresentação: frascos-ampola de pó liofilizado contendo 1 mg (1 UI) de glucagon

- Dose: 0,05 mg/kg, repetido a cada 5 minutos conforme necessário.

Oxigênio Manter a saturação de oxigênio maior que 95%. Utilizar cânula nasal, máscara não reinalante com reservatório ou outro dispositivo, de acordo com a necessidade. Se saturação menor ou igual a 95% em ar ambiente, repetir a dose de epinefrina.

Expansão volêmica: Infundir por via endovenosa, 10ml/kg de soro fisiológico ou ringer lactacto nos primeiros 5 minutos e, a seguir, 10 a 20 ml/kg a cada 20 minutos, de acordo com os parâmetros cardiocirculatórios (frequência cardíaca, pulsos, perfusão periférica, pressão arterial e diurese). Monitorar sobrecarga de volume. Em adolescentes, infundir 1 a 2 litros entre 30 e 60 minutos.

Broncodilatador

Sulfato de salbutamol (β2-Agonista de curta ação)

Via inalatória:

Opções:

- Aerosol dosimetrado com espaçador:

  • Adolescentes: 10 jatos, a cada 20 minutos (até 3 vezes)

  • Crianças: 50 mcg/Kg/dose = 1 jato/2kg (até no máximo 10 jatos), a cada 20 minutos (até 3 vezes)

- Nebulizador:

Salbutamol solução para nebulização [Salbutamol gotas (5 mg/mL) ou Salbutamol flaconetes (2,5 mg/2 ml)] (até 3 vezes)

  • Adolescentes: 2,5 - 5,0 mg, a cada 20 minutos (até 3 vezes)

  • Crianças: 0,15 mg/kg (até 5 mg), a cada 20 minutos (até 3 vezes)

Corticosteroides 

Opções:

  • Metilprednisona: 1-2 mg/kg/dia EV em casos graves

  • Prednisona: 1-2 mg mg/kg/dia VO em casos leves a moderados

Antihistamínicos

Antihistamínicos parenterais (casos moderados e graves)

Opções:

  • Difenidramina: Adolescentes: 25-50 mg EV. Crianças: 1-2 mg/kg EV até máximo 50 mg. Repetir a cada 6 horas. (dose máxima diária 200 mg)

  • Prometazina: 0,5 mg/kg em dose única (via intramuscular)

Antihistamínicos por via oral podem ser administrados em casos leves:

Opções:

  • Fexofenadina, Desloratadina, Cetirizina, Hidroxizina, Dexclorfeniramina ...

Observação:

Anti-histamínicos H2 apresentam benefício adicional, administrados simultaneamente ao anti-histamínico H1: cimetidina, ranitidina ou famotidina.

Plano terapêutico e de cuidados na Alta 

Na ocasião da alta, a familia deve ser informada sobre a possibilidade de recorrência dos sinais/sintomas e sobre o seu reconhecimento. Deve ser entregue aos familiares/paciente: (1) prescrição incluindo os medicamentos necessários para a continuidade imediata do tratamento; (2) encaminhamento ao especialista e (3) plano de ação por escrito em caso de reações anafiláticas.

Prescrição

 

  • Corticosteroides: prednisona ou prednisolona, 1-2 mg/Kg/dia em dose única, durante 5-7 dias.

  • Antihistamínicos H1 de 2ª geração (fexofenadina, cetirizina, deslotaradina),  durante pelo menos 7 dias.

  • Adrenalina autoinjetável (*)

(*) Os dispositivos de adrenalina autoinjetável (Ex.: EpiPen) têm doses fixas (0,1 mg para lactentes, 0,15 mg crianças até 30 Kg; 0,3 mg para crianças maiores/adolescentes). Aplicar na face ântero-lateral da coxa. Caso não haja melhora dos sintomas, uma segunda dose pode ser realizada cerca de 5 a 10 minutos após a primeira. A aplicação deve ser feita por cima da roupa para evitar perda de tempo na retirada da mesma. 

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Técnica correta da aplicação da adrenalina autoinjetável. Se estiver com calça comprida, a aplicação deve ser por cima da roupa mesmo, sem perda de tempo.

Encaminhamento
 

Encaminhar ao especialista para investigação de agente(s) causador(es), avaliação de riscos, prevenção de novos episódios e tratamento de comorbidades (ex.: asma). 

Plano de ação e orientações

  • Orientação para aquisição de dispositivo de auto-injetor de adrenalina e sobre a forma correta e segurança de seu uso.

  • O plano de ação, para ser executado pela família/escola/paciente em caso de anafilaxia, deve conter informações escritas com clareza, incluindo orientações de conduta, nome e dose de medicamentos a serem utilizados. As informações incluem, entre outras:

• Deitar o paciente com as pernas elevadas.
• Aplicar adrenalina utilizando o dispositivo auto-injetor 

• Se disponível, dar a primeira dose de antihistamínico e corticoide

• Procurar o serviço de emergência mais próximo ou solicitar ambulância ou acionar o SAMU - 192.

  • A criança deve possuir uma identificação com diagnóstico, telefone de contato e plano de ação.

  • A escola deve ser informada sobre o risco de anafilaxia e as medidas iniciais.

Exemplo de cartão de identificação com plano de ação (frente e verso) da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia

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