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HIDRATAÇÃO VENOSA EM PEDIATRIA

Fluidoterapia endovenosa em Pediatria

A hidratação venosa é um procedimento ao mesmo tempo simples e de grande importância na recuperação e manutenção da saúde de crianças hospitalizadas. Uma criança internada pode ter necessidades hídricas aumentadas por perdas de fluidos e eletrólitos devido a febre, vômitos, diarreia, taquipneia, drenos, ou mesmo por dificuldades na ingesta oral. Assim, a hidratação venosa é um meio satisfatório de garantir o aporte de líquidos e eletrólitos, necessários ao equilíbrio fisiológico da criança, até que ela se recupere. A prescrição de hidratação venosa depende do estado de hidratação inicial da criança e pode envolver mais de uma etapa: a etapa de expansão, indicada para pacientes com desidratação grave ou em casos de falha da terapia de reidratação oral e a etapa de manutenção indicada para suprir as necessidades hidroeletrolíticas basais de pacientes em jejum prolongado ou ingesta oral muito reduzida.

Etapa de expansão

Também chamada de etapa rápida, consiste em infundir solução salina isotônica no compartimento vascular, em volume e tempo otimizados, com o objetivo de restaurar rapidamente as condições hemodinâmicas que permitam a adequada perfusão tecidual. É indicada principalmente em casos de desidratação grave, choque hipovolêmico e choque distributivo. Na etapa de expansão será sempre utilizada uma solução cristaloide isotônica (soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato). Quanto ao volume e a velocidade de infusão, há duas orientações distintas:

 

1. Diretrizes do PALS/AHA:

  • Soro Fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato

  • 20 mL/kg durante 20 minutos

  • Repetir esse volume a cada 20 minutos, até o desparecimento completo dos sinais de desidratação.

 

2. Diretrizes do Ministério da Saúde:

  • Soro Fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato

  • crianças < 1 ano:  

30 mL/Kg durante 60 minutos, seguidos de mais 70 mL/Kg durante um período de 5 horas.

  • crianças > 1 ano:  

30 mL/Kg durante 30 minutos, seguidos de mais 70 mL/Kg durante um período de 2h:30min.

 

A etapa de expansão somente se encerra após o desaparecimento dos sinais de desidratação, restabelecimento da perfusão e presença de diurese adequada (> 1 mL/Kg/hora e densidade urinária < 1010). Durante toda essa etapa, manter o paciente monitorizado e em observação cínica contínua. Se optar pelas diretrizes do PALS/AHA e se houver necessidade de mais de três expansões (> 60 mL/kg), redobrar os cuidados em relação ao risco de sobrecarga volêmica e congestão cardio circulatória. 

Etapa de manutenção

Essa etapa é caracterizada pela infusão de solução glico-eletrolítica, capaz de manter a homeostase hidro salina e metabólica basal do organismo, durante o período em que o paciente se encontra impossibilitado de ingesta oral adequada. Geralmente é composta por água, glicose, sódio, cloro e potássio e, eventualmente, outros componentes necessários à manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico do organismo.  

 

Há diferentes propostas de solução de hidratação venosa de manutenção, sendo as mais utilizadas, a solução hipotônica (Holliday-Segar) e a solução isotônica. A principal diferença entre elas é a concentração do íon sódio. A solução de Holliday-Segar tem 30 mEq/L de sódio (cerca de cinco vezes menos sódio que a concentração desse íon no plasma). A solução isotônica tem a concentração de sódio semelhante à do plasma e, atualmente, tem sido preferida na maioria dos serviços de pediatria hospitalar por ser mais fisiológica e apresentar menor risco de hiponatremia.

 

Vamos trabalhar com a solução isotônica:

 

(1) Volume:

O cálculo do volume de soro para 24 horas se baseia na necessidade hídrica diária da criança, que pode ser calculada com base no peso ou na superfície corporal. 

  • Com base no peso: Crianças com peso < 10 kg:   100 ml/kg; Peso entre 10-20 kg: 1000 ml + 50 ml/cada kg acima de 10 Kg; Peso > 20 kg:   1500 ml + 20 ml/cada kg acima de 20 Kg.

  • Com base na superfície corporal: 1.800 ml/m2 SC.

A superfície corporal pode ser calculada a partir do peso da criança, utilizando-se a seguinte fórmula: 

SC = [4 x peso (Kg)] + 7 / peso (Kg) + 90

 

(2) Sódio:

A concentração de sódio da solução deve ser semelhante à concentração de sódio do plasma (isotônica). Embora a concentração de sódio nas soluções isotônicas possa variar de 135 mEq/L a 150 mEq/L, nós recomendamos preparar a solução com 136 mEq/L de sódio (pela facilidade nos cálculos e menor oferta de cloro e sódio em relação a de 150 mEq/L). Utiliza-se o cloreto de sódio a 20% (NaCl 20% = 3,4 mEq/mL). 

 

(3) Potássio:

A concentração de potássio na solução hidroeletrolítica de manutenção, segundo os estudos metabólicos de Holliday-Segar, deve ser de 25 mEq/L. Recomenda-se o cloreto de potássio 19,1% (KCl 19,1% = 2,5 mEq/mL). Há referências que preconizam a concentração de 40 mEq/L de potássio na solução isotônica de manutenção.

(4) Glicose:

A glicose entra no soro de manutenção, na concentração de 50g/litro (SG 5%), o que corresponde ao valor energético de cerca de 170 KCal/L.

Solução Hipotônica

(Holliday-Segar)

Solução Isotônica

Sódio

30 mEq/L

136 mEq/L

Potássio

25 mEq/L

Glicose

SG 5% = 50 g Glicose/ L (170 kcal/L)

Necessidade hídrica diária

(24 horas)

< 10 kg:   100 mL/kg

10-20 kg: 1000 mL + 50 mL para cada kg > 10

> 20 kg:   1500 mL + 20 mL para cada kg > 20

ou 1800 mL/m2 de superfície corporal

Simplificando um pouco mais, vamos converter "mEq" em "mL" para o sódio e o potássio:

Sódio: NaCl 20%

3,4 mEq ------------- 1 mL

136 mEq ------------ X

X = 40 mL (ou seja, 40 mL de NaCl 20% contêm 136 mEq de sódio)

Potássio: KCl 19,1%

2,5 mEq ------------ 1 mL

25 mEq -------------  X

X = 10 mL (ou seja, 10 mL de KCl 19,1% contêm 25 mEq de potássio)

Então, veja como ficaria 1 litro (1.000 mL) do soro de manutenção isotônico (com 136 mEq/L de sódio e 25 mEq/L de potássio):

- SG 5% --------------- 950 mL

- NaCl 20% ----------   40 mL

- KCl 19,1% ----------   10 mL

Volume total = 1.000 mL 

Donde se deduz, como regra geral que, para qualquer volume de soro isotônico de manutenção (Na+ 136 mEq/L e K+ 25 mEq/L), serão sempre as mesmas proporções: 

  - SG 5% ----------- 95 % do volume total (mL)

  - NaCl 20% ------   4 % do volume total (mL)

  - KCl 19,1% ------   1 % do volume total (mL)

  Volume total = 100 %

Como exemplo, vejamos como ficaria a HV de manutenção de uma criança com 14 Kg:

1° passo: calcular a necessidade hídrica diária:

1.000 mL + 4 x 50 mL = 1.200 mL

(esse é o volume de soro de manutenção para 24 horas. Vamos dividir esse volume em duas etapas iguais de 12 horas cada (1.200 mL / 2 = 600 mL a cada 12 horas), pois não há frasco de soro disponível acima de 1.000 mL).

 

2° passo: Distribuir o volume do soro nos percentuais de cada componente (95% do volume em SG 5%, 4% do volume em NaCl 20% e 1% do volume em KCl 19,1%):

Hidratação venosa de 12/12 horas:

  - SG 5% (95% x 600 mL)     = 570 mL  

  - NaCl 20% (4% x 600 mL)  =  24 mL

  - KCl 19,1% (1% x 600 mL)  =    6 mL

volume = 600 mL

Infundir EV em BIC em 12 horas, a 50 mL/hora ou 17 gotas/minuto (gotas/minuto = mL/hora / 3)

Observações

  • A etapa de manutenção só deve ser iniciada se o paciente estiver hidratado e com diurese adequada.

  • Reposição ou reparação durante a etapa de manutenção: Ao longo da etapa de manutenção, o paciente pode, eventualmente, voltar a apresentar sinais de desidratação em situações de intensificação de perdas hídricas ou surgimento de novas perdas. Nesse caso é necessário fazer a reposição dessas perdas adicionais que ocorreram paralelamente à HV de manutenção. Uma estratégia que pode ser adotada é interromper temporariamente a HV de manutenção e retornar à etapa de expansão (esta deverá ser repetida até que o paciente esteja com seu estado de hidratação restaurado). Após isso, a HV de manutenção é retomada. Outra estratégia é fazer uma estimativa de perdas futuras (estimar um percentual adicional às NHD) e acrescentar preventivamente esse volume à etapa de manutenção (por exemplo: pode se estimar que a criança irá perder nas próximas 24 horas, cerca de 20% a mais que suas NHD e prescrever a HV de manutenção com 120 % das necessidades hídricas diárias). Mas, seja qual for a estratégia adotada, o monitoramento clínico-laboratorial e o balanço hídrico do paciente deverão ser feitos rigorosamente.

  • À medida que o paciente se recupera e restabelece sua ingesta oral de líquidos e alimentos, a hidratação venosa de manutenção pode ir sendo reduzida progressivamente até que seja suspensa. Essa redução se faz em termos percentuais da necessidade hídrica diária (p.ex.: 80% da NHD... 60% da NHD... e assim sucessivamente, até suspender completamente.

  • A solução isotônica de manutenção só é contraindicada em crianças com hipernatremia (ver hipernatremia) e no período neonatal (pelo maior risco de recém-nascidos desenvolverem hipernatremia).

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