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DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS

Distúrbios da concentração do Potássio

O potássio é um íon essencial na fisiologia de diversos sistemas. Seu equilíbrio é fundamental para a adequada função cardíaca, muscular e nervosa, entre outras. Os principais fatores envolvidos no balanço e na regulação do potássio incluem a dieta (bananas, laranjas, batatas, espinafre, abacates, peixes...), função absortiva intestinal íntegra, equilíbrio dos mecanismos de transporte celular, função renal preservada, função endócrina adequada da aldosterona e insulina e adequação do equilíbrio ácido-base. O potássio é o cátion intracelular mais abundante do organismo e seu contingente corporal total é de aproximadamente 40-50mEq/Kg,  sendo 98% localizados no meio intracelular (concentração de 100-150 mEq/L) e somente 2%, no extracelular (3,5-5,0 mEq/L). Essa imensa diferença de concentração é mantida graças a mecanismos de transporte ativo relacionados à bomba de Na+/K+/ATPase e que contrapõem aos processos passivos de difusão simples do potássio pelos canais seletivos.

Faixa de normalidade do potássio sérico: 3,5 a 5,5 mEq/L

Hipercalemia

(Hiperpotassemia)

A hipercalemia se caracteriza pela presença de elevados níveis séricos de potássio (acima de 5,5 mEq/L). Suas principais causas são:

  • Aporte excessivo de potássio (ingesta, iatrogenia EV, transfusão maciça) 

  • Desvio de potássio para o extracelular (Acidose; Lise celular: rabdomiólise, hemólise e síndrome de lise tumoral) 

  • Redução da função renal 

  • Hipoaldosteronismo 

  • Medicamentos betabloqueadores, intoxicação digitálica, IECA, espironolactona)

 

Quanto ao nível de gravidade, a hipercalemia pode ser considerada:​

Leve: 5,5-6,5 mEq/L
Moderada: 6,5-7,5 mEq/L
Grave: > 7,5 mEq/L

Os quadros moderados e graves podem ser considerados uma emergência médica, já que afetam o ritmo cardíaco causando arritmias com potencial para evoluir para fibrilação ventricular/assistolia e óbito. Os sintomas variam em função da gravidade, mas podem incluir, além das alterações cardíacas, náuseas/vômitos, síncope, câimbras, parestesias, paresia muscular, paralisia flácida, hiperreflexia, hipoventilação, confusão mental e alterações neurológicas focais. 

Os exames laboratoriais visam avaliar a gravidade e a etiologia do quadro: Hemograma, LDH, gasometria, creatinina, ureia, CK, TGO, TGP, glicemia, hemoglobina glicada, renina, angiotensina, aldosterona, cortisol, 17-OH progesterona, eletrólitos séricos, sódio e potássio urinários.

Efeitos da hipercalemia sobre o ritmo cardíaco:

  • 5,5 – 6,5 mEq/L (hipercalemia leve)

Repolarização rápida com onda T estreita/simétrica/apiculada/”em tenda” e redução do intervalo QT

  • 6,5-7,5 mEq/L (hipercalemia moderada):

Onda T apiculada, intervalo P-R prolongado, onda P alargada com menor amplitude ou ausente, alargamento do complexo QRS

  • > 7,5 mEq/L (hipercalemia grave):

Ausência de onda P, alargamento progressivo do QRS resultando em morfologia bizarra, depressão do segmento S-T evoluindo para fibrilação ventricular/assistolia.

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O tratamento da hipercalemia varia de acordo com os níveis séricos de potássio, manifestações clínicas e alterações eletrocardiográficas. O objetivo do tratamento é reduzir os níveis elevados de potássio sérico e minimizar os seus efeitos. Em casos de emergência (hipercalemia grave, com sintomas e ou alterações no ECG), o tratamento inicial envolve medidas de suporte, monitorização cardíaca, administração de oxigênio, acesso intravenoso e medidas específicas.

O tratamento específico consiste em corrigir as causas e condições etiológicas de base e reduzir o aporte oral ou parenteral de potássio no organismo. Além disso, prescrever medicamentos para promover a estabilização da membrana celular, a redistribuição de potássio para o compartimento intracelular e para aumentar sua excreção. Lembrando da importância de repetir a dosagem de potássio sérico após cada medida de correção.

  • Estabilizador de membrana: Gluconato de cálcio 10% na dose de 0,5 a 1 ml/Kg até o máximo de 20 ml (diluir 1:5 em SG5%) e infundir EV em BIC em 15 min (se bradicardia interromper a infusão). Se necessário pode ser repetido após 10 minutos. Deverá ser feito sempre que houver sintomatologia e/ou ECG alterado.

  • Medidas de redistribuição do K+

- Emprego de solução polarizante de glico-insulina (glicose 0,5 g/Kg + 1 unidade de insulina regular / 5 g de glicose). Essa solução deve ser infundida EV em BIC em 1 hora, podendo ser repetida a cada 4 horas se necessário. 

- Outra medicação empregada é o salbutamol (beta-2-agonista de curta duração) por via inalatória ou via endovenosa. Pode ser repetido a cada 4 horas, a critério médico.

Salbutamol injetável (1 ampola de salbutamol 500 mcg/1 ml + 49 ml de água destilada  = concentração 10 mcg/ml): Infundir 15-20 µg/kg EV em BIC, em 15 minutos, velocidade máxima 50 mcg/minuto e dose máxima 500 mcg/dose).

- Considerar a indicação de bicarbonato de sódio, na dose de 1-2 mEq/Kg EV em BIC, em 15 minutos (diluir o bicarbonato de sódio 8,4% com AD na proporção 1:5 = bicarbonato iso-osmolar 1,4%). Indicado principalmente em casos de acidose.   (observação: 1 ml de bicarbonato 8,4% = 1 mEq).

  • Medidas de eliminação do K+:

- Furosemida 1-2 mg/Kg EV 6/6 horas a critério médico. 

- Resinas de troca (Sorcal ®) 0,5 a 1 g/Kg via oral ou retal de 4/4 horas (pouco eficiente na urgência). 

- Diálise.

Como exemplo, vejamos o caso de um pré escolar de 3 anos e 10 meses de idade, pesando 18 kg, apresentando quadro agudo de miosite viral complicada com raddomiólise, internado para monitorização da função renal, hidratação venosa e demais cuidados de suporte e de controle. Nos exames iniciais, além das outras alterações laboratoriais o paciente apresentou potássio sérico elevado (K+ = 7,7 mEq/L). O ECG apresentava alterações  compatíveis com hipercalemia. O paciente recebeu 10 ml de gluconato de cálcio diluídos em 50 ml de soro glicosado 5% por via endovenosa durante 15 minutos. Além disso, foi prescrito solução polarizante de glico-insulina em infusão EV em BIC durante 1 hora. Vamos acompanhar o preparo dessa solução:

Peso = 18 Kg

Glicose: 0,5 g/Kg (0,5 X 18 Kg) = 9

 

1 ui de insulina regular / 5 g de glicose

Então:

5 g de glicose ------- 100 ml de SG 5%

9 g de glicose ------- X 

X = 180 ml de SG 5%

5 g de glicose ----------- 1 ui de Insulina 

9 g de glicose ----------- X

   X = 1,8 unidades de insulina regular

   

Concluindo, o paciente irá receber 180 ml de SG 5% + 1,8 ui de insulina regular EV em BIC, durante 1 hora.

Hipocalemia

(Hipopotassemia)

A hipocalemia é a presença de níveis séricos diminuídos de potássio (abaixo de 3,5 mEq/L). Suas principais causas são:

  • Perda excessiva de potássio
    - Perdas renais: diuréticos de alça e tiazídicos, hiperaldosteronismo
    - Perdas extrarrenais: diarreia e vômitos

  • Desvio de K+ para o intracelular (insulina, atividade beta adrenérgica, alcalose)

  • Redução da ingestão ou da oferta

  • Induzida por medicamentos (aminoglicosídeos, anfotericina, diuréticos*...)

* Causa mais comum na UTI: uso de diuréticos
 

Quanto ao nível de gravidade, a hipocalemia pode ser considerada:​

Leve: 3 a 3,5 mEq/L 
Moderada: 2,5-3,0 mEq/L 
Grave: < 2,5 mEq/L

As manifestações cardiovasculares e neuromusculares são as mais críticas. A hipocalemia causa redução da excitabilidade neuromuscular ocasionando sintomas de fraqueza muscular, obstipação e íleo intestinal, hiporreflexia/arreflexia, paresias/paralisias. No sistema condutor cardíaco, a hipocalemia aumenta a excitabilidade de suas membranas, causando arritmias. As alterações no ECG mais frequentemente observadas:

  • Ondas T achatadas

  • Inversão de ondas T

  • Depressão do segmento S-T

  • Ondas U (V4 e V5)

  • Complexo QRS alargado

hipoK.png

Os exames laboratoriais visam avaliar a gravidade e a etiologia do quadro: Hemograma, gasometria, creatinina, ureia, renina, aldosterona, cortisol, 17-OH progesterona, eletrólitos séricos, sódio, cloro e potássio urinários.

O tratamento consiste em restaurar os níveis séricos de potássio com segurança. 

 

Nos casos leves (K+: 3,0 - 3,5 mEq/L), assintomáticos e sem repercussão no ECG, basta aumentar a oferta de K+ na dieta ou fazer a correção lenta por via oral com cloreto de potássio na forma de xarope 6% (KCl xarope 6%, 1 mL=0,8 mEq) ou comprimido (1cp = 8 mEq). Cálculo da dose: de 1-2 mEq/Kg/dia em 2 a 4 tomadas ao dia. Considerar a indicação de diuréticos poupadores de potássio (espironolactona).


Na hipocalemia moderada (K+: 2,5 - 3 mEq/L), aumentar a oferta oral de potássio para 2 a 4 mEq/Kg/dia ou aumentar a oferta parenteral no soro de manutenção para 40 mEq/L. Considerar correção rápida, conforme a gravidade.


Na hipocalemia grave (K+ < 2,5 mEq/L), sintomática, alterações no ECG ou ainda em cenários de risco, a oferta deverá ser parenteral com correção rápida EV em BIC, na dose de 0,25-0,5 mEq/Kg/h em 2-6 horas (dose máx. de 20 mEq), diluído em soro fisiológico. No cálculo dessa diluição, considerar a concentração máxima de potássio na solução de infusão endovenosa, conforme o tipo de acesso: veia periférica (40-60 mEq/L); acesso central (80-100 mEq/L).

Como exemplo, vejamos o caso de um lactente de 10 meses de idade, pesando 8 kg, portador de displasia broncopulmonar e hospitalizado devido a um quadro grave de bronquiolite viral aguda. Criança hidratada, recebendo hidratação venosa de manutenção, 50% da necessidade hídrica diária. Potássio sérico de 2,5 mEq/L e alterações compatíveis com hipocalemia em ECG.  Acesso venoso periférico. A equipe identifica o uso intensivo de salbutamol no tratamento, baixa ingesta de potássio e alcalose respiratória como prováveis causas da hipocalemia. Caso a equipe decida fazer a correção rápida  e supondo os seguintes parâmetros dessa correção: dose de 0,5 mEq/Kg/hora com programação de 4 horas de infusão, como seria o preparo e a infusão dessa solução? 

 

Então:

    Peso 8Kg x 0,5 mEq/kg/hora = 4 mEq/hora. Em 4 horas = 16 mEq de K+ 

Vamos calcular a solução de soro fisiológico com KCl 19,1% na concentração 60 mEq/L (concentração máxima de K+ em veia periférica):

1 mL KCl 19,1% ------- 2,5 mEq de K+

X --------------------------- 60 mEq de K+

X = 24 mL (volume de KCl 19,1% que corresponde a 60 mEq de K+)

 

Portanto, uma solução pronta de K+ na concentração de 60 mEq/L terá em 1 litro (1.000 mL): 976 ml de soro fisiológico + 24 mL de KCl 19,1%. Como regra geral, pode ser deduzido, em termos percentuais, que a solução padrão de 60 mEq/L de K+ deve conter:

- Soro fisiológico --------------- 97,6% do volume

- KCl 19,1% -----------------------   2,4% do volume

Pois bem, voltando ao caso, a meta é infundir 16 mEq de K+ em 4 horas:

Para o cálculo do volume dessa solução, basta aplicar uma regra de três simples:

60 mEq K+ ------------ 1.000 mL

16 mEq K+ ------------ X

X = 266,6 mL (esse será o volume da solução, a ser infundido em 4 horas). 

Sabendo o volume, podemos distribuir os percentuais (97,6% de SF e 2,4% de KCl 19,1%):

- Soro fisiológico ------------- 260,2 mL

- KCl 19,1% ---------------------     6,4 mL

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