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CRISES EPILÉPTICAS

Abordagem das crises epiléticas no pronto-atendimento pediátrico

As crises epilépticas da criança/adolescente são eventos relativamente frequentes nos seviços de urgência e emergência. Seu manejo deve ser de pleno domínio de pediatras que atuam em prontos-socorros. Eles devem estar familiarizados com suas diversas formas de apresentação, possíveis causas e o manejo adequado de cada caso. 

 

A epilepsia é considerada uma doença crônica em que o paciente apesenta um distúrbio cerebral caracterizado por uma predisposição contínua de gerar crises epilépticas ao longo do tempo, já tendo apresentado pelo menos duas crises (intervalo maior de 24 horas entre elas) não relacionadas a insultos agudos do sistema nervoso. A epilepsia também pode ser diagnosticada após uma primeira crise associada a uma disfunção cerebral que indique o aumento da probabilidade de crises futuras. Essa predisposição pode ser imaginada como uma tendência ocasionada pela redução patológica do limiar excitatório neuronal, quando comparada ao limiar de pessoas sem essa condição. É importante ressaltar que a epilepsia não afeta apenas o aspecto físico, mas também tem implicações neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. 

 

As crises epilépticas são eventos agudos paroxísticos transitórios do sistema nervoso central, caracterizados por sinais e/ou sintomas secundários a atividade neuronal cerebral anormal, excessiva e ou simultânea, que podem se manifestar de modos variados, incluindo convulsões* e outras disfunções motoras, modificações do comportamento, alterações da consciência, disfunção autonômica e sintomas sensoriais/sensitivos.

(*convulsões ou crises convulsivas são crises epilépticas com manifestações motoras).

As causas da epilepsia podem ser organizadas em seis grupos etiológicos: estrutural, genético, infeccioso, metabólico, imune, e um grupo idiopático, sendo possível que um paciente seja diagnosticado em mais de uma categoria etiológica.

 Grupos etiológicos da Epilepsia
 

  • Etiologia Estrutural

  • Etiologia Genética 

  • Etiologia Metabólica

  • Etiologia Infecciosa

  • Etiologia Imune

  • Etiologia desconhecida (Idiopática)

A classificação básica dos tipos de crises epilépticas foi revisada pela ILAE em 2017 e pode ser resumida no quadro a seguir:

Início Focal
Início Generalizado
Início Desconhecido
Perceptivas
Disperceptivas
Início Motor
Automatismos
Atônicas
Clônicas
Espasmos epilépticos
Hipercinéticas
Mioclônicas
Tônicas
Início Não Motor
Autonômicas
Parada comportamental
Cognitivas
Emocionais
Sensoriais
Tônico-clônicas
Clônicas
Tônicas
Mioclônicas
Mioclono-tônico-clônicas
Mioclono-atônicas
Atônicas
Espasmos epilépticos
Não Motoras (Ausências)
Típicas
Atípicas
Mioclônicas
Mioclonias palpebrais
Motoras
Tônico-clônicas
Espasmos epilépticos
Não Motoras
Parada comportamental
Não classificadas*
*Por informação inadequada ou na impossibilidade de se inserir nas outras categorias.
Focal para Tônico-clônica bilateral
Motoras

Automatismos: Atividade motora desordenada ou mais ou menos coordenada, que imitam um movimento voluntário (mais comumente oral ou manual) e podem consistir em uma continuação inapropriada da atividade motora que estava em curso antes do início da crise. Como exemplos, movimentos exploratórios com as mãos, movimentos de batidas repetidas ou imitando a preensão de objetos, flexão e extensão dos dedos, cruzar e descruzar as pernas, entre outros.

Crises Atônicas: Crise em que ocorre redução ou perda súbita do tônus muscular, em geral sem evento tônico ou mioclônico prévio, durando aproximadamente um a dois segundos, envolvendo a musculatura da cabeça, tronco, queixo ou membros. Sua expressão varia desde discreta queda da cabeça (como um aceno) até queda súbita ao solo.

Crises Clônicas: Abalos, simétricos ou assimétricos, que se repetem regularmente (ritmicos) a intervalos regulares de 0,2 a 5 vezes por segundo e envolvem os mesmos grupos musculares.

Espasmos Epilépticos: Movimentos agrupados e sustentados da musculatura axial, sendo caracterizados por movimentos axiais breves que duram de 0,2 a 2 segundos, em flexão ou extensão, sendo menos sustentados que as crises clônicas. Os espasmos em flexão consistem em flexão súbita do pescoço e dos quatro membros, com adução dos membros superiores semelhante ao movimento de um abraço. Os espasmos em extensão provocam estiramento abrupto do pescoço e dos membros inferiores, com extensão e abdução dos membros superiores simulando o reflexo de Moro.

Crises Hipercinéticas: Se caracteriza por fenômenos motores importantes e automatismos que afetam primariamente os segmentos proximais do corpo resultando em grandes movimentos, que parecem violentos. Manifestam-se predominantemente durante o sono, têm início abrupto e duração breve, ocorrem várias vezes na mesma noite e são extremamente estereotipadas.

Crises Mioclônicas: São contrações musculares breves, súbitas, semelhantes a choques. Mioclonia é menos regularmente repetitiva e menos sustentada que o clonus.

Crises Tônicas: São contrações musculares sustentadas estáticas, com duração de segundos a minutos. As crises tônicas podem ser muito breves, conscientes ou mais longas e inconscientes

Crises Autonômicas: Crises em que ocorre nítida alteração da função do sistema nervoso autonômico, envolvendo funções cardiovasculares, pupilares, gastrointestinais, sudomotoras, vasomotoras e/ou termorregulatórias. 

Parada Comportamental: Envolve a parada do movimento e arresponsividade, pausa das atividades, congelamento. 

Crises Cognitivas: São identificadas quando o paciente reporta ou exibe distorções da percepção, déficits de linguagem, alterações do pensamento ou outras funções corticais superiores (domínios cognitivos) durante a crise como por exemplo, déjà-vu, alucinações, ilusões, entre outras. 

Crises Emocionais: Crises emocionais envolvem ansiedade, medo, agitação, paranoia, prazer, alegria, êxtase, risos ou choro entre outras emoções.  Alguns deste fenômenos são subjetivos e precisam ser lembrados pelo paciente ou cuidador.

Crises Sensoriais: Produz sensações somatossensitivas, olfatórias, visuais, auditivas, gustatórias, sensação de quente e frio ou vestibulares.

Ausências Típicas: Crises com início e fim abruptos, envolvendo comprometimento de consciência, interrupção das atividades em curso, olhar vazio e possivelmente um breve desvio dos olhos para cima. Normalmente o paciente permanece arresponsivo. Duração de segundos a meio minuto com rápida recuperação. Podem ser acompanhadas por manifestações motoras muito discretas, como automatismos orais e manuais, piscamento, aumento ou diminuição do tônus muscular e sinais autonômicos. 

Ausências Atípicas: O início e o término são graduais e o comprometimento da consciência pode ser total ou parcial, assumindo a forma de estado confusional, com manutenção da atividade em curso de forma automática. Mioclonias faciais, principalmente periorais, podem acompanhar os episódios. A duração excede dez segundos e pode se prolongar por mais de 20 segundos. São frequentemente associadas à perda do tônus muscular. A hipotonia da musculatura facial, a boca mantém-se entreaberta com sialorreia pela incapacidade de deglutição. 

Mioclonias palpebrais: São abalos mioclônicos das pálpebras e desvio dos globos oculares para cima, frequentemente precipitados por fechamento ocular e pela luz, podendo se associar às crises de ausência.

Crises convulsivas 

As crises convulsivas (crises epilépticas com componente motor) são os eventos neurológicos mais frequente nas emergências pediátricas e, apesar da grande maioria apresentar resolução espontânea antes mesmo de chegar ao pronto socorro, os episódios que ultrapassam cinco minutos de duração, em geral tendem a persistir por pelo menos 20 a 30 minutos. As crises eilépticas tônico-clônicas generalizadas representam o tipo mais frequente de crise epiléptica atendida nos serviços de urgência e emergência. Sabe-se que a duração prolongada de uma crise aumenta o risco de lesões neurológicas e sistêmicas, como por exemplo, bronco aspiração, hipercapnia, hipóxia, acidose, arritmias cardíacas, rabdomiólise, entre outros.

Abordagem sistematizada

A abordagem inicial para uma criança que chega em convulsão na emergência deve ser rápida. Imediatamente acionar a equipe e posicioná-la na sala de emergência com o cuidado de preservar sua via aérea (posicionar a criança em decúbito lateral) e evitar que ela se machuque durante a convulsão (coloque algo macio sob sua cabeça e remova objetos ao redor, que possam representar perigo. Não restrinja os movimentos da criança durante a convulsão e evite colocar objetos em sua cavidade oral.

Após a impressão inicial e as medidas protetivas necessárias, solicitar o monitoramento multiparâmetro e proceder sequencialmente ao A-B-C-D-E, anamnese dirigida, exame físico e exames complementares. Em linhas gerais, o manejo inicial da crise convulsiva consiste na monitorização dos sinais vitais e da saturação de oxigênio, preservação da via aérea, oferta de oxigênio e obtenção de acesso venoso, para logo em seguida aplicar a medicação anticonvulsivante. 

  • A - Se houver algum grau de obstrução das vias aéreas superiores, melhorar o posicionamento da cabeça e do pescoço (leve extensão cervical e anteriorização da mandíbula) para liberar o fluxo aéreo. Se necessário, realizar aspiração do nariz e/ou cavidade oral/orofaringe (é comum o acúmulo de secreções e saliva na cavidade oral e orofaringe). 

  • B - Respiração: Avaliar frequência e ritmo respiratórios, verificar se há presença de esforço respiratório, fazer ausculta pulmonar e aferir a saturação de oxigênio. Administrar oxigênio por por catéter nasal ou máscara com o objetivo de manter a saturação acima de 94%.

  • C - Circulação: Avaliar frequência e ritmo cardíacos, bulhas, pulsos periféricos e centrais, tempo de enchimento capilar e pressão arterial. Inicialmente manter o acesso venoso com infusão lenta de solução salina isotônica (SF 0,9% ou RL).

  • D - Disfunção neurológica: Paciente convulsionando. Avaliar as pupilas. Lembrar de aferir a glicemia capilar. 

  • E - Exposição: Examinar com atenção toda sua superfície corporal. Lembrar de aferir a temperatura.

Anamnese dirigida 

S - Sinais e sintomas

  • Perguntar quando iniciou e quanto tempo durou a crise. Peça para descrever o episódio em detalhes: Perguntar se houve algum sinal ou sintoma premonitório antes da crise, se houve perda de consciência, contração tônica e ou desvio ocular. Saber se ocorreram abalos ritmicos e contrações musculares repetidas e curtas, grupos musculares envolvidos, presença de vômito, cianose, sialorreia, perda de controle esfincteriano. Se informar sobre o período pós ictal (duração e descrição).

A - Alergia?

M - Medicamentos em uso: se informar sobre quais os medicamentos o paciente usa, se já faz uso de medicação antiepiléptica, indicação, regularidade e doses.

P - Passado médico:

  • Presença de doença neurológica prévia? 

  • Já apresentou alguma outra crise epiléptica anteriormente? 

  • Existe história familiar de epilepsia? 

  • Nos casos em que a criança possui diagnóstico prévio de epilepsia, é fundamental saber se as crises estavam controladas ou se vinham recorrendo com frequência. Acompanhamento com neuropediatra, data da última avaliação e exames prévios.

  • Houve alguma intercorrência pré, peri ou pós-natal? 

  • Os marcos do desenvolvimento neuropsicomotor alcançados, são compatíveis com a idade? 

L - Última ingesta de líquidos e alimentos

E - Eventos que antecederam a crise:

  • O que a criança estava fazendo imediatamente antes da crise?

  • Sintomas premonitórios (aura)?

  • Há algum evento precipitante (gatilho)?

  • Apresentou febre em algum momento? Infecção recente? 

  • Intoxicação? 

  • Trauma? 

Exame físico

Na primeira parte da avaliação sistematizada, já se procedeu a uma avaliação clínica com obtenção de dados do exame físico (A-B-C-D-E = sistema respiratório, cardiovascular, neurológico e ectoscopia). Agora, com o paciente mais estável, é o momento de realizar o exame físico mais detalhado. Reforçando alguns aspectos específicos do exame físico da criança no período pós-ictal e após a recuperação da consciência:

  • Ectoscopia: Postura, atitude, presença de malformação congênita? Petéquias? Lesões herpéticas? Manchas na pele sugestivas de doença neurocutânea? :

  • Cabeça: Medida do perímetro cefálico, pesquisar abaulamento de fontanela nos lactentes, exame das pupilas e do fundo de olho, otoscopia. 

  • Exame Neurológico suscinto: Orientação no tempo e espaço, responsividade/interatividade, pares cranianos, tônus e força muscular nos quatro membros, reflexos tendinosos, coordenação e equilíbrio. Pesquisar sinais de irritação meníngea (rigidez de nuca, sinal de Kernig e sinal de Brudzinski) e sinais de hipertensão intracraniana.

Tratamento Farmacológico

Drogas de primeira linha:

Benzodiazepínicos (Midazolam ou Diazepam).

Podem ser aplicados duas ou três vezes, se necessário, com intervalo mínimo de cinco minutos entre as doses.

Midazolam

Apresentação: ampolas de 3 mL contendo 15 mg (5 mg/mL)

  • Dose: 0,1 a 0,3 mg/kg 

  • EV em 2-5 minutos (1 a 2 mg/minuto)

  • Puro ou diluído (com ABD ou NaCl 0,9%) na concentração de 1-5 mg/mL

  • (na ausência de acesso venoso, pode ser feito por via intranasal, sem diluir, metade do volume em cada narina, seguido de uma leve massagem externa nas narinas) 

- Diazepam

Apresentação: ampolas de 2 mL contendo 10 mg (5 mg/mL)

  • Dose: 0,2 a 0,5 mg/kg 

  • EV em 2-5 minutos ( 2 a 5 mg/minuto)

  • Não diluir

  • (na ausência de acesso venoso, pode ser feito por via retal).

Drogas de segunda linha:

Fenitoína e Fenobarbital

- Fenitoína

Apresentação: ampolas de 5 mL contendo 250 mg (50 mg/mL)

  • Dose (ataque): 20 mg/kg. Se necessário, podem ser aplicados mais 5 a 10 mg/kg com intervalos de pelo menos 15 minutos entre as doses

  • Infusão venosa em 20 a 30 minutos (1 mg/kg/minuto)

  • Diluir com SF 0,9% para concentração de 1 a 10 mg/mL

- Fenobarbital

Apresentação: ampolas de 2 mL contendo 200 mg (100 mg/mL)

  • Dose (ataque): 20 mg/kg. Se necessário, podem ser aplicados mais 5 a 10 mg/kg com intervalos de pelo menos 15 minutos entre as doses

  • Infusão venosa em 5 a 10 minutos (velocidade máxima: 30 mg/minuto)

  • Diluir com SF 0,9% para concentração de 10 mg/mL

Drogas de terceira linha

(paciente na UTI)

Midazolam em infusão contínua, Tiopental ou Pentobarbital

Midazolam (infusão contínua)

Apresentação: ampolas de 3 mL contendo 15 mg (5 mg/mL)

  • Dose: 0,1 mg/kg/hora (0,05 a 0,3 mg/kg/hora)

  • Puro ou diluído (com ABD ou NaCl 0,9%) na concentração de 1-5 mg/mL

 

Para calcular o volume de midazolam em mL, utilize a fórmula abaixo:

 

Peso (kg) x dose (mg) x tempo (horas)    

            apresentação (mg/mL)

 

Exemplo:

Criança de 14 kg (preparar medicação para infusão venosa em 24 horas: 

(14 x 0,1 x 24) / 5 = 6,7 mL de midazolam (= 33,6 mg de midazolam)

 Diluir com SF 0,9% para concentração de 1 a 5 mg/mL (para facilitar, arredondar o volume final para múltiplo de 24)

 6,7 mL de Midazolam + 17,3 mL de SF 0,9% (volume = 24 mL, concentração de 1,4 mg/mL)

Infundir EV em bomba de infusão contínua, em 24 horas, a 1 mL/hora

Avaliação Complementar

  • Sangue: Hemograma, glicemia, sódio, potássio, cálcio, magnésio, gasometria, enzimas hepáticas (TGO e TGP), amilase, ureia e creatinina.

  • Líquor: Se sinais ou suspeita de infecção do sistema nervoso central: somente após controle do evento epiléptico e estabilização completa do paciente.

  • Em casos específicos e/ou suspeita de quadro de intoxicação: exame toxicológico e nível sérico de medicamento antiepiléptico.

  • O exame de neuroimagem de caráter urgente (mas somente após a estabilização do paciente) é necessário diante da suspeita de lesão estrutural do sistema nervoso central, persistência de um estado mental alterado, anormalidade neurológica focal ou história de trauma craniano. A tomografia computadorizada é preferida em processos intracranianos agudos, sangramento ou trauma. A ressonância magnética é o exame de escolha para detecção de anormalidades parenquimatosas.

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