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FEBRE SEM SINAIS LOCALIZATÓRIOS

Conceitos iniciais

Febre

Febre é a elevação da temperatura corporal em resposta a um estímulo patológico, definida pela temperatura retal acima de 38ºC ou temperatura axilar acima de 37.6°C (há variadas interpretações na literatura quanto ao ponto de corte que define febre). A febre ocorre quando o organismo reajusta o "set-point" do centro termorregulador hipotalâmico, em resposta a pirógenos endógenos (interleucinas 1 e 6, TNF, interferon gama e outros) e exógenos (bactérias, vírus, fungos, toxinas etc). Como consequência há uma elevação da temperatura corporal por meio de mecanismos que aumentam a produção e conservação de calor e reduzem os mecanismos de dissipação do calor endógeno. 

Sabe-se que a febre é uma das queixas mais comuns em pediatria ambulatorial ou em serviços de pronto atendimento pediátrico. Na avaliação da criança febril, deve ser realizado um exame clínico detalhado e cuidadoso (anamnese e exame físico) em busca de um diagnóstico. Quando o exame clínico permite o diagnóstico, pode-se definir a conduta específica para cada caso. No entanto, nem sempre o exame clínico inicial consegue estabelecer o diagnóstico naquele momento. 

Observação:

No recém-nascido é importante diferenciar febre de hipertermia. A imaturidade do centro termorregulador do neonato pode fazer com que haja elevação da temperatura corporal devido ao excesso de agasalhos ou pela alta temperatura ambiental. Nesse caso, não há um estímulo patológico, portanto, não há febre. A hipertermia se resolve espontaneamente, bastando retirar o excesso de roupas ou reduzir a temperatura ambiental por meio de medidas físicas.

Os quadros febris, nos quais não é possível estabelecer um diagnóstico, constituem duas categorias:

  • Febre sem sinais localizatórios

  • Febre de origem indeterminada

 

Febre sem sinais localizatórios (FSSL)

 

O conceito de febre sem sinais localizatórios (FSSL) inclui os casos de febre com tempo de evolução menor ou igual a sete dias em que a anamnese detalhada e o exame físico completo não revelam sua causa. Nesses casos, em geral, a maioria das crianças (estima-se que mais de 90% das crianças febris) se encontra no período prodrômico de alguma doença infecciosa aguda benigna ou autolimitada (infecções virais comuns ou doenças bacterianas não invasivas). Entretanto, algumas delas (minoria) podem estar no início de um quadro infeccioso grave ou potencialmente grave (bacteremia, sepse, meningite, pneumonia, pielonefrite etc.). Estima-se que as infecções bacterianas graves, tais como meningite e sepse, ocorram em cerca de 1% dos casos, especialmente em neonatos e lactentes menores de três meses, nos quais a incidência pode chegar a ser até dez vezes maior. O desafio, portanto, é identificar, já na primeira consulta, as crianças com FSSL com maior risco para doença bacteriana grave.

Febre de origem indeterminada (FOI)

 

O conceito de febre de origem indeterminada (FOI) inclui os casos de doença febril com duração prolongada (superior a 14 dias), sem definição de foco ou diagnóstico após exame clínico (anamnese e exame físico detalhados e repetidos) e após a realização de exames complementares de rotina. A investigação de um paciente com febre de origem inderminada (FOI) inclui a realização de exames clínicos exaustivos, repetidos em momentos distintos, além da ampliação da investigação complementar, incluindo outros exames laboratoriais, de imagem, biópsias etc. O diagnóstico diferencial inclui três grupos de patologias: doenças infecciosas, doenças autominunes/reumatológicas e doenças oncológicas. A investigação diagnóstica deve ser conduzida em etapas sequenciais, seguindo princípios lógicos, que incluem aspectos epidemiológicos (iniciar investigando doenças mais frequentes e deixar por último as mais raras), relação risco benefício (iniciar com exames menos invasivos e deixar por último os exames mais invasivos ou de maior risco) e o fator custo (deixar os exames de alto custo para etapas posteriores, a não ser que haja evidências diagnósticas que justifiquem sua realização nas fases iniciais).

Febre sem sinais localizatórios (FSSL)

Vamos discutir aqui a febre sem sinais localizatórios (FSSL) que é uma condição muito frequente na clínica pediátrica. O diagnóstico diferencial da FSSL inclui um leque amplo de doenças, desde patologias benignas e autolimitadas como a maioria das infecções virais ou mesmo doenças bacterianas comuns não invasivas, até aquelas patologias de maior gravidade (bacteremia, sepse, pielonefrite, pneumonia, meningite etc.). Como já foi dito anteriormente, o grande desafio é identificar na primeira abordagem, as crianças com maior risco de cursar com uma doença bacteriana de maior gravidade.

Aspectos importantes no exame clínico da criança com FSSL

Na criança com FSSL, embora a causa da febre não seja definida pelo exame clínico, este pode contribuir, pelo menos para a identificação de indicadores relacionados com maior risco de gravidade. Merecem destaque os seguintes aspectos:

Dados do paciente

Idade, procedência (zona rural, áreas endêmicas etc.), idade gestacional ao nascer, complicações perinatais, estado nutricional, estado vacinal, doenças preexistentes, comorbidades, medicações em uso, e outros dados relevantes.


Características da febre

Data de início, duração, padrão (contínua, intermitente, remitente ou alternada), frequência, intensidade, curso da febre (se está aumentando ou diminuindo), resposta a antitérmicos, presença de calafrios ou sudorese, entre outros.

Sintomas associados

Alteração de comportamento (irritabilidade, sonolência, prostração etc), alteração do sono, alteração de apetite, perda de peso, sinais clínicos de toxemia, entre outros.

Exposição 

Contato com pessoas doentes, viagens recentes, frequência em creche ou escola, presença de animais domésticos

História familiar

Doenças hereditárias, imunodeficiências, doenças autoimunes, neoplasias
 

Condições socioeconômicas

Acesso a água potável e saneamento básico

Indicadores de risco

Alguns parâmetros podem ser indicadores de risco em crianças com febre sem sinais localizatórios. Entre eles, se destacam, a presença de sinais de toxemia na avaliação clínica, o estágio de desenvolvimento do sistema imunológico da criança e sua faixa etária, a intensidade da febre, a presença de comorbidades crônicas (incluindo condições imunossupressoras), antecedentes de prematuridade ou de internação em UTI neonatal, falhas no calendário vacinal, entre outros. 

Sinais de toxemia

Caracteriza-se pela redução da capacidade de interação e comunicação, hipoatividade, redução do nível de consciência, palidez, hipotonia, hipoperfusão periférica, taquicardia, entre outros. Os sinais de toxemia indicam um grave comprometimento sistêmico e necessidade de imediata intervenção e suporte de vida.

 

Desenvolvimento da imunidade e faixa etária

  • Recém-nascidos: O sistema imunológico no período neonatal é imaturo, basicamente constituído pela imunidade inata (barreiras físicas e secreções da pele e mucosas, macrófagos, células natural killer, citocinas, complemento e anticorpos maternos). Essa condição de imaturidade imunológica deixa os neonatos mais suscetíveis a infecções e maior risco de infecções mais graves.

  • Lactentes < 3 meses: O sistema imunológico se apresenta em um estágio inicial de desenvolvimento da imunidade adquirida, pela exposição e contato com o meio ambiente, algumas vacinas e aleitamento materno. Nessa faixa etária, o risco de infecção bacteriana aguda invasiva grave ainda é até dez vezes maior que em faixas etárias maiores.

  • Acima de 3 meses: O sistema imunológico vai progressivamente amadurecendo e se fortalecendo, graças ao desenvolvimento da imunidade adquirida humoral e celular.

 

Intensidade da febre

A intensidade da febre não é um bom indicador de gravidade, mas, de um modo geral, sabe-se que o risco de bacteremia é maior em quadros de temperatura mais alta (acima de 39.4°), principalmente se acomanhada de tremores e calafrios. Mas não há consenso sobre um ponto de corte que garanta sensibilidade e espeficidade com valores preditivos razoáveis.

 

Antecedentes

  • Prematuridade e histórico de internação em UTI neonatal: O nascimento prematuro pode comprometer a imunidade da criança ao longo da vida em diversos aspectos, mas a extensão desse comprometimento varia de acordo com o grau de prematuridade e de outros fatores tais como, o peso ao nascer, o estado nutricional, a presença de infecções gestacionais ou neonatais graves, entre outros.

  • Comorbidades: A existência de doenças crônicas, doenças que comprometem o estado nutricional ou o desenvolvimento da imunidade da criança, aumentam o risco de evolução desfavorável de crianças com FSSL.

  • Calendário vacinal incompleto: Da mesma forma, falhas no calendário vacinal também deixam a criança desprotegida em relação ao agente patogênico defendido por aquele imunizante específico. 

 

Exames complementares

Em alguns casos, durante a investigação de pacientes com FSSL, determinados exames laboratoriais, podem auxiliar na avaliação de risco. O leucograma e provas de fase aguda (proteína C reativa, hemossedimentação, procalcitonina) contribuem nessa tarefa.

  • Hemograma: São sugestivos de alto risco, a leucometria global acima de 15.000/mm3 ou inferior a 5.000/mm3; Neutrófilos segmentados acima de 10.000/mm3; Neutrófilos jovens (bastonetes e outros) acima de 1.500/mm3. 

Provas inflamatórias ou de fase aguda: As provas de fase aguda de inflamação, incluindo a proteína C reativa (PCR), a velocidade de hemssedimentação (VHS) e a procalcitonina (PCT) não são específicas para o diagnóstico de doenças bacterianas agudas, mas, na presença de outros sinais e sintomas sugestivos, podem contribuir como indicadores complementares.

  • Procalcitonina: Os valores de procalcitonina (PCT) acima de 2 ng/mL indicam alto risco de doença bacteriana aguda grave e choque séptico. Entre 0,5 e 2 ng/mL, risco moderado de progressão para sepse. Abaixo de 0,5 ng/mL, baixo risco de infecção bacteriana grave.

  • Proteína C reativa: Valores acima de 40 mg/L ou 4 mg/dL juntamente com outros critérios para infecção bacteriana, são fortemente sugestivos. 

  • VHS acima de 30 mm/h dentro de contexto infeccioso, pode sugerir infecção bacteriana aguda.

Além desses exames que são indicadores de risco em crianças com FSSL, outros exames podem auxiliar na investigação da causa da febre, incluindo o exame de urina (EAS, bacterioscopia pelo gram e cultura), hemocultura, exame do líquor, radiografia de tórax, entre outros. Há de se estabelecer, no entanto, critérios racionais que permitam a indicação desses exames em situações específicas. A definição dessas situações deve se basear num escalonamento de risco. Existem protocolos e fluxogramas que auxiliam no manejo desses pacientes.

Critérios de Rochester para identificação de baixo risco de infecção bacteriana grave em lactentes jovens com FSSL:

FSSL2.png

Para encerrar, resolva a seguinte questão sobre FSSL:

Lactente com 4 meses, sexo feminino, trazida por sua mãe ao pronto atendimento pediátrico, com história de febre há cerca de 48 horas, três episódios no dia de hoje, vem elevando a intensidade da febre a cada episódio. Apresentou pico máximo de 38.8°C há cerca de duas horas, medicada com dipirona. Aleitamento materno exclusivo, mamando bem. Eliminações fisiológicas, sono regular. Mantendo comportamento habitual nos períodos afebris. Ausência de outros sinais ou sintomas. História gestacional sem intercorrências, nascimento à termo, peso adequado para a idade gestacional. Triagem neonatal sem anormalidades. Ao exame físico, afebril no momento, bom estado geral, ativa, normocorada, hidratada e ausência de alterações no restante do exame físico.

 

Qual a conduta mais adequada para esse caso?

 

a. Liberar a criança para casa com prescrição de antitérmico e amoxicilina + clavulanato na dose 50 mg/kg/dia e acompanhar sua evolução ambulatorialmente.

b. Liberar a criança para casa com prescrição de antitérmico, orientar sobre aspectos clínicos a serem observados em casa e acompanhar a evolução ambulatorialmente.

c. Manter a criança em observação no pronto atendimento e solicitar hemograma, PCR, EAS e bacterioscopia da urina e radiografia de tórax para tomada de decisão.

d. Solicitar transferência imediata da criança para a enfermaria de um hospital de referência para investigação e tratamento.

Paracetamol 

Apresentação: solução (gotas) 200 mg/mL (cada gota tem aproximadamente 13 a 14 mg); comprimidos 500 mg

Calcular a dose: 10 a 15 mg/kg/dose

Posologia: A dose pode ser repetida a cada 4 a 6 horas em caso de dor ou febre.

Dipirona

Apresentação: solução (gotas) 500 mg/mL (cada gota tem 25 mg); comprimidos 500 mg

Calcular a dose: 15 a 20 mg/kg/dose

Posologia: A dose pode ser repetida a cada 6 horas em caso de dor ou febre.

Ibuprofeno

Apresentação: solução (gotas) 50 ou 100 mg/mL (cada mL tem 10 gotas); comprimidos 400 mg

Calcular a dose: 5 a 10 mg/kg/dose

Posologia: A dose pode ser repetida a cada 6 horas em caso de dor ou febre.

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