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MENINGITES EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Introdução

A meningite é um processo inflamatório que acomete as meninges (dura-máter, aracnoide, pia-máter) e o líquido cefalorraquidiano (LCR), configurando uma emergência médica devido à possibilidade de evolução rápida, elevada mortalidade e risco de sequelas neurológicas permanentes. Diversos microrganismos podem causá-la, destacando-se bactérias e vírus.  A meningite bacteriana aguda é particularmente grave, respondendo por alta morbimortalidade infantil. Sua incidência e mortalidade vêm diminuindo graças à vacinação, ao início precoce de antibioticoterapia e ao uso de terapias adjuvantes. Dados da Organização Pan-Americana da Saúde/OMS, publicados recentemente em Diretrizes do Ministério da Saúde para enfrentamento das meningites, estimam, mundialmente, 1,2 milhão de casos anuais de meningite bacteriana em menores de 5 anos, resultando em cerca de 180 mil óbitos. Dados do SINAN publicados em 2025, mostram que no Brasil, entre 2014 e 2024, foram registrados 245.791 casos suspeitos de meningite, sendo 156.974 confirmados (63,9%); na população de 0 a 14 anos foram 124.165 notificações, com 79.539 confirmações (64,1%). Entre crianças de 0 a 9 anos (2020–2024), a etiologia mais frequente foi a viral (54,0%), seguida pela bacteriana (15,6%), configurando a meningite viral como forma predominante no país. É importante ressaltar que a região Norte apresenta um perfil epidemiológico mais grave que o restante do país, com letalidade muito elevada (13,46%, chegando a 18,5% no Pará) e predominância de meningite bacteriana, ao contrário do padrão nacional de maior frequência viral. Esse cenário está associado a condições sanitárias precárias, subnotificação em áreas remotas e cobertura vacinal abaixo da meta.

De acordo com a extensão da inflamação, a doença pode se encontrar somente nas meninges ou envolver também o sistema nervoso central:

  • Meningite: Inflamação restrita às membranas meníngeas.

  • Meningoencefalite: Casos mais complexos que envolvem também o parênquima cerebral, além das meninges e é mais comum na etiologia viral

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Classificação Etiológica

As meningites podem ser causadas por agentes infecciosos (bactérias, vírus, fungos e parasitas) ou, menos frequentemente, por causas não infecciosas. A etiologia influencia o quadro clínico, a gravidade e a abordagem terapêutica.

Meningites Bacterianas

São as formas de maior gravidade e morbimortalidade. A prevalência dos agentes etiológicos varia conforme faixa etária, estado imunitário, condições clínicas e cenário epidemiológico.

- Principais agentes no Brasil e no mundo:

  • Streptococcus pneumoniae (pneumococo): Principal causa de meningite bacteriana nas Américas e agente frequente em quadros graves.

  • Neisseria meningitidis (meningococo): Segunda causa de meningite bacteriana e principal agente associado a surtos epidêmicos e quadros graves de meningococcemia.

  • Haemophilus influenzae tipo b (Hib): Sua incidência reduziu drasticamente após a vacinação específica.

- Agentes por faixa etária e situação clínica

  • Neonatos: Streptococcus agalactiae (EGB), Escherichia coli e outras enterobactérias, Listeria monocytogenes.

  • Lactentes, e pré-escolares e escolares: S. pneumoniae e N. meningitidis são os agentes predominantes.

  • Imunocomprometidos: S. pneumoniae, N. meningitidis, Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus, Salmonella spp. e outros bacilos Gram-negativos.

  • Pós-neurocirurgia ou trauma craniano: Estafilococos (S. aureus e coagulase-negativos) e bacilos Gram-negativos aeróbios (ex.: Pseudomonas aeruginosa).

Meningites Virais

São as formas mais comuns em âmbito nacional e tendem a apresentar evolução clínica menos grave em comparação às meningites bacterianas.

- Principais agentes:

  • Enterovírus (responsáveis por cerca de 85% dos casos das meningites virais): Poliovírus, Echovírus e Coxsackievírus A e B.

  • Outros vírus: Herpes simplex tipos 1 e 2 (HSV-1, HSV-2), varicela-zoster (VZV), vírus do sarampo, vírus da caxumba, arbovírus. Epstein-barr, citomegalovírus.

​- Vírus associados à maior gravidade:

Herpesvírus (HSV-1, HSV-2, VZV) apresentam maior potencial de gravidade.

Meningites Fúngicas

Acometem principalmente imunossuprimidos, mas podem ocorrer em indivíduos hígidos dependendo do agente.

- Principais fungos:

  • Cryptococcus spp.:

    • C. neoformans: oportunista, predominante em imunocomprometidos.

    • C. gattii: afeta preferencialmente crianças e jovens imunocompetentes.

  • Outros fungos: Candida albicans, Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis.

Meningites Parasitárias

Mais raras, porém clinicamente relevantes em áreas endêmicas ou populações vulneráveis.

Principais agentes:

  • Protozoários: Toxoplasma gondii, Trypanosoma cruzi, Plasmodium sp.

  • Helmintos: Taenia solium (cisticercose – forma larvária).

 

Etiologias Não Infecciosas

Incluem causas autoimunes, inflamatórias, químicas ou associadas a medicamentos, embora menos prevalentes.

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Nota técnica Sociedade Brasileira de Imunizações (16 de agosto de 2025)

Meningites Bacterianas

Agentes Etiológicos mais frequentes

- Streptococcus pneumoniae (pneumococo)

 

O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é um diplococo gram-positivo, aeróbico, envolto por uma cápsula polissacarídica que representa seu principal fator de virulência. A partir das características antigênicas dessa cápsula, a espécie é classificada em mais de 100 sorotipos, dos quais vários apresentam maior relevância clínica pela sua capacidade de causar doença pneumocócica invasiva. Entre os sorotipos associados a formas invasivas (incluindo meningite), destacam-se: 3, 6A, 6B, 14, 19A, 19F e 23F.

 

No Brasil, após a introdução da vacina pneumocócica conjugada 10-valente (PCV10) no Programa Nacional de Imunizações (em 2010), observou-se mudança importante no perfil epidemiológico: sorotipos previamente prevalentes, como 14, 19F e 6B, apresentaram acentuada redução, enquanto sorotipos não incluídos na PCV10 passaram a circular com maior frequência, especialmente 19A, 3 e 6C. Atualmente, esses sorotipos figuram entre os principais responsáveis por doença pneumocócica invasiva, incluindo bacteremia, pneumonia grave e meningite. As vacinas conjugadas de valência ampliada — PCV13, PCV15 e PCV20 — incluem os sorotipos 19A e 3, embora a resposta imune ao sorotipo 3 seja reconhecidamente menor devido à sua baixa imunogenicidade intrínseca. Já o sorotipo 6C não é contemplado diretamente por nenhuma dessas formulações,contudo, as vacinas que incluem o sorotipo 6A (PCV13, PCV15 e PCV20) conferem proteção cruzada contra o sorotipo 6C, contribuindo para reduzir sua circulação e impacto clínico (ver Vacinação).

- Neisseria meningitidis (meningococo)

 

O meningococo é um diplococo gram-negativo, aeróbico, com cápsula polissacarídica, sendo classificado em 12 sorogrupos, dos quais, cinco (A, B, C, Y, W-135) têm maior importância clínica. No Brasil, o sorogrupo C foi historicamente o principal causador de doença invasiva, embora esse cenário venha mudando mais recentemente.

 

A doença meningocócica, causada pela Neisseria meningitidis, permanece como uma das enfermidades bacterianas mais graves no Brasil, sendo o segundo agente mais frequente de meningite bacteriana no país. Trata-se de uma doença de alta letalidade  e com elevada taxa de sequelas entre sobreviventes. A transmissão ocorre por secreções respiratórias, e as vacinas constituem a forma mais eficaz de prevenção.

Em Nota Técnica publicada esse ano, o Ministério da Saúde, por meio de dados do SINAN, informa que entre 2010 e 2025, foram registrados no Brasil 21.030 casos de doença meningocócica, cerca de 25% das meningites bacterianas notificadas no período. Após a introdução da vacina meningocócica C conjugada (MenC) no PNI em 2010, observou-se queda expressiva dos casos, atingindo redução de aproximadamente 50% em 2019. O perfil dos sorogrupos mudou ao longo do tempo. Embora o sorogrupo C tenha predominado desde o início dos anos 2000, registrou-se aumento do sorogrupo W entre 2017 e 2018 no Sul do país. Mais recentemente, desde 2021, destaca-se a ascensão do sorogrupo B, responsável por um surto grave em Alagoas em 2023, com letalidade de 40–50%. Em 2024, o sorogrupo B passou a representar cerca de 60% dos casos, com maior incidência em crianças menores de 5 anos. O Brasil dispõe de quatro vacinas meningocócicas. Todas se mostram seguras, imunogênicas e eficazes para os sorogrupos contemplados (ver Vacinação).

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- Haemofilus influenzae

 

O Haemophilus influenzae tipo b (Hib) é um cocobacilo gram-negativo, pleomórfico, não móvel e capsulado, cuja cápsula polissacarídica do tipo PRP (polirribosil-ribitol-fosfato) constitui seu principal fator de virulência. Historicamente, o Hib foi uma das principais causas de meningite e outras doenças invasivas em crianças menores de 5 anos, apresentando alta mortalidade e risco significativo de sequelas neurológicas. Até o início da década de 1990, o Hib era responsável por milhares de casos anuais no Brasil e no mundo. Com a introdução da vacina conjugada Hib no Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 1999, houve queda abrupta e sustentada da doença invasiva, reduzindo em mais de 90% a incidência de meningite por Hib e praticamente eliminando surtos relacionados ao sorotipo b. Nas últimas décadas, a epidemiologia nacional passou a ser marcada por casos esporádicos, sendo que outras cepas não tipáveis de H. influenzae têm ganhado proporção relativa maior, enquanto a circulação do Hib permanece extremamente baixa graças à alta efetividade da vacinação.

Fisiopatogenia

A meningite bacteriana resulta de uma sequência de eventos que se inicia nas vias aéreas superiores e culmina em inflamação intensa das meninges e comprometimento do sistema nervoso central.

 

Colonização e invasão das vias aéreas superiores

Bactérias frequentes na infância, como Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae b, colonizam a nasofaringe. Para atravessar a mucosa, utilizam mecanismos como:

  • adesão ao epitélio respiratório;

  • lesão das barreiras mucosas (facilitada por infecções virais concomitantes);

  • escape da imunidade local, principalmente graças à cápsula polissacarídica, que reduz a fagocitose.

 

Bacteremia e disseminação hematogênica

Após ultrapassar a mucosa respiratória, o patógeno alcança a corrente sanguínea, onde replica-se rapidamente e evita a a ação do sistema complemento/fagócitos. A bacteremia é o passo decisivo para permitir que a bactéria alcance o SNC. As bactérias chegam aos plexos coroides e ao endotélio dos vasos cerebrais, onde promovem:

  • adesão às células endoteliais;

  • lesão dessas células;

  • aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica.

Nesse processo, são iberados componentes bacterianos (toxinas, peptidoglicanos, LPS/LOS) que ativam intensamente a resposta inflamatória. A detecção dos componentes bacterianos desencadeia resposta inflamatória exuberante, caracterizada por:

  • liberação de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-1β, IL-6);

  • recrutamento de grandes quantidades de neutrófilos;

  • formação de exsudato purulento meníngeo;

  • aumento adicional da permeabilidade vascular. As citocinas causam lesões nas junções endoteliais, permitindo extravasamento de fluidos e proteínas para o espaço subaracnoide e agravando o edema.

Com isso, conseguem penetrar no espaço subaracnoide, local de baixa vigilância imunológica. No líquor, pobre em anticorpos e complemento, as bactérias se multiplicam livremente.

Edema cerebral, hipertensão intracraniana e lesões secundárias

Todo o processo ocasiona edema cerebral por diferentes mecanismos:

  • vasogênico –  lesão de vasos sanguíneos cerebrais (vasculite) e consequente ruptura da barreira hematoencefálica;

  • citotóxico – por dano direto a neurônios e células da glia;

  • intersticial – devido à obstrução do fluxo do líquor, podendo gerar hidrocefalia.

 

Esses mecanismos resultam em aumento da pressão intracraniana (PIC), redução da perfusão cerebral e isquemia, risco de convulsões e herniações. A inflamação pode ainda provocar tromboflebite e lesão de nervos cranianos, destacando-se o VIII par, cuja injúria pode causar perda auditiva.

fisiopatologia da meningite bacteriana_e

Quadro Clínico 

​As meningites bacterianas pediátricas apresentam etiologias diversas, e seu quadro clínico varia conforme a faixa etária, a velocidade de evolução (aguda ou fulminante) e a gravidade da infecção. De modo geral, as manifestações são bastante semelhantes entre as meningites causadas por Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae tipo b.


Neonatos e Lactentes

Nessa faixa etária, o quadro costuma ser inespecífico, tornando o diagnóstico mais desafiador, especialmente no período neonatal. Nos neonatos a febre pode estar ausente, ou pode ocorrer hipotermia. Sucção débil, apatia, hipoatividade, alternando com irritabilidade, cianose, respiração irregular. Pode surgir ou agravar o quadro de icterícia. Convulsões são comuns. Nos lactentes, geralmente não ocorrem os sinais clássicos de irritação meníngea. O sinal de alerta principal é o abaulamento ou aumento da tensão da fontanela, associado a febre, vômitos e irritabilidade. Outros sinais: gemência, letargia, hipoatividade, inapetência, diarreia e dificuldade respiratória.

 

Crianças Maiores e Adolescentes

Os sintomas iniciais podem ser inespecíficos: febre, calafrios, mal-estar, mialgia, prostração. A tríade clássica é o conjunto de febre, cefaleia e vômitos. Em geral há alteração do nível de consciência, fotofobia e rigidez de nuca. Os sinais clássicos de irritação meníngea - Brudzinsky, Kernig e Lasegue (ver Exame Neurológico), estão presentes na maioria dos casos nessas faixas etárias (mas sua ausência não exclui a hipótese de meningite). Também podem apresentar convulsões. Sinais de hipertensão intracraniana podem surgir em apresentações graves e se caracterizam por cefaleia intensa, vômitos em jato, diplopia, estrabismo, confusão mental, agitação, coma. A tríade de Cushing em casos extremos inclui hipertensão arterial, bradicardia e irregularidade respiratória (sinal tardio e grave).

Nas formas graves da doença meningocócica (Neisseria meningitidis), podem surgir manifestações cutâneas caracterizadas por exantema maculopapular, petequial ou purpúrico. Petéquias estão presentes em mais de 50% dos casos, especialmente no tronco e nos membros inferiores. Nos quadros de meningococcemia fulminante, a evolução é rápida, podendo levar a choque e óbito em poucas horas.

Diagnóstico

O diagnóstico deve ser rápido, integrando avaliação clínica, análise laboratorial e, quando indicado, exames de imagem. Atrasos no início da antibioticoterapia aumentam o risco de evolução desfavorável, com sequelas neurológicas/neurossensoriais e óbito.

 

Diagnóstico Clínico

A suspeita clínica baseia-se em sinais e sintomas descritos anteriormente. O exame físico deve procurar identificar petéquias e investigar sinais de irritação meníngea, embora sua ausência não exclua meningite bacteriana. A existência de outros sinais neurológicos, como estrabismo, diplopia, alterações motoras focais (hemiparesias, afasia, ataxias entre outros) sugerem o envolvimento encefálico (encefalite). Nesse caso, o quadro é de meningoencefalite.

 

Diagnóstico Laboratorial
 

Punção Lombar e Análise do Líquor 

A punção lombar para coleta de amostra do líquor, deve ser realizada imediatamente, se não houver contraindicações: 

  • Suspeita de hipertensão intracraniana grave

  • Infecção no local 

  • Coagulopatia ou plaquetas < 50.000

  • Rebaixamento grave do nível de consciência ou crise focal (necessita avaliação de imagem prévia)

 

Exames solicitados no líquor:

  • Exame quimiocitológico: células, glicose, proteínas, lactato.

  • Bacterioscopia (Gram): identifica morfologia bacteriana (sensibilidade até 80%).

  • Latex (teste de aglutinação para identificação de bactérias específicas)

  • Cultura: padrão ouro para diagnóstico etiológico.

A tabela abaixo resume os principais resultados do exame do líquor nas meningites, em função de sua etiologia.

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A presença de hemácias no líquor (LCR), resultante de um sangramento traumático durante a punção lombar, requer uma correção na contagem de leucócitos. Para uma interpretação precisa, desconte 1 leucócito para cada 1000 hemácias encontradas na amostra.

Reação de cadeia de polimerase em tempo real (RT-PCR) no líquor: exame de alta sensibilidade capaz de detectar DNA de meningococo, pneumococo e Hemofilus influenzae B. Útil quando já houve antibioticoterapia.

 

Outros exames laboratoriais

Hemograma (leucocitose ou leucopenia/plaquetopenia nas formas graves), PCR (proteína C reativa), VHS, eletrólitos, lactato, coagulograma, TGO/TGP, ureia, creatinina.

Hemocultura: recomendada em todos os casos.

Exames de Imagem

Os exames de imagem não devem atrasar a antibioticoterapia e não são realizados rotineiramente. Indicações de tomografia ou ressonância magnética:

  • Suspeita de hipertensão intracraniana grave

  • Coma ou rebaixamento importante

  • Convulsão focal

  • Déficits neurológicos focais

  • Suspeita de complicações: edema cerebral, empiema subdural, cerebrite, abscesso, hidrocefalia, trombose de seio venoso

Tratamento

O tratamento das meningites bacterianas deve ser iniciado o mais precocemente possível, idealmente na primeira hora da admissão, devido à rápida evolução e alta letalidade da doença. A antibioticoterapia empírica não deve ser adiada, mesmo quando a punção lombar estiver contraindicada. A coleta de sangue para hemocultura deve preceder o início dos antibióticos sempre que possível.

 

Manejo Inicial e Suporte Clínico

O atendimento imediato segue os princípios da abordagem sistemática da criança grave, com foco em estabilização clínica e neuroproteção.

 

Prioridades iniciais

- Monitoramento amplo, acesso venoso.

- Manter vias aéreas pérvias, oxigenação e ventilação.

- Tratamento do choque, especialmente nas meningococcemias:

  • Expansão volêmica com cristaloides (20 mL/kg).

  • Drogas vasoativas conforme perfusão.

  • Ventilação mecânica, se necessário.

- Tratamento do aumento da pressão intracraniana (HIC):

  • Elevação da cabeceira (15–30°)

  • Cabeça em posição neutra

  • Restrição hídrica (80–100 mL/kg/dia) quando apropriado

  • Furosemida (1 mg/kg) em casos de edema

  • Manitol (0,5 a 2 g/kg) ou solução salina hipertônica (3%, 5 mL/kg)

  • Hiperventilação controlada (PaCO₂ 30–35 mmHg)

  • Drenagem liquórica ou barbitúricos em casos refratários

- Crises convulsivas devem ser tratadas com benzodiazepínicos; em neonatos, preferir fenobarbital.

 

Antibioticoterapia Empírica

Deve ser iniciada imediatamente e direcionada conforme idade, prevalência etiológica e perfil de resistência local. As cefalosporinas de terceira geração são a base da terapia empírica em lactentes e crianças.

 

Esquemas Empíricos por Faixa Etária
 

Neonatos e lactentes abaixo de 3 meses de idade

Agentes prováveis: Streptococcus do grupo B, E. coli K1, Listeria monocytogenes.
1ª escolha: Ampicilina + Cefotaxima (ou Ceftriaxona*)
Alternativa: Ampicilina + Gentamicina (ou Amicacina)
(*A ceftriaxona deve ser evitada no período neonatal devido à competição com bilirrubina).

Idade de 3 meses a 18 anos (lactentes, crianças e adolescentes)

Agentes prováveis: N. meningitidis, S. pneumoniae.
1ª escolha: Ceftriaxona ou Cefotaxima
Adicionar Vancomicina conforme padrão local de resistência do pneumococo.
Alternativa: Ampicilina + Sulbactam

Situações Especiais de Risco
Traumatismo craniano, pós-operatório de neurocirurgia ou shunt ventrículo-peritoneal

1ª escolha: Cefepime + Vancomicina
Alternativa: Ceftazidima + Vancomicina

 

Tratamento Específico (Após Diagnóstico Etiológico)

A tabela abaixo resume os esquemas antimicrobianos específicos, de acordo com a etiologia já definida laboratorialmente e indica o tempo de tratamento para cada agente.

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Corticoterapia (Dexametasona)

 

A dexametasona reduz consistentemente a perda auditiva grave e alguns déficits neurológicos em crianças, quando iniciada antes ou concomitante à primeira dose de antibiótico, especialmente em meningites causadas por Haemophilus influenzae e pneumococo. Evidências diferem entre países de alta e baixa renda. O momento da administração e o tipo de patógeno são determinantes.

Dose: 0,15 mg/kg/dose (máx. 10 mg), IV, a cada 6 h por 2 a 4 dias.

Momento: 10–20 minutos antes da primeira dose de antibiótico.

Profilaxia 

Vacinação

É medida essencial de prevenção. Vacinas contra pneumococos, meningococos e contra o Haemofilus inflenzae (ver vacinas). A quimioprofilaxia pós exposição não substitui a vacinação. 

 

Quimioprofilaxia Pós-Exposição
Rifampicina, ciprofloxacino oral dose única ou ceftriaxona parenteral dose única são as opções comprovadas para quimioprofilaxia de contatos de casos de meningite meningocócica e por H. influenzae tipo b, com esquemas posológicos bem estabelecidos.

- Doença Meningocócica
Droga de escolha: Rifampicina (Adultos: 600 mg VO 12/12 h por 2 dias e crianças: 10 mg/kg VO 12/12 h por 2 dias)
Alternativas: Ceftriaxona IM (dose única: 250 mg adulto / 125 mg criança) ou Ciprofloxacino 500 mg VO dose única, somente em adolescentes.

- Meningite por H. influenzae tipo b
Indicar quando houver crianças <4 anos não vacinadas ou com esquema incompleto no domicílio. Somente a Rifampicina está 
Rifampicina: (Adultos: 600 mg/dia e crianças: 20 mg/kg/dia por 4 dias)

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Complicações e Sequelas

As meningites bacterianas em crianças estão associadas a um risco significativo de complicações neurológicas e sequelas de longo prazo, incluindo déficits cognitivos, comportamentais e intelectuais. Outros desfechos comuns incluem perda auditiva, déficits motores e/ou sensoriais, atraso no desenvolvimento da fala, epilepsia e hidrocefalia. A perda auditiva, especialmente do tipo sensorineural, é uma das sequelas mais bem documentadas e pode ocorrer mesmo em casos tratados adequadamente, o que reforça a necessidade de avaliação auditiva sistemática após a alta. 

A meningite pneumocócica é a que apresenta maior taxa de sequelas entre as meningites bacterianas na infância. Estudos mostram que até 50% das crianças podem evoluir com algum déficit neurológico. As sequelas mais frequentes incluem:

  • Perda auditiva sensorioneural (a mais comum, podendo ser permanente e grave)

  • Déficits cognitivos e de aprendizagem

  • Convulsões crônicas/epilepsia pós-meningite

  • Paralisias de nervos cranianos

  • Hidrocefalia, encefalopatia e deficits motores

O pneumococo é historicamente o patógeno com maior risco de mortalidade e dano cerebral estrutural.

A meningite meningocócica, apesar de ser frequentemente mais aguda e fulminante, tende a deixar menor proporção de sequelas neurológicas quando comparada ao pneumococo. Contudo, pode produzir complicações sistêmicas graves devido à sepse (meningococcemia). As principais sequelas incluem:

  • Perda auditiva (menos frequente que no pneumococo)

  • Déficits cognitivos leves a moderados

  • Epilepsia (menos comum)

  • Amputações, necrose cutânea e sequelas ortopédicas decorrentes de púrpura fulminante e coagulação intravascular disseminada (meningococcemia)

  • Cicatrizes extensas por isquemia e vasculite

A mortalidade ocorre sobretudo nos quadros de choque séptico.

A meningite causada por Haemofilus influenzae, antes da vacinação, era uma das principais causas de meningite e sequelas graves na infância. Após a introdução da vacina conjugada, sua incidência caiu drasticamente, mas as complicações clássicas permanecem bem documentadas:

  • Perda auditiva permanete

  • Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor

  • Convulsões e epilepsia

  • Déficits motores e cognitivos

  • Complicações supurativas (empiema subdural, celulite orbitária, artrite séptica) foram mais comuns historicamente.

Embora a mortalidade seja menor que a do pneumococo, as sequelas auditivas podem ser significativas.

Meningoencefalites Virais

Agentes Etiológicos mais frequentes

As meningoencefalites virais em crianças são causadas sobretudo por três grupos de vírus: enterovírus, herpesvírus e arbovírus. A frequência de cada um varia conforme a região, a idade da criança e a cobertura vacinal. No Brasil, os enterovírus são os mais comuns. Já o grupo dos herpesvírus, como o HSV 1 e 2, o vírus da varicela (VZV) e o HHV-6 (vírus do exantema súbito) estão associados com casos mais graves. Os arbovírus, como o vírus da dengue, ganham destaque em áreas onde esses vetores circulam mais. Outros vírus menos frequentes incluem o parechovírus e o adenovírus, que eventualmente podem acometer lactentes jovens. Como a circulação dos vírus muda muito de um lugar para outro, é fundamental acompanhar a situação epidemiológica local. 

Resumindo:

  • Enterovírus (Poliovírus, Coxsakie vírus, Echovírus): Representam cerca de 85% dos casos de meningoencefalites pediátricas virais. 

  • Herpesvírus (HSV 1 E 2): A incidência de meningoencefalite herpética varia de 1 em 64.000, em neonatos até 1 em 230.000 em crianças mais velhas. Seu quadro é sempre mais grave, com risco elevado de sequelas.

  • Arbovírus (Dengue e outros)

  • Vírus da Varicela (VZV)

  • Outros: Vírus do sarampo, vírus da caxumba, Epstein-barr, citomegalovírus, HH-6 (vírus do exantema súbito), adenovírus, parechovírus.

Quadro Clínico e Diagnóstico

O quadro clínico é inespecífico, incluindo febre, vômitos e irritabilidade em lactentes. Em crianças maiores se caracteriza pela presença de cefaleia, rigidez de nuca, convulsões e déficits focais. Recém-nascidos podem apresentar síndrome séptica. O diagnóstico baseia-se na análise biquímica e citológica do líquor incluindo também rt-PCR e painéis moleculares rápidos, para identificação etiológica viral específica. Exames de neuroimagem podem ser úteis na avaliação complementar, sendo a ressonância magnética, o mais sensível, com achados típicos em encefalites herpéticas e arboviroses. Outros exames incluem eletroencefalograma (EEG) e testes adicionais em secreções respiratórias, fezes e sangue. Testar amostras respiratórias, sangue ou swabs pode aumentar o diagnóstico em enterovírus e alguns vírus sistêmicos.

Exame do Líquor

Alterações laboratoriais do líquor ajudam a distinguir a provável etiologia e a gravidade. O exame do líquor em meningoencefalites virais mostra tipicamente pleocitose linfocitária de intensidade variável, proteína normal a moderadamente aumentada (níveis mais elevados de proteína são mais frequentes em Herpes simplex e Varicela-zoster vírus do que em Enterovírus) e glicose geralmente preservada (não ocorre hipoglicorraquia característica de meningite bacteriana). Níveis de lactato podem elevar‑se em formas mais graves de neuroinfecção e em meningoencefalites causadas pelo vírus HHV‑6.  O diagnóstico etiológico baseia‑se em rt-PCR no líquor (alta sensibilidade e especificidade (95 a 100%) para enterovírus. Também apresenta alta especificidade para Herpes simplex vírus na primeira semana de doença, com queda gradativa a partir da segunda semana. A rt-PCR para enterovírus apresenta maiores acurácias.

 

Resumindo:

  • Contagem de leucócitos moderadamente elevada, com predomínio de linfócitos e monócitos

  • Proteína normal ou discretamente elevada (eleva-se mais em casos de meningoencefalites por Herpes simplex e VZV)

  • Glicose normal

  • Lactato aumentado em meningoencefalites virais graves e nos quadros causados pelo HH-6.

  • rt-PCR no líquor para enterovírus apresenta alta acurácia e para Herpes simplex vírus maior acurácia na primeira semana de doença.

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Ressonância Magnética

A ressonância magnética pode ser útil na avaliação complementar, sendo o exame de neuroimagem mais sensível, com achados típicos em encefalites herpéticas e arboviroses.

 

Principais diferenças nos achados de ressonância magnética em casos de encefalites virais causadas por Herpes simplex e arbovírus:
Topografia das lesões

- Herpes simplex vírus: Predileção pelo sistema límbico, especialmente região temporal mesial e ínsula. Em geral, apresenta-se de forma focal e assimétrica no início.

- Arboviroses: Tendem a comprometer os núcleos da substância cinzenta profunda (tálamo, gânglios basais), além de tronco encefálico e cerebelo. Padrão geralmente multifocal e bilateral, com distribuição mais disseminada.

Características de imagem

- Herpes simplex vírus: Lesões hiperintensas em T2/FLAIR e hipointensas em T1. Necrose e hemorragia são comuns e aparecem precocemente. Pode evoluir para atrofia temporal se não tratada.

- Arboviroses: Lesões variáveis, de acordo com o vírus. Geralmente não apresentam necrose hemorrágica marcante como na encefalite por Herpes simplex vírus. Podem deixar sequelas estruturais, dependendo da gravidade e localização das lesões.

Evolução temporal

- Herpes simplex vírus: Curso rápido e agressivo, com deterioração clínica e radiológica em pouco tempo. Alta probabilidade de necrose precoce e atrofia subsequente sem tratamento adequado.

- Arboviroses: Evolução mais heterogênea, podendo haver melhora parcial ou evolução para sequelas de acordo com o agente viral e o sítio acometido.

A tabela abaixo resume os achados esperados na ressonância magnética cranioencefálica nos casos de meningoencefalites virais por Herpes simplex e arbovírus (dengue):

tabela de imagem RM encefalites virais.png
RNM herpes virus encefalite.png

RM em T2/Flair mostrando sinal hiperintenso em lobo temporal em caso de meningoencefalite viral por Herpes simplex.

Tratamento

O manejo exige suporte intensivo, monitorização neurológica, estabilização hemodinâmica e controle de convulsões, além de terapia empírica imediata com antibióticos e aciclovir até exclusão de etiologia bacteriana e herpética. O aciclovir é o único antiviral com impacto consistente em mortalidade e desfechos quando iniciado precocemente em encefalite herpética. Demais antivirais têm indicação limitada e muitas infecções virais, como as meningoencefalites por enterovírus, requerem apenas suporte. Corticoides têm benefício incerto e imunoterapia é reservada a encefalites autoimunes. Reabilitação multidisciplinar é essencial nos casos com sequelas.

Complicações e sequelas

Os desfechos variam amplamente: estudos indicam desde recuperação completa até sequelas moderadas-graves ou morte, com maior gravidade em neonatos, lactentes, imunossuprimidos e crianças não vacinadas contra agentes preveníveis (caxumba, sarampo). Convulsões, sinais focais, achados anormais em RM/EEG e atraso no início do aciclovir indicam pior evolução e prognóstico. A identificação de lesões por RM em neonatos com enterovírus podem associar-se a resultados cognitivos mais baixos no primeiro ano de vida. Testes moleculares rápidos aumentam a identificação etiológica e podem reduzir tratamentos desnecessários. Levar em consideração os dados epidemiológicos locais pode contribuir para o diagnóstico e definir os planos terapêuticos e preventivos.

LEIA MAIS...

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