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SEMIOLOGIA
DO SISTEMA GÊNITO-URINÁRIO

Sistema Urinário

As doenças do sistema urinário apresentam grande prevalência na infância e muitas vezes comprometem a saúde da criança de modo significativo, principalmente quando evoluem com comprometimento da função renal, hipertensão arterial, entre outras consequências, que, não raramente se estendem até a vida adulta, com considerável morbidade. Sendo assim, é desnecessário dizer o quanto o exame clínico minucioso do paciente pode auxiliar no diagnóstico e prognóstico das patologias nefro-urológicas. Vamos seguir a sequência clássica do exame clínico, começando pela anamnese e depois as etapas do exame físico que incluem a inspeção, palpação, percussão e ausculta.

 

Anamnese

 

Queixas ligadas ao sistema urinário na criança muitas vezes envolvem aspectos relacionados a aspectos da urina e do ato de urinar. Nesse sentido, deve-se inverstigar a coloração da urina, seu odor, volume em cada micção, frequência das micções, dor ou desconforto ao urinar, controle esfincteriano e o grau de esvaziamento da bexiga após a micção.

- Coloração e aspecto físico da urina: Amarelo claro (cor normal da urina); amarelo escuro, âmbar e laranja (urina concentrada por desidratação ou uso de alguns medicamentos com pigmentos excretados via renal); vermelha ou rosada (hematúria), marrom ou acastanhada (colúria); urina turva (piúria); urina excessivamente espumosa (proteinúria)

-HematúriaA hematúria pode ter causas variadas na criança, incluindo infecções do trato urinário, glomerulonefrites, uropatias obstrutivas, traumatismos, anomalias congênitas, neoplasias, medicamentos, entre outras. Na presença de hematúria, considerar os seguintes aspectos:

-Hematúria macroscópica: Visível a olho nu, geralmente indica sangramento mais intenso.
-Hematúria microscópica: Detectável apenas por meio exame laboratorial da urina através de um microscópio.

-Hematúria glomerular: Geralmente é microscópica e apresenta disformismo eritrocitário (alterações na morfologia das hemácias).
-Hematúria pós-Glomerular: Nessa caso, a hematúria macroscópica é mais comum e a morfologia das hemácias é normal.

- Odor da urina: O odor normal da urina é sui gêneris (levemente amoniacal); odor fétido (infecção urinária, uretrites); odor de acetona ou de maçã podre (cetonúria); odor de enxofre (hepatopatias); odor de urina de rato (fenilcetonúria).

- Volume urinário: O volume urinário normal da criança deve ser  1,0 a 2,0 mL/kg/hora. Variações patológicas incluem a poliúria (> volume urinário > 6 mL/kg/hora em recém-nascidos; > 4 mL/kg/hora em lactentes; > 2 mL/kg/hora para crianças maiores de 2 anos),  oligúria (< 1 ml/kg/hora) ou anúria (< 0,5 ml/kg/hora). 

- Frequência das micções: A polaciúria é o aumento da frequência das micções, geralmente associado à redução do volume urinário em cada micção. Nictúria é o nome que se dá quando a criança tem necessidade de urinar à noite. Algumas crianças têm o hábito de reter a urina quando estão brincando ou praticando alguma atividade de seu grande interesse. Essa retenção urinária é voluntária e se torna prejudicial ao causar estase urinária por tempo prolongado, favorecendo o surgimento de infecção do trato urinário. Outras causas, não voluntárias, incluem as uropatias obstrutivas, disfunção vesico-intestinal, cálculos, bexiga neurogênica, tumores, medicamentos, entre outras.

- Dor ou desconforto ao urinar: A micção dolorosa ou desconfortável caracteriza a disúria. Se a dor ou desconforto se associa à micção lenta e mais frequente com sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, o quadro é denominado estrangúria.

- Controle esfincteriano miccional: As queixas mais importantes incluem a incontinência urinária, a enurese noturna e a urgência urinária.

-Incontinência urináriaÉ a perda involuntária de urina em qualquer situação, podendo ocorrer após a criança já ter adquirido o controle esfincteriano ou quando a criança já deveria ter esse controle. Pode ser contínua ou intermitente. A incontinência intermitente pode acontecer quando a criança está acordada: incontinência diurna ou quando está dormindo, neste caso é denominada enurese noturna).

-Enurese noturna: Perda involuntária intermitente de urina durante o sono em crianças com 5 anos. É considerada infrequente (1 a 2 vezes por semana), moderadamente severa (3 a 5 vezes por semana) ou severa (6 a 7 vezes por semana). A enurese pode ser primária (a criança nunca ficou período superior a seis meses sem urinar durante o sono) ou secundária (após ter permanecido período superior a seis meses sem enurese, voltou a urinar durante o sono).

-Urgência urinária: Necessidade súbita e incontrolável de urinar, que pode ser tão intensa que pode se associar a perdas urinárias involuntárias. Ocorre, obviamente, na criança que já possui controle esfincteriano miccional 

Exame Físico

Inspeção

-EdemaO edema de causa renal apresenta as seguintes características clínicas e semiológicas: Sua localização e extensão, variam de acordo com a doença renal associada, podendo ser, inicialmente, localizado em região de face, periorbitário mais evidente pela manhã. Com a evolução do quadro, torna-se perceptível nos pés, tornozelos e pernas, podendo ser notado em região sacral também. Em sua expressão generalizada, denominada anasarca, pode haver ascite, derrame pleural, pericárdico e edema em região genital. O edema é indolor e a temperatura da pele edemaciada não se altera. Apresenta-se macio ao toque, depressível, deixando uma marca (fóvea ou sinal do cacifo) quando pressionado com o dedo por alguns segundos. Há aumento do peso corporal (o peso diário é um ótimo parâmetro para acompanhamento de sua evolução, juntamente com o balanço hídrico diário do paciente). Sensação de peso ou fadiga. Outros aspectos que podem estar associados, dependendo da patologia subjacente, são a oligúria, hematúria, proteinúria e hipertensão arterial.

criança com sídrome nefrótica

edema facial

ascite

sinal do cacifo

Palpação

 

-Bexiga: Está localizada na região pélvica, atrás da sínfise púbica e na frente do reto. Em crianças menores de 2 anos, a bexiga cheia é facilmente palpável no abdome, acima da sínfise púbica. A palpação da bexiga permite avaliar seu volume e tamanho, sua forma e sensibilidade dolorosa. Em condições normais a bexiga é lisa, macia e indolor à palpação. Em situações patológicas, a palpação permite detectar a presença de massas ou outras anormalidades. Na retenção urinária, a bexiga fica extremamente distendida e e palpável na região hipogástrica (globo vesical). 

-Loja renal: Em condições normais, a palpação das lojas renais não consegue localizar os rins (loja renal vazia). A técnica de palpação bimanual pode permitir, excepcionalmente, sua palpação e a avaliação do tamanho, consistência, mobilidade e sensibilidade dos rins. Com a criança em decúbito dorsal, o examinador pressiona a região lombar (no ângulo costovertebral) para cima, com uma das mãos, enquanto com a outra mão anteriormente posicionada no abdome abaixo da margem costal, realiza manobra de palpação profunda, procurando sentir o polo inferior do rim. Nos recém-nascidos e pequenos lactentes, os rins podem ser sentidos pela palpação devido ao fato de serem relativamente maiores e situados em posição mais baixa. Também favorece o fato de a parede abdominal ser mais delgada e flexível. Fora essa faixa etária, a palpação só será possível em situações patológicas em que os rins se encontram aumentados de tamanho ou deslocados. 

Percussão (punho-percussão)

A punho-percussão é realizada com a borda hipotenar da mão fechada, aplicando-se um pequeno golpe (suficiente para provocar um impacto moderado) na região lombar (no ângulo costovertebral). Normalmente é um exame indolor. Caso o paciente apresente dor no local da percussão (sinal de Giordano positivo), isso pode ser indicativo de provável distensão da cápsula do rim, como acontece em algumas patologias renais (pielonefrite, litíase renal, hidronefrose, entre outras). 

Ausculta

A ausculta do abdome pode permitir, eventualmente, a identificação de sopro na topografia dos rins. Isso pode indicar, entre outras coisas, a presença de estenose da artéria renal. O sopro pode ser auscultado na região epigástrica, no ângulo costovertebral (região lombar), nos flancos e hipocôndrios. Quando possível, peça ao paciente para expirar completamente e prender a respiração. É importante lembrar que, mesmo presente, o sopro da artéria renal nem sempre é audível com o estetoscópio, podendo ser necessário a realização de eco doppler das artérias renais. As patologias renovasculares podem ser acompanhadas de hipertensão arterial, sendo sua aferição uma parte importante do exame físico.

rim.png

Sistema Genital

Anamnese

Queixas relacionadas à infecção genital, não são raras em crianças. Problemas com a higiene inadequada das mãos, região perinal (após evacuar) ou dos genitais, uso de produtos irritantes como sabonetes perfumados e lenços umedecidos, roupas apertadas e pouco ventiladas, brincadeiras em ambientes úmidos ou sujos, presença de oxiúros, entre outros, são alguns fatores comuns nessa faixa etária. Nas adolescentes, queixas relacionadas ao ciclo menstrual são comuns e, geralmente, envolvem cólicas menstruais (dismenorreia) e alterações do fluxo menstrual.

 

- Infecções e inflamações genitais

Os quadros inflamatórios/infecciosos genitais mais comuns são denominados balanopostite (meninos) e vulvovaginite (meninas). A balanopostite se manifesta principalmente por sinais inflamatórios (dor, calor, eritema e edema), principalmente localizados na pele que recobre a glande, podendo se estender para regiões proximais do pênis. As vulvovaginites se manifestam principalmente por corrimento vaginal patológico associado a prurido, dor ou outros sintomas. Nos neonatos e lactentes, independente do gênero, a chamada dermatite de fraldas se caracteriza por processo inflamatório na região genital e perineal, que pode se estender para toda a região inguinal e glútea.  

- Corrimento vaginal

A secreção vaginal fisiológica se origina principalmente da transudação da mucosa vaginal, mas também provém, em parte, das tubas uterinas, do útero e de glândulas cervicais. Tem volume discreto, aspecto claro e odor sui generis. Essas características são mantidas, entre outros fatores, pela existência de uma flora microbiológica normal no meio vaginal, que é parcialmente responsável pelo seu equilíbrio. Nas vulvovaginites, esse equilíbrio é quebrado e a secreção vaginal se altera, tornando-se mais volumosa e adquirindo coloração, odor e consistência patológicas (corrimento vaginal), associadas a outros sintomas, como prurido, ardor, dor, sangramento e disúria. As vulvovaginites são o principal motivo de atendimento ginecológico na infânciaPortanto, diante de uma queixa de corrimento vaginal, a investigação de suas características semiológicas pode ajudar a identificar sua etiologia.
-Coloração: transparente ou claro (leucorreia fisiológica); amarelo ou amarelo-esverdeado (vulvovaginites bacterianas não específicas); purulento (IST's, vulvovaginites bacterianas); leitoso com grumos (candidíase); sanguinolento (trauma, corpo estranho, IST's, abuso).
-Odor: Sem odor ou odor sui generis (leucorreia fisiológica); odor fétido (vulvovaginites bacterianas)
-Consistência: fluido (leucorreia fisiológica); espesso (vulvovaginite bacteriana, IST's); cremoso (candidíase)

dermatite de fraldas.png

Dermatite da área das fraldas

- Puberdade precoce e puberdade tardia:

-Puberdade precoce: Inicio do desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários ocorre antes dos 8 anos nas meninas ou antes dos 9 anos nos meninos.

-Puberdade tardia: Ausência da telarca (surgimento de broto mamário) aos 13 anos nas meninas ou ausência de crescimento testicular aos 14 anos nos meninos.

Exame Físico

 

Genitália externa masculina

 

Avaliar o grau de exposição da glande ao se tracionar o prepúcio, identificar se existe fimose. Identificar a forma do pênis e a localização da uretra procurando a existência de hipospádia ou epispádia. Palpar a bolsa escrotal e verificar a presença dos testículos, buscando identificar sua forma, volume, consistência e sensiblidade. Avaliar se há criptorquidia (ausência de testículo na bolsa escrotal, podendo ser uni ou bilateral), testículo ectópico (testículo localizado fora da bolsa escrotal), testículo retrátil (embora localizado no interior da bolsa escrotal, um ou ambos os testículos se movem para dentro do canal inguinal em resposta a certos estímulos), cisto de cordão espermático (presença de cisto no trajeto do cordão espermático), hidrocele (acúmulo de líquido no interior da bolsa escrotal, pode ser uni ou bilateral), ou outras anomalias.

Nos adolescentes, checar o estadiamento do desenvolvimento dos caracteres sexuais de Tanner (ver escala de Tanner ).

 

- Hipospádia é o nome dado quando a abertura uretral se localiza na superfície ventral do corpo do pênis (pode se localizar desde a glande até a base do pênis, ou até mesmo na bolsa escrotal. Além da ectopia da abertura uretral, há um excesso de pele prepucial (prepúcio em capuz) e uma curvatura ventral devido a presença de um tecido fibroso nessa região. A gravidade da hipospádia varia de acordo com a distância da abertura uretral anormal até a ponta do pênis, do grau de curvatura ventral ou outras anomalias associadas. Epispádia é a abertura da uretra (em graus variados) na superfície dorsal do pênis, sendo mais rara que a hipospádia.

 

Uma situação de maior urgência que costuma ocorrer nos meninos é a torção de testículo. O quadro tem início com dor súbita e intensa localizada em um dos testículos, podendo se irradiar para a região inguinal, fossa ilíaca ou hipogástrio. O testículo se torna edemaciado e extremamente sensível ao toque. a pele suprajacente pode apresentar eritema e ou calor. Algumas vezes, o testículo comprometido pode apresentar-se em posição mais elevada que o testículo normal.  

fimose (o prepúcio não pode ser retaído)

escroto agudo.jpg

torção testicular (escroto agudo)

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hidrocele (transluminescência testicular)

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Epispádia

Hipospádias

Genitália externa feminina

Decúbito dorsal, com os membros inferiores fletidos em abdução. Inspecionar os lábios maiores, afastando-os delicadamente para expor os lábios menores (verificar a existência de sinéquia de pequenos lábios), o vestíbulo vaginal, o clitóris (verificar seu tamanho e características) e o orifício uretral. Checar se há sinais inflamatórios ou corrimento vaginal. Observar o aspecto do hímen e se há anomalias congênitas himenais. O himen imperfurado é uma anomalia congênita, no qual não existe uma abertura natural na membrana do hímen. Isso impede a saída do fluxo normal de secreções vaginais e, na adolescente, do fluxo menstrual. Com isso, ocorre um acúmulo de secreções e sangue menstrual na vagina e útero (hidrocolpos, hematocolpos), causando distensão e dor abdominal e pélvica, disúria, polaciúria ou incontinência urinária.

hymens.png

Himen anular

Himen septado

Himen cribiforme

Himen imperfurado

Nas adolescentes, checar o estadiamento do desenvolvimento dos caracteres sexuais de Tanner (ver escala de Tanner ).

Distúrbios da diferenciação sexual

 

São denominados 'Distúrbios do Desenvolvimento Sexual (DDS)', as condições que afetam o desenvolvimento das características sexuais do indivíduo, em que o sexo fenotípico não é claro ou o sexo genético não coincide com o sexo fenotípico. Esses distúrbios podem ter várias causas, incluindo causas genéticas, endócrinas, anatômicas.

 

Tipos de DDS:

  • DDS 46, XX: Inclui a disgenesia gonadal pura e a síndrome de insensibilidade completa ao andrógeno

  • DDS 46, XY: Inclui a hiperplasia adrenal congênita e a síndrome de Prader-Willi

  • DDS com cromossomos sexuais anormais: Inclui a síndrome de Turner e a síndrome de Klinefelter

  • DDS Ovotesticular (anteriormente chamado hemafroditismo verdadeiro)

 

Quanto à aparência externa da genitália, pode haver uma variação bem ampla de sua anatomia, desde genitálias com aparência feminina até genitálias com aparência masculina, mas com modificações anatômicas que não permitem uma definição fenotípica muito clara. Por exemplo, uma genitália de aparente aspecto feminino, mas com clitorismegalia, fusão labial (parcial ou total) e ou gônadas ou massas palpáveis em região inguinal. Outro exemplo: genitália de aparente aspecto masculino, mas com micro pênis, hipospadia e testículos não palpáveis.

DDS 46XY.png

fusão labial parcial e massas palpáveis em região inguinal bilateralmente

micro pênis, hipospadia, ausência de testículos na bolsa escrotal

genitália com aparência masculina, 

hipospadia, ausência de testículos na bolsa escrotal

genitália com aparência feminina, 

clitorismegalia, fusão labial

Períneo e ânus

Por fim, examinar a região glútea, ânus onde podem ocorrer fístulas, fissuras, abscessos, anomalias congênitas anorretais variadas, prolapso retal, outras protrusões (pólipos, etc).

atresia anorretal.png

anomalias anorretais - ânus imperfurado

prolapso retal.jpg

prolapso retal

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

 

  1. MARTINS, M.A. et al. Semiologia clínica. São Paulo: Manole, 2021. [autor: Milton de Arruda Martins]

  2. MARTINS, M.A. et al. Semiologia da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: MedBook, 2010. [autora: Maria Aparecida Martins]

  3. RODRIGUES, Y.T.; RODRIGUES, P.P.B. Semiologia pediátrica. 2ª. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2003.

  4. SANTANA, J.C. et al. Semiologia pediátrica. Porto Alegre: Editora Artmed, 2002.

  5. PERNETTA, C. Semiologia pediátrica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1980.

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