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SEMIOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

O exame do sistema cardiovascular do paciente pediátrico, assim como todo o exame físico, pode ser realizado na posição mais confortável para ela, inclusive no colo de sua mãe. Havendo possibilidade, o exame deve ser iniciado com a criança em decúbito dorsal ou na posição sentada. O exame sistematizado segue a ordem inspeção, palpação e ausculta.

Inspeção

Observar a aparência geral da criança, fácies, postura, atitude, a coloração da pele e mucosas e seu estado nutricional, em busca de alterações correlacionadas com a existência de cardiopatia. Uma criança cardiopata, frequentemente tem alteração de seu estado geral e de sua postura, pode ser portadora de alguma síndrome cromossômica, apresentar cianose ou mesmo atraso do crescimento e ganho ponderal.

-Cianose: a avaliação da coloração é melhor realizada em ambientes iluminados, com luz natural. Verificar os lábios, a língua, a mucosa oral, conjuntival, leito ungueal e polpas digitais. A cianose central é aquela que é acompanhada de baixa saturação de oxigênio, em geral abaixo de 85% e é bem visível na língua e mucosa oral. A cianose periférica ou acrocianose é percebida principalmente nas extremidades dos membros e a saturação de oxigênio é normal. Quando a cianose é crônica (acima de 6 meses pelo menos), é possível identificar o hipocratismo digital, caracterizado pelo baqueteamento da extremidade digital e aspecto convexo das unhas (unhas em "vidro de relógio").

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Criança com cianose central devido a Tetralogia de Fallot

-Ictus cordis: Sua localização pode ser percebida, eventualmente, pela presença de uma pequena saliência pulsátil na região pré-cordial. Sua localização varia com a idade: no neonato e lactente o diafragma é mais alto e o coração mais horizontal. Em função disso o ictus se encontra mais para cima e mais lateral, aproximadamente no quarto espaço intercostal esquerdo, externamente à linha hemiclavicular. Com o crescimento, a posição do ictus vai deslocando-se para baixo e medialmente, chegando ao quinto espaço intercostal esquerdo, internamente à linha hemiclavicular, posição atingida até o final da idade escolar. Alterações de sua posição podem indicar, a existência de cardiomegalia, entre outra causas. Também é possível visualizar abaulamentos ou alterações do ictus cordis, compatíveis com um precórdio hiperdinâmico (aumento na atividade contrátil do coração identificada por batimentos mais salientes ou proeminentes), associado a cardiopatias congênitas e miocardiopatias, mas também visível na presença de febre alta, no hipertireoidismo e quadros de anemia com repercussão hemodinâmica. A palpação do ictus cordis pode oferecer informações adicionais sobre sua extensão, amplitude e duração, além de permitir a detecção de frêmito (sensação tátil de sopros audíveis no coração ou vasos).

Ausculta cardíaca
Uma ausculta atenta é extremamente importante para o diagnóstico de doenças cardíacas, considerando que oferece importantes informações sobre o funcionamento do coração, incluindo o ritmo e a frequência cardíaca, as características sonoras das bulhas, a existência de sopros e suas características. Além de auscultar os focos clássicos no precórdio, eventualmente, a ausculta da região axilar esquerda, do dorso e região cervical, pode acrescentar informações qualitativas importantes. (1) O foco mitral fica no local correspondente ao ictus cordis. (2) O foco pulmonar no segundo espaço intercostal esquerdo justa esternal. (3) O foco aórtico no segundo espaço intercostal direito, justa esternal. (4) O foco tricúspide se localiza junto à base do apêndice xifóide, um pouco à esquerda. (5) Foco aórtico acessório, 3º espaço intercostal esquerdo, junto à borda esternal esquerda.
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(Foco aórtico acessório)

Focos clássicos da ausculta cardíaca

- Bulhas cardíacas: As bulhas cardíacas, sons que caracterizam o ritmo cardíaco normal, são produzidas por eventos que se sucedem durante o ciclo cardíaco. A primeira bulha cardíaca (B1) é o som do fechamento das valvas mitral e tricúspide durante o início da sístole ventricular. A segunda bulha (B2) corresponde ao fechamento das valvas aórtica e pulmonar, no final da sístole e início da diástole. Essas duas bulhas são as mais importantes e audíveis. A terceira bulha (B3) se relaciona à vibração ventricular durante o enchimento ventricular rápido e, quando presente, ocorre imediatamente após a B2. A quarta bulha (B4) aparece na contração atrial no final do diástole e é ouvida, quando presente, imediatamente antes da B1. Estas últimas, são bulhas de baixa frequência e pouco audíveis em crianças normais, podendo ficar mais evidentes em determinadas situações patológicas (sobrecarga volêmica, disfunção ventricular).

- Desdobramento de bulhas: Como as bulhas produzidas do lado direito do coração ocorrem uma fração de segundo depois das bulhas à esquerda, em situações normais são ouvidas como um único som. No entanto, em determinadas condições patológicas, essa assincronicidade pode se acentuar causando um desdobramento de bulha (bloqueios de ramo, sobrecarga volêmica, disfunção ventricular).

- Quanto à intensidade, as bulhas podem ser normofonéticas (normais), hiperfonéticas (efeito sonoro mais intenso) ou hipofonéticas (redução do efeito sonoro ou abafamento do som).  A hiperfonese de B1 é verificada em quadros febris agudos, hipertireoidismo, hipertrofia ventricular. A hiperfonese de B2 pode ocorrer, por exemplo, em quadros de hipertensão arterial sistêmica, hipertensão arterial pulmonar. A hipofonese das bulhas pode ocorrer em pacientes obesos, derrame pericárdico, insuficiência cardíaca e choque.

 

- Frequência cardíaca: A frequência cardíaca (FC) varia de acordo com a idade da criança, variando de modo inversamente proporcional com a idade, ou seja, quanto maior a idade, menor a frequência de batimentos do coração. Há várias referências de normalidade de batimentos cardíacos em pediatria e eles variam fisiologicamente com diversos fatores, como por exemplo, com a atividade física, ansiedade, medo, febre, entre outros.

Para verificar os valores normais da FC na criança, acesse sinais vitais.

A FC aumentada é denominada taquicardia e a FC diminuída, bradicardia.

 

- Ritmo cardíaco: O ritmo cardíaco pode ser regular (o intervalo entre os batimentos se mantém constante) ou irregular (há variações no intervalo entre os batimentos ao longo da ausculta). A avaliação de um ritmo irregular precisa ser complementada com um eletrocardiograma para ser melhor diagnosticado. Normalmente só se ausculta duas bulhas (primeira e segunda bulhas). O ritmo assim é binário ou em dois tempos. A ausculta de uma terceira bulha caracteriza o ritmo em três tempos. 

- Arritmia sinusal: Entre crianças e adolescentes é comum a arritmia sinusal. É uma arritmia considerada fisiológica e se caracteriza pela variação do ritmo cardíaco em função da respiração. Na inspiração ocorre um aumento na frequência cardíaca e na expiração uma redução.

- Ritmo de galope: É um ritmo patológico que combina taquicardia e a presença de terceira bulha (podendo haver a quarta bulha também). Esse ritmo está presente na insuficiência cardíaca congestiva descompensada.

Sopros cardíacos 

Os sopros devem ser avaliados semiologicamente com atenção, para que melhor possam contribuir para a definição do diagnóstico de uma doença cardíaca. Os aspectos do sopro a serem avaliados são, principalmente:

-Fase do ciclo cardíaco: De acordo com o momento do ciclo onde o sopro ocorre, o sopro pode ser sistólico, diastólico ou contínuo (o sopro só deve ser caracterizado como contínuo quando não é interrompido pela segunda bulha).

-Duração no ciclo cardíaco: A duração informa se o sopro ocorre em todo o período da sístole e ou da diástole ou se apenas no início, ou meio ou no fim, sendo, respectivamente, o sopro denominado de proto, meso ou tele. Exemplos: sopro holossistólico (perdura por toda a sístole); sopro protodiastólico (acomete o início da diástole), sopro mesossistólico (ocorre no meio da sístole).
-Timbre: podem ser classificados em rudes ou suaves. Os rudes são mais grosseiros e ásperos. Os suaves são “musicais”, mais “limpos”, mais agudos, as vezes lembrando o pio de uma gaivota.

-Frequência sonora: Quanto à frequência sonora os sopros podem ser agudos ou graves. 

-Localização ou topografia: É o local no precórdio onde o sopro é mais intenso, sendo classificado de acordo com o foco ou anatomia do precórdio.
-Formato sonoro: Essa característica identifica se há variação ou não da intensidade ao longo da duração do sopro, podendo ser caracterizado como sopro em platô (não varia a intensidade); sopro que vai reduzindo sua intensidade (in decrescendo) ou aquele que vai se intensificando (in crescendo).
-Intensidade: quanto a intensidade o sopro pode ser classificado em até seis graus ou cruzes (de uma cruz até seis cruzes).

1+ ou Grau 1: Difícil de ser auscultado, porém detectável em ambiente silencioso ou evidenciado com manobras.
2+ ou Grau 2: Facilmente auscultado em qualquer ambiente, porém discreto.

3+ ou Grau 3: Sopro moderadamente alto, sem frêmito, frequentemente com irradiação.
4+ ou Grau 4: Alto, com presença de frêmito e com irradiação.
5+ ou Grau 5: Alto, pode ser auscultado com estetoscópio apenas parcialmente tocando a pele, com frêmito e irradiação.
6+ ou Grau 6: Muito alto e auscultado mesmo com o estetoscópio afastado da pele, com frêmito e irradiação.

-Irradiação: A identificação da topografia da irradiação auxilia na identificação da estrutura cardíaca que está gerando o sopro e o tipo de disfunção. Os locais mais típicos de irradiação são: axila esquerda, dorso, lado direito do tórax, fúrcula e pescoço.

 

-Sopro inocente 

Essa denominação diz respeito a um sopro que ocorre na ausência de defeitos estruturais do coração, por isso é também chamado de sopro funcional. É muito prevalente na infância e mais frequente nas crianças com febre ou na presença de anemia. É sempre  sistólico, de baixa intensidade (+ ou ++), suave, sem irradiação e mais audível em focos da base (aórtico ou pulmonar). A criança não apresenta sintomas cardiológicos e os exames complementares (ECG e ecocardiograma) são normais.

 

-Ruído de atrito pericárdico

É um som rude, áspero, semelhante ao ranger de couro novo, audível na sístole e na diástole, principalmente na base e na borda esternal esquerda. É semelhante ao ruído de atrito pleural, diferindo-se deste pelos seguintes aspectos: (1) não desparece na pausa respiratória; (2) se torna mais audível quando o tórax se encontra em expiração profunda, sustentada por alguns segundos e (3) com a inclinação do tronco para frente.

Insuficiência cardíaca

 

Os sinais e sintomas da insuficiência cardíaca em crianças podem variar de acordo com a idade, com a etiologia e a gravidade da patologia subjacente. Os sinais e sintomas mais comuns incluem taquipneia, dispneia aos esforços (interrupções frequentes durante as mamadas nos lactentes), fadiga, palidez, sudorese excessiva, vômitos, deficit no ganho ponderal, tosse, dor torácica, taquicardia, hepatomegalia, ascite, edema em membros inferiores (nem todas as crianças com insuficiência cardíaca apresentam todos esses sintomas).

Pressão arterial

A pressão arterial (PA) varia fisiologicamente de acordo com a idade da criança, com sua altura e com o gênero, sendo discretamente maior em meninos do que em meninas. A referência de normalidade de PA em pediatria são as tabelas do guideline clínico prático para avaliação e manejo da hipertensão arterial em crianças e adolescentes da Academia Americana de Pediatria publicadas em 2017.

(acesse sinais vitais).

A pressão arterial sofre variações também com outros fatores, tais como, a atividade física, ansiedade, medo, o "jaleco branco" (a presença do profissional de saúde pode elevar a pressão arterial da criança), entre outros. Dependendo do percentil da tabela em que se encontra a P.A. sistólica ou diastólica, a criança pode estar normotensa ou apresentar pressão arterial elevada, hipertensão arterial estágio 1 ou hipertensão arterial estágio 2

(acesse sinais vitais).

- Pressão arterial normal: PA menor ou igual ao percentil 90 

- Pressão arterial elevada: PA entre o percentil 90 e o percentil 95

- Hipertensão arterial estágio I: PA entre o percentil 95 e o percentil 95 + 12 mmHg

- Hipertensão arterial estágio II: PA acima do percentil 95 + 12 mmHg

 

A aferição da PA deve ser realizada com rigor técnico para garantir a fidedignidade do procedimento. Para começar, é preciso definir o tamanho do manguito, cujas medidas deverão estar de acordo com a circunferência braquial da criança. A medida da circunferência do braço no ponto médio entre o acrômio e o olécrano, serve para determinação precisa do tamanho do correto manguito (bolsa de borracha interna, inflável), cujo comprimento deve ser de 80% a 100% da circunferência do braço, e cuja largura deve ser de pelo menos 40% da curcunferência braquial. 

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Aferição da pressão arterial na criança. Parâmetros para escolha do tamanho do esfigmomanômetro.

Outra regra, mais prática, consiste em escolher o tamanho do manguito que cubra pelo menos dois terços do comprimento do braço, com sua borda inferior pelo menos dois ou três centímetros acima da fossa cubital.

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Outros cuidados a serem observados incluem a posição da criança e seu estado de tranquilidade. A criança deve estar calma, em repouso por pelo menos 5 minutos antes da aferição, preferencialmente em posição sentada, com as costas apoiadas e os pés descruzados e apoiados no chão. O estetoscópio deve ser colocado sobre a artéria braquial, na fossa antecubital. O manguito deve ser insuflado até 20 mmHg acima do ponto em que o pulso radial desaparece. O manguito deve ser deflacionado lentamente. O primeiro som (fase I Korotkoff) e o último (fase V Korotkoff) devem ser tomados como PA sistólica e PA diastólica, respectivamente. A pressão arterial deve ser medida inicialmente no braço direito (para comparação com tabelas de referência). Posteriormente a PA pode ser aferida no braço esquerdo também. Em situações específicas (por exemplo, coarctação da aorta) aferir a PA também nos membros inferiores. Para o diagnóstico de hipertensão arterial na infância, é necessário que haja, pelo menos, duas ou três aferições alteradas, realizadas em momentos diferentes.

Pulsos

 

A palpação dos pulsos arteriais deve ser realizada na região cervical (pulso carotídeo) e nos quatro membros. Nos membros superiores devem ser palpados principalmente os pulsos braquial e radial. Nos membros inferiores palpam-se os pulsos femural e pedioso. A palpação permite contar a frequência (normoesfigmia, taquiesfigmia ou bradiesfigmia), verificar o ritmo (regular ou irregular) a amplitude (normal, fraco ou forte) e a simetria dos pulsos (avaliação comparativa entre o lado direito e esquerdo e também entre os membros superiores e inferiores). Várias patologias cardiovasculares podem ser diagnosticadas por esse processo. Alguns exemplos:

- Pulso em martelo d'água: é um pulso amplo e de curta duração, típico da persistência do canal arterial e insuficiência aórtica.

- Pulso filiforme: é um pulso fraco, de baixa amplitude, presente na insuficiência cardíaca (baixo débito), desidratação, hipovolemia

- Pulso bigeminado: ocorre na presença de extrassístole após cada batimento cardíaco normal.

- Pulso alternante: os pulsos fortes e fracos se alternam sucessivamente e ocorrem na insuficiência cardíaca esquerda.

- Pulso paradoxal: verifica-se uma diminuição da amplitude do pulso durante a inspiração e pode ocorrer na asma exacerbada, bronquiolite aguda, pericardite ou derrame pericárdico.

- Pulso venoso: O pulso venoso é uma turgência, com ou sem ondulação, visíveis na região cervical direita, em situações de estase da veia jugular interna, que reflete diretamente a existência de pressão elevada no átrio direito. É mais nítido com o paciente na posição deitada e desaparece ou diminui na posição inclinada a 45°. A presença do pulso venoso ou turgência jugular direita indicaa existência de uma elevação da pressão venosa central em quadros de insuficiência cardíaca, estenose tricúspide, entre outros. Algumas manobras podem evidenciar esse sinal clínico, nessas condições patológicas: (1) solicitar ao paciente que façã uma inspiração profunda e prenda a respiração alguns segundos (manobra de Kussmaul); (2) realizar compressão sustentada do hipocôndrio direito (fígado) durante 30 segundos (refluxo hepato-jugular). Essas manobras aumentam o retorno venoso e contribuem para tornar o pulso venoso mais visível.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

 

  1. MARTINS, M.A. et al. Semiologia clínica. São Paulo: Manole, 2021. [autor: Milton de Arruda Martins]

  2. MARTINS, M.A. et al. Semiologia da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: MedBook, 2010. [autora: Maria Aparecida Martins]

  3. RODRIGUES, Y.T.; RODRIGUES, P.P.B. Semiologia pediátrica. 2ª. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2003.

  4. SANTANA, J.C. et al. Semiologia pediátrica. Porto Alegre: Editora Artmed, 2002.

  5. PERNETTA, C. Semiologia pediátrica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1980.

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