SEMIOLOGIA DA CABEÇA E DO PESCOÇO
Exame da Cabeça
Crânio e couro cabeludo
No couro cabeludo deve ser avaliada a existência de ectoparasitoses, lesões cutâneas fúngicas ou bacterianas, a distribuição e as características dos cabelos, que podem informar sobre problemas nutricionais, metabólicos, endocrinológicos ou dermatológicos.
- Alopécia: A alopecia em crianças pode ser causada por uma variedade de fatores. A alopécia pode ser localizada ou universal (mais rara, envolve todo o couro cabeludo). Pode ser congênita (mais rara) ou adquirida. A alopecia areata, por exemplo, é uma condição autoimune na qual ocorre uma reação do sistema imunológico contra os folículos pilosos, ocasionando perda de cabelo, mais comumente em áreas específicas do couro cabeludo. As causas exatas não são totalmente compreendidas, mas podem estar relacionadas a fatores genéticos e ambientais. Outras causas incluem a tricotilomania (hábito de arrancar os cabelos e comê-los), alopecia por tinea capitis, alopecia cicatricial (após lesões, infecções, doenças autoimunes ou condições inflamatórias, os folículos pilosos são destruídos e substituídos por tecido cicatricial), deficiências nutricionais, doenças da tireoide e efeitos colaterais de medicamentos.
Alopecia areata universal
Alopecia devido a tricotilomania
No crânio, examinamos principalmente suas dimensões, conformação anatômica, suturas, fontanelas e consistência.
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Circunferência craniana (perímetro cefálico):
O perímetro cefálico (PC) reflete o volume do encéfalo e demais estruturas intracranianas. Portanto, é importante o seu monitoramento longitudinal, principalmente durante os primeiros anos de vida quando o crescimento encefálico é muito rápido. Para esse monitoramento, são utilizados gráficos da OMS com percentis ou desvios-padrões, para meninos e para meninas, nos primeiros cinco anos de vida.
(ver Curvas de crescimento).
De acordo com a circunferência craniana, há duas variações possíveis:
(1) microcefalia (perímetro cefálico menor que dois desvios-padrões abaixo da mediana (PC < Z -2 ou PC < percentil 3). As causas de microcefalia podem estar relacionadas ao período intrauterino ou podem ocorrer por problemas após o nascimento. Várias síndromes genéticas cursam com microcefalia. Entre as causas não genéticas, estão as infecções congênitas (síndrome TORCHS, Zica vírus), encefalopatias hipoxico-isquêmica e bilirrubínica, meningoencefalites, craniossinoste, anencefalia, entre outras.
(2) macrocefalia (perímetro cefálico maior que dois desvios-padrões acima da mediana (PC > Z +2 ou PC > percentil 97). A hidrocefalia é a principal causa de macrocefalia no primeiro ano de vida. A macrocefalia pode ser constitucional (familiar) sem nenhuma alteração no neurodesenvolvimento.
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Suturas cranianas e fontanelas:
As suturas cranianas e fontanelas são características importantes do crânio pois permitem uma certa flexibilidade e acomodação do polo cefálico do bebê durante sua passagem pelo canal de parto e posteriormente permitem a expansão do crânio durante o rápido crescimento do encéfalo, principalmente no primeiro ano de vida.
As suturas são as articulações fibrosas entre os ossos cranianos frontal, parietais e occipital. A sutura coronal localizada entre os ossos frontal e parietal, a sutura sagital, entre os ossos parietais, a sutura lambdoide, entre os ossos parietal e occipital e a sutura metópica, na linha média do osso frontal.
As fontanelas são áreas membranosas ainda não ossificadas. O exame das fontanelas através da palpação permite identificar seu tamanho, sua forma e sua tensão. As mais importantes são a fontanela anterior (ou bregmática) e a fontanela posterior. A fontanela anterior é mais ampla e está localizada na parte superior do crânio, onde as suturas coronal, sagital e metópica se encontram. Ela é geralmente losangular e suas medidas, embora variem muito entre os neonatos, têm uma média em torno de 3 cm. A idade de seu fechamento (ossificação completa) varia de 6 a 18 meses de idade. A fontanela posterior é menor e pode já não estar presente ao nascimento (ossificação intra-útero). Quando presente, está localizada na parte posterior do crânio, onde as suturas lambdoide e sagital se encontram. Ela fecha geralmente até o final do segundo ou terceiro mês de vida.
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Forma do crânio (conformação anatômica):
Não é raro observar a existência de alterações na conformação craniana no recém-nascido, como consequência de seu posicionamento intrauterino ou pela pressão sofrida no canal de parto. Geralmente, nesses casos, o crânio retoma sua forma anatômica à medida que o bebê vai crescendo. No entanto, existem situações em que a deformidade craniana persiste ou se agrava com o passar do tempo. Nesses casos, é necessário investigar se há alguma condição patológica subjacente. Uma causa frequente de deformação do crânio é a craniossinostose, condição em que uma ou mais suturas sofrem fusão precocemente. Quando isso acontece, o crescimento do crânio se direciona para os ossos que não se soldaram, cujas suturas permaneceram abertas. Em consequência disso, sua forma irá sofrer modificações, de acordo com a sutura que sofreu essa fusão. Alguns exemplos:
- Trigonocefalia:
Formato triangular da testa do bebê, que ocorre quando a sutura metópica se fecha precocemente.
- Escafocefalia (ou Dolicocefalia):
Formato alongado longitudinalmente, que ocorre quando a sutura sagital se fecha precocemente.
- Plagiocefalia posterior:
Formato achatado na parte posterior do crânio, assimétrico (aspecto "amassado"), que ocorre quando a sutura lambdoide se fecha precocemente.
- Plagiocefalia anterior:
Formato achatado na parte anterior do crânio, assimétrico (aspecto "amassado"), que ocorre quando a sutura coronal se fecha precocemente.
- Braquicefalia:
Formato achatado na região anterior do crânio, simétrico (bilateral), que ocorre quando toda a sutura coronal se fecha precocemente.
- Acrocefalia (ou Turricefalia):
Formato alongado verticalmente, com aspecto de torre (turricefalia) ou em ponta (acrocefalia), que pode ocorrer também pelo fechamento precoce da sutura coronal.
É importante verificar se há sinais de hipertensão intracrania nesses casos. Choro frequente e intenso, irritabilidade, vômitos em jato, oscilação no nível de consciência (períodos de sonolência alternados com períodos de irritabilidade) podem ser indicativos. A radiografia de crânio pode mostrar marcas das circunvoluções cerebrais "impressas" nos ossos e o exame de fundo de olho pode mostrar edema de papila, entre outros sinais. Nessas situações críticas, está indicada a realização de intervenção cirúrgica.
Outras deformidades cranianas não relacionadas à craniossinostose podem ocorrer em síndromes genéticas, como por exemplo a doença de Crouzon, onde se verifica uma disostose craniofacial, na síndrome de Apert onde ocorre acrocefalossindactilia, entre outras.
Deformidades relacionadas ao parto incluem o cavalgamento dos ossos cranianos, a bossa serossanguínea e o cefalo-hematoma. A bossa serossanguínea surge durante o trabalho de parto ou logo após. É uma coleção serosa ou serossanguínea de consistência amolecida, que se acumula entre o couro cabeludo e o periósteo (plano subcutâneo) e ultrapassa os limites das suturas dos ossos. Desaparece nas primeiras semanas de vida. O cefalo-hematoma é uma coleção sanguínea que se acumula entre o periósteo e o osso, ficando circunscrito entre os limites das suturas daquele osso. Sua consistência é mais firme que a bossa serossanguínea. Se desenvolve após dois ou três dias e desaparece em um período que varia de semanas até cerca de três meses.
Edema
Cefalohematoma
Bossa serossanguínea
Entre as anomalias congênitas, destaca-se a meningo-encefalocele, relacionada a um defeito do fechamento do tubo neural no período embrionário. Há um fenda na linha mediana, na maioria das vezes na região occipital, mas também pode ocorrer na região frontal. Por essa fenda emerge uma projeção herniária constituída por meninges e liquor (meningocele) com ou sem porções do encéfalo (encefalocele).
Encefalocele
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Consistência: Durante a palpação do crânio, exercendo leve pressão com os dedos sobre seus ossos, pode-se verificar sua consistência firme, exceto nas regiões das fontanelas que, por serem membranosas, são mais maleáveis que as regiões já ossificadas. No recém-nascido, eventualmente algumas regiões dos principais ossos podem ceder à pressão, deixando-se deprimir, de modo semelhante à de uma bola de ping-pong. Essa característica fisiológica, chamada de craniotabes congênito, (diferente do craniotabes adquirido do raquitismo), é comum no neonato e desaparece espontaneamente algumas semanas após o nascimento. Outras condições que cursam com redução da consistência óssea do crânio são, por exemplo, a osteogênese imperfeita e a disostose cleidocraniana.
Face
A inspeção da face é uma etapa de grande importância semiológica, considerando que é capaz de dar importantes informações sobre a saúde da criança e oferecer dados clínicos relevantes para o diagnóstico. Aspectos a serem observados na face: expressão facial, simetria, movimentos faciais, olhos, nariz, orelhas, lábios, mandíbula. Idenficar se há dismetrias faciais, edema, paralisia etc.
(ver mais detalhes em Fácies).
- Parotidite: A parotidite é a inflamação da glândula parótida, tendo como causa mais comum, a parotidite epidêmica, doença contagiosa causada pelo Paramyxoviridae (vírus da caxumba), embora atualmente seja bem mais raro, por causa da ampla cobertura vacinal. Além do vírus da caxumba, outros vírus, como o influenza (vírus da gripe), vírus da rubéola, adenovírus e vírus da herpes, podem causar inflamação nas glândulas salivares em crianças. Embora raro, infecções bacterianas também podem levar à parotidite (sialoadenite bacteriana) em crianças, sendo o Staphylococcus aureus, o agente mais comum nesses casos. Além de infecções, outras causas podem levar ao aumento do volume da glândula parótida, tais como a sialolitíase (cálculo obstruindo o ducto salivar), doenças autoimunes, neoplasia. O diagnóstico diferencial pode ser complementado com exames laboratoriais e exames de imagem.
Parotidite
Olhos
-Tamanho do globo ocular: microftalmia, buftalmia. A microftalmia é um defeito congênito identificado pelo tamanho muito reduzido do globo ocular, resultando em comprometimento da visão ou até cegueira. A microftalmia pode ser unilateral ou bilateral. Essa condição está associada a síndromes genéticas ou infecções congênitas (rubéola e toxoplasmose). A buftalmia (aumento significativo do volume do globo ocular) é um sinal de alerta para o diagnóstico de glaucoma.
-Posição do globo ocular: exoftalmia, enoftalmia, hipertelorismo ocular (aumento na distância entre os dois globos oculares)
-Pálpebras: fenda palpebral oblíqua (por ex. na síndrome de down), epicanto (prega de pele que cobre o canto interno dos olhos, próximo ao nariz), telecanto (aumento na distância entre os cantos internos dos olhos em relação ao nariz), blefaroptose, entrópio (a pálpebra vira-se para dentro em direção ao globo ocular, permitindo que os cílios entrem em contato com a superfície do olho, podendo causar conjuntivite irritativa e lesão de córnea), ectrópio (nesse caso a pálpebra vira-se para fora, resultando em exposição da superfície ocular e da conjuntiva, causando lacrimejamento e sensação de olhos secos por perda lacrimal, irritação e sensação de corpo estranho). Tanto o entrópio quanto o ectrópio ocorrem mais comumente nas pálpebras inferiores.
Ptose palpebral ou blefaroptose
Epicanto e pseudoestrabismo
Buftalmia olho direito: glaucoma congênito
-Esclera: esclera azulada (associada ao diagnóstico de osteogênese imperfeita), esclera ictérica
-Conjuntivas: coloração (palidez, hiperemia, hemorragia subconjuntival) e hidratação (umidade, presença de lágrima)
-Iris: a aniridia (ausência total ou parcial da íris). Pode ser completa ou parcial, unilateral ou bilateral (bilateral é mais comum). Causada por mutações no gene PAX6. Pode estar associada a genitália ambígua, deficiência intelectual e tumor de Wilms.
-Pupilas: avaliar sua forma, tamanho e simetria, fotoreatividade, reflexo vermelho, leucocoria (importante exame na triagem neonatal.
(ver mais detalhes em
-Cristalino: a opacificação do cristalino, presente ao nascimento (catarata congênita) é uma condição detectada no teste do reflexo vermelho.
-Aparelho lacrimal: Epífora é uma condição de lacrimejamento excessivo. suas causas incluem a obstrução de canais lacrimais, conjuntivite alérgica, ectrópio, entre outras.
-Estrabismo: Condição em que os olhos não estão alinhados corretamente e não "se direcionam" para o mesmo foco simultaneamente. Esse desalinhamento pode ser intermitente ou constante. Tipos: Esotropia (desvio interno em direção ao nariz), exotropia (desvio externo, afastando-se do nariz); hipertropia (desvio para cima) e hipotropia (desvio para baixo)
-Nistagmo: Movimento involuntário e rítmico dos olhos, que pode envolver oscilações, tremores ou movimentos de rotação. Esse movimento pode ocorrer de maneira horizontal, vertical ou rotatória. O nistagmo pode ser congênito ou adquirido (distúrbios neurológicos que afetam o cerebelo ou tronco encefálico, grandes erros de refração ou algumas síndromes genéticas).
-Infecções e inflamações oculares comuns: conjuntivites, blefarite, hordéolo (terçol), calázio, dacriocistites, celulite periorbitária.
Nas conjuntivites, o processo infeccioso e ou inflamatório ocorre nas membranas conjuntivas e pode ser agudo ou crônico, relacionadas a processos alérgicos, infecciosos ou autoimunes. As conjuntivites de etiologia infecciosa podem ser mais comumente de etiologia viral ou bacteriana. As conjuntivites bacterianas em geral são unilaterais inicialmente, processo inflamatório intenso com secreção purulenta, sendo mais sintomática. As conjuntivites virais têm início bilateral, são acompanhadas de outros sintomas virais (febre, mialgia, cefaleia, coriza, etc.) e têm, geralmente, um processo inflamatório menos intenso sem secreção, ou quando presente, secreção serosa ou mucosa, não é purulenta.
Calázio é um nódulo na pálpebra causado pela obstrução da glândula de Meibomius. Pode estar ou não associado a um processo inflamatório infeccioso. O hordéolo ou terçol é um nódulo vermelho e doloroso próximo à margem da pálpebra causado por uma infecção, em geral estafilocócica. O hordéolo pode ser interno (infecção da glândula de Meibomius do revestimento interno da pálpebra) ou externo (pela infecção das glândulas de Zeiss ou de Moll) com a aparência de uma "espinha" na borda externa da pálpebra.
A celulite periorbitária, ocorre secundariamente por extensão de infecção em tecidos vizinhos (revestimento cutâneo, seios paranasais, conjuntivas, aparelho lacriimal, foco dentário etc.), por trauma, ou menos freqüentemente por via hematogênica. A celulite periorbitária ou pré-septal atinge de forma aguda os tecidos palpebrais na região anterior ao septo orbitário, sem acometimento dos tecidos orbitários. Já a celulite orbitária é a infecção aguda dos tecidos orbitários (o processo infeccioso ultrapassa os limites do septo orbitário), sendo um quadro muito mais grave, caracterizado por edema difuso, com infiltração da gordura orbitária por células inflamatórias e bactérias podendo evoluir ou não com a formação de abscesso. Como risco de complicação, a celulite orbitária pode se estender para as meninges e para o seio cavernoso, neste caso levando à tromboflebite e óbito.
esclera azulada
Celulite periorbitária
Orelhas
-Tamanho: Microtia (orelha pequena); macrotia (orelha grande); anotia (ausência de orelha).
-Posição: Implantação baixa (borda superior da orelha abaixo da fenda palpebral); orelha em abano (orelha projetada para frente)
-Anomalias: Apêndices auriculares (rudimentos de cartilagem cobertos por pele) e fístulas pré-auriculares, que são vestígios remanescentes de arcos faríngeos embrionários.
-Secreções: Eventualmente podem ser observadas secreções que se exteriorizam pelo meato acústico externo, como por exemplo, cerume, secreção purulenta (otorréia) em caso de otite média aguda supurativa com rompimento da membrana timpânica ou sangue (otorragia) podendo estar relacionada a trauma da base do crânio, infecções, trauma do conduto auditivo, corpos estranhos no conduto, etc.
-Otoscopia: Para fazer uma boa otoscopia, certificar-se que o otoscópio esteja com pilha nova que garanta uma boa iluminação. Deve-se tracionar a orelha para trás e para cima para retificar o conduto auditivo. Posicionar o espéculo do otoscópio de modo que se visualize o fundo do conduto onde está a membrana timpânica. Esta, em condições normais é de coloração branco-perolado (até levemente rosada) e parcialmente translúcida, evidenciando um reflexo referente à luz do otoscópio (triângulo luminoso). Em caso de otite média aguda, frequentemente, a membrana se torna hiperemiada, opacificada e apresenta um nítido abaulamento, sendo essa última característica, a mais relevante como evidência para o diagnóstico.
-Mastóide: O processo mastoide é uma projeção óssea localizada na parte posterior do osso temporal, palpável logo atrás da orelha, bilateralmente. Nele se encontram as células mastoideas, múltiplas cavidades ósseas aeradas, revestidas de mucosa contínua com a mucosa da orelha média. A mastoidite, na maioria das vezes, ocorre como uma complicação da otite média. Bactérias da orelha média podem contaminar as células mastoideas. Excepcionalmente, a mastoidite pode ocorrer como infecção primária, sem previamente envolver a orelha média. Casos de trauma no osso temporal ou mesmo obstrução do ducto de drenagem, podem aumentar o risco de infecção.
membrana timpânica normal
otite média aguda
fístula pré-auricular
mastoidite
Nariz e seios paranasais
Após a inspeção externa do nariz, faz-se a rinoscopia anterior (exame da porção inicial das cavidades nasais). Eleva-se a ponta do nariz e com um foco de luz, verifica-se o aspecto da mucosa nasal (normal ou rósea, pálida ou hiperemiada), o aspecto da porção visível do septo nasal e dos cornetos nasais inferiores (muco, edema, hipertrofia, pólipos, sangramentos, corpos estranhos etc.). Para uma visualização mais ampla, pode-se utilizar um espéculo nasal.
-Obstrução nasal: A permeabilidade das vias nasais é fundamental para uma fisiologia respiratória adequada, considerando que o nariz é responsável pelo aquecimento, umidificação e filtragem inicial do ar inspirado. Uma condição de obstrução nasal de grande relevância é a atresia de coanas. As coanas são as aberturas posteriores das cavidades nasais, por onde ocorre sua comunicação com a faringe. A atresia de coanas é a anomalia congênita mais comum do nariz e ocorre por falha na abertura da membrana muconasal durante as últimas semanas do período fetal. Pode ser unilateral (a maioria) ou bilateral. A estrutura do tecido atrésico pode ser membranosa, óssea ou mista. Quando a atresia coanal é bilateral, os recém–nascidos apresentam quadro grave de insuficiência respiratória, considerando que sua respiração é exclusivamente nasal nas primeiras três semanas de vida. Em geral precisam ser intubados e eventualmente traqueostomizados até a correção cirúrgica definitiva. Outros quadros mais comuns e menos graves de obstrução nasal, incluem as rinites crônicas, hipertrofia de cornetos nasais, pólipos nasais e hipertrofia de adenoides. Os pacientes com obstrução nasal crônica desenvolvem frequentemente um padrão continuado de respiração bucal, roncos noturnos e podem apresentar apneia do sono. Há uma alteração anatômica de face que é típica desses casos. As principais características faciais de um respirador bucal crônico incluem o lábio superior mais elevado, lábio inferior caído (boca entreaberta), palato ogival, retração da mandíbula, bochechas mais proeminentes.
respiração bucal crônica
-Coriza ou rinorreia: Saída de secreção nasal pelas narinas, podendo ser serosa (secreção fluida, aquosa, transparente), mucosa (espessa e esbranquiçada) ou mucopurulenta (espessa, amarelada ou esverdeada). Ocorre em processos de rinite ou rinossinusite de etiologia viral, bacteriana ou alérgica, principalmente. O processo inflamatório nas mucosas nasais e paranasais estimula a produção aumentada de muco que, em excesso, exterioriza-se anteriormente pelas narinas, ou escorre pela nasofaringe posteriormente. A irritação da mucosa nasal, frequentemente provoca espirros e prurido (estes mais intensos em quadros de rinite alérgica).
-Epistaxe: É a hemorragia nasal. O sangue procede da mucosa nasal e se exterioriza anteriormente pelas narinas (unilateral ou bilateral) ou escorre posteriormente pela nasofaringe. A epistaxe espontânea é comum na idade escolar pelo rompimento de vasos sanguíneos superficiais, principalmente da mucosa do septo nasal que é muito vascularizada. Pode ser causado por traumatismos locais, corpo estranho, ato de coçar ou assoar com muita pressão, rinites, alterações na coagulação sanguínea, entre outras).
-Seios paranasais: Pela palpação (compressão digital) ou percussão é possível averiguar a sensibilidade dos seios frontais e maxilares. Em caso de rinossinusite aguda o exame será nitidamente doloroso. Nas rinossinusites bacterianas, é possível observar na inspeção da orofaringe, a presença de secreção mucopurulenta descendo da nasofaringe (sinal da vela ou gotejamento pós nasal).
Sinal da vela (secreção nasal mucopurulenta descendo pela nasofaringe)
Rinossinusite bacteriana
Boca e Faringe
A inspeção da boca e faringe é rotineira no exame clínico da criança e, por ser um procedimento incômodo, geralmente é deixado para o final da consulta. Sob uma boa fonte de iluminação (foco de luz, lanterna) e uma espátula, observa-se os lábios, frênulos labiais, a mucosa oral, gengiva, língua, dentes, pálato e, finalmente, as amígdalas e a orofaringe.
- Lábios: forma, abertura bucal, frênulos labiais, comissuras labiais, infecções labiais, fissuras, desvios, paralisias. O contorno dos lábios é que definem o tamanho da abertura bucal. Essa abertura é mensurada pela distância entre as comissuras labiais (pontos onde os lábios superior e inferior se encontram). De acordo com essa medida, a boca pode ser de tamanho normal, macrostomia (boca grande) ou microstomia (boca pequena).
Infecções labiais são relativamente comuns. A infecção nas comissuras labiais (queilite angular), pode ser causada por bactérias (estreptococos ou estafilococos) e fungos (Candida albicans). Os lábios também são sítios de manifestação de infecções por Herpes simplex tipo 1. Antes e durante o surgimento das lesões herpéticas há prurido, ardência e formigamento na área afetada. A seguir, surgem pequenas vesículas coalescentes, dolorosas, que evoluem com ruptura e formação de crostas labiais. O herpes labial pode ser recorrente, dependendo da imunidade ou de fatores desencadeantes (stress, febre, exposição solar excessiva etc.).
A fenda labial é a anomalia congênita labial mais comum. Afeta a formação dos lábios durante o desenvolvimento embrionário. De acordo com a localização e extensão da abertura, as fendas labiais podem ser completas ou incompletas, unilaterais, bilaterais ou medianas.
Uma condição que afeta a abertura labial é a paralisia facial que causa um desvio da comissura labial para o lado oposto ao da lesão. A paralisia facial ocorre por lesão do nervo facial do lado afetado e sua causa por estar relacionada a infecção viral (Herpes vírus), trauma, doença neurológica, inflamatória, neoplásica. A chamada paralisia de Bell é uma causa comum de paralisia facial repentina, geralmente idiopática e apresenta boa evolução na maioria dos casos.
queilite angular
paralisia facial
(desvio da comissura labial para o lado sadio)
herpes labial
fenda labial ("lábio leporino")
com fenda palatina (não visualizada na foto)
- Mucosa oral: Revestimento de toda a cavidade bucal (superficie interna dos lábios, gengivas, palato (palato ogival, fenda palatina), mucosa jugal (revestimento interno das bochechas). Avaliar sua coloração (hiperemia, palidez, cianose) e hidratação, aspecto da saliva, lesões relacionadas à infecções orais (p.ex.: gengivoestomatite viral, monilíase), lesões ulcerativas, petéquias, sangramento.
- Língua: Avaliar o dorso da língua e sua superfície ventral, cor, aspecto (língua geográfica, saburrosa, em framboesa), verificar o tamanho (macroglossia), frênulo lingual.
(ver mais detalhes em
- Dentes: Verificar o número de dentes, o tipo de dentição (decídua ou permanente), conservação, oclusão dentária, trisma, escovação etc).
(ver mais detalhes em
- Faringe: aspecto, cor, amígdalas (tamanho, aspecto, coloração, exudato). As faringoamigdalites são infecções frequentes em pediatria, podendo ser virais ou bacterianas. De um modo geral, as virais cursam principalmente com hiperemia ou lesões ulcerativas, enquanto que as bacterianas (particularmente as estreptocócicas) cursam com hiperemia e exudato purulento e ou petéquias no palato.
Faringoamigdalite estreptocócica
(hiperemia acentuada e petéquias no palato)
Língua geográfica
(condição benigna da língua)
Língua saburrosa, língua em framboesa
(aspectos típicos da escarlatina)
Exame do Pescoço
O pescoço é fisiologicamente mais curto nos recém-nascidos e lactentes, alongando-se proporcionalmente após esse período. Há algumas condições patológicas que estão associadas à persistência do pescoço curto, tais como no hipotireoidismo, na síndrome de Turner (onde o pescoço é curto e alado) e outras síndromes genéticas.
No exame do pescoço (inspeção, palpação e ausculta), é importante verificar sua forma, simetria, mobilidade, tumorações e vasos sanguíneos. Observar se há turgência venosa jugular (presente na insuficiência cardíaca congestiva), palpar os pulsos carotídeos e realizar ausculta (buscando identificar a existência de sopros).
- Torcicolo: Contratura espasmódica unilateral de músculos cervicais que compromete a mobilidade e simetria do pescoço, mantendo a cabeça inclinada para o lado comprometido e ligeiramente rodada para o lado oposto. O torcicolo pode ser adquirido ou congênito. O torcicolo adquirido pode ser devido a traumatismos, processos inflamatórios cervicais ou doenças neurológicas. O torcicolo congênito se deve a um defeito embrionário unilateral do músculo esternocleidomastoideo ou de vértebras cervicais.
Torcicolo congênito
- Tireoide: O exame da tireóide (inspeção e palpação) permite a identificação do seu volume (se há aumento difuso ou localizado da glândula), sua superfície (lisa ou irregular), consistência e mobilidade (movimento à deglutição).
- Tumorações: Na região cervical podem ocorrer tumorações de diferentes aspectos e causas, incluindo linfadenopatias, massas císticas, como cistos branquiais (localização lateral), cisto do tireoglosso (localização mediana) e higroma cístico.
Linfangioma cístico ou Higroma cístico
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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MARTINS, M.A. et al. Semiologia da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: MedBook, 2010. [autora: Maria Aparecida Martins]
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RODRIGUES, Y.T.; RODRIGUES, P.P.B. Semiologia pediátrica. 2ª. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2003.
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SANTANA, J.C. et al. Semiologia pediátrica. Porto Alegre: Editora Artmed, 2002.
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PERNETTA, C. Semiologia pediátrica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Interamericana, 1980.
ABORDAGEM SEMIOLÓGICA DA CEFALEIA EM PEDIATRIA
A cefaleia é um sintoma comum que afeta crianças e adolescentes, com prevalência significativa e impacto importante na qualidade de vida, sendo responsável por faltas escolares, queda no rendimento acadêmico e limitação nas atividades diárias. As cefaleias primárias, como enxaqueca e cefaleia tensional, são as mais frequentes, com a enxaqueca afetando cerca de 5-10% das crianças em idade escolar e a cefaleia tensional impactando até 15-25%. A prevalência de cefaleia aumenta com a idade e é influenciada por fatores como condições socioeconômicas e culturais, com variações observadas entre áreas urbanas e rurais. Além disso, fatores emocionais, estresse e alterações no padrão de sono são desencadeadores comuns, enquanto o uso excessivo de dispositivos eletrônicos tem sido associado ao aumento da incidência de cefaleias, especialmente a tensional. Antes da puberdade, a cefaleia é um pouco mais comum em meninos. No entanto, após a puberdade, a prevalência aumenta consideravelmente nas meninas, especialmente no caso da enxaqueca, devido às influências hormonais. Nas últimas décadas, tem sido observado um aumento na prevalência de cefaleias na faixa pediátrica, possivelmente relacionado a fatores ambientais e mudanças no estilo de vida. A compreensão desses aspectos epidemiológicos é essencial para o diagnóstico precoce e o manejo eficaz das cefaleias em crianças e adolescentes.
Fisiopatologia
A fisiopatologia da cefaleia é complexa e varia conforme o tipo, mas de modo geral, envolve aspectos vasculares, inflamatórios, neurológicos, hormonais, genéticos e ambientais. Seja qual for o aspecto envolvido, irá ocorrer ativação de nociceptores localizados em estruturas cranianas sensíveis à dor, como vasos sanguíneos intracranianos e extracranianos, seios venosos, meninges (particularmente a dura-máter), músculos do couro cabeludo e pescoço, entre outras estruturas. Nesse contexto, se destaca o Sistema Trigeminovascular, central nos mecanismos envolvidos na dor de cabeça.
O Sistema Trigeminovascular é constituído principalmente por:
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Neurônios Trigeminais (neurônios bipolares localizados no Gânglio Trigeminal)
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Prolongamentos periféricos destes neurônios conectados aos nociceptores
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Prolongamentos centrais desses neurônios conectados ao Núcleo Trigeminal Caudal
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Núcleo Trigeminal Caudal (localizado no tronco encefálico)
Raízes dorsais de nervos espinhais cervicais também podem trazer impulsos nervosos de dor para o Núcleo Trigeminal Caudal. Outra estrutura que participa do processo é o gânglio pterigopalatino ou esfenopalatino. Ele influencia o tônus vascular e estabelece conexões entre o sistema trigeminovascular e o sistema nervoso autônomo.
Uma vez ativadas, essas estruturas podem levar à liberação de neuropeptídeos vasodilatadores, o que contribui para o desenvolvimento e a manutenção da dor de cabeça. Os principais neuropeptídeos são o Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina (CGRP), a substância P e a Neurocinina A. O CGRP é um dos neuropeptídeos mais estudados em relação à migrânea. Durante uma crise de enxaqueca, há um aumento da liberação de CGRP nos nervos trigeminais, o que provoca vasodilatação dos vasos sanguíneos cerebrais com extravasamento plasmático e inflamação neurogênica. Esse processo contribui para a ativação e sensibilização dos neurônios nociceptivos, resultando em dor.
Os impulsos nervosos nociceptivos gerados são enviados para centros superiores do cérebro, responsáveis pela percepção da dor. Com a progressão da cefaleia, especialmente em cefaleias crônicas, pode ocorrer sensibilização central, onde o sistema nervoso central se torna hiper-responsivo a estímulos, amplificando sua percepção da dor.
Classificação das Cefaleias
A classificação das cefaleias segue as diretrizes do Comitê para Classificação Internacional das Cefaleias (ICHD), da Sociedade Internacional de Cefaleia (IHS, na sigla em inglês). A versão mais recente é a ICHD-3 (Classificação Internacional das Cefaleias, 3ª edição), publicada em 2018.
Antes de apresentar as principais categorias da ICHD-3, vamos definir alguns critérios de classificação:
De acordo com a causa subjacente, as cefaleias se apresentam em dois grupos:
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Cefaleias Primárias: As cefaleias primárias são aquelas em que a dor de cabeça é a própria condição patológica, não sendo causada por outra doença subjacente. Ex.: Migrânea (enxaqueca), cefaleia tensional, cefaleia em salvas e outras.
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Cefaleias Secundárias: As cefaleias secundárias são aquelas em que a dor de cabeça é uma manifestação clínica ou sintoma de uma outra condição patológica. Nesses casos, a cefaleia é resultado de uma doença identificável. Ex.: Trauma cranioencefálico, meningite, encefalite, abscesso cerebral, hipertensão intracraniana (tumores cerebrais, hidrocefalia), sinusite, hipertensão arterial, hipoglicemia, anemias graves, infecções sistêmicas, entre outras.
A classificação das cefaleias também considera o critério cronológico. São três possibilidades:
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Cefaleia Aguda: Episódio isolado de dor de cabeça de início súbito, com duração limitada, geralmente resolvendo-se em horas ou poucos dias.
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Cefaleia Episódica: Cefaleias que ocorrem em episódios recorrentes, intercalados por períodos sem dor. Ocorrem em menos de 15 dias por mês. Quanto à sua frequência, pode ser: infrequente (menos de um dia por mês ou menos que 12 dias por ano) ou frequente (entre 1 e 14 dias por mês, por um período de pelo menos 3 meses consecutivos).
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Cefaleia Crônica: Cefaleias recorrentes que ocorrem em 15 dias ou mais por mês, durante pelo menos três meses consecutivos.
Principais Categorias de Cefaleias na Infância
Abaixo, incluimos as principais categorias de cefaleias da ICHD-3 (International Classification of Headache Disorders, 3rd edition), adaptadas para a infância.
Cefaleias Primárias
Há três grupos principais:
- Migrânea (enxaqueca):
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Migrânea sem aura (em pediatria, a migrânea sem aura é mais frequente que a migrânea com aura).
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Migrânea com aura
Do ponto de vista cronológico, a migrânea pode ser 'episódica' ou 'crônica'. Do ponto de vista da duração dos quadro de cefaleia, a migrânea pode ser de 'curta duração' (duram poucas horas) ou de 'longa duração' (podem durar dias). As crianças apresentam, geralmente, episódios de migrânea mais curtos do que os adultos. (ver mais detalhes sobre a Migrânea)
- Cefaleia Tensional:
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Episódica infrequente
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Episódica frequente
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Crônica
A cefaleia tensional em crianças frequentemente é associada a fatores de estresse emocional e pode ser difícil de distinguir da migrânea sem aura. (ver mais detalhes sobre a Cefaleia Tensional)
- Cefaleia em Salvas e Outras Cefaleias Autonômicas Trigeminais:
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Cefaleia em salvas
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Hemicrania paroxística
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Hemicrania contínua
Estas, são extremamente raras em crianças e adolescentes. Quando ocorrem em indivíduos mais jovens, sua apresentação, em geral, é atípica.
Cefaleias Secundárias
As cefaleias secudárias apresentam um largo espectro de causas na infância, desde as benignas, como a desencadeada pela febre ou infecções virais, até condições clínicas de prognóstico reservado, como a secundária às meningites, tumores intracranianos e malformações vasculares cerebrais. Sua classificação inclui:
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Atribuídas à infecção (ex.: febre, infecções virais, meningites, sinusites, otomastoidites...)
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Atribuídas a trauma cranioencefálico ou cervical
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Atribuídas a distúrbios cranianos não vasculares (ex.: tumores intracranianos, hidrocefalia aguda, distúrbios odontológicos, oftalmológicos)
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Atribuídas a distúrbios vasculares cranianos ou cervicais (ex.: hemorragia intracraniana, hipertensão arterial)
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Atribuídas a distúrbios da homeostase (ex.: hiponatremia, hipernatremia...)
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Atribuídas a distúrbios psiquiátricos (ansiedade, depressão...)
Embora a ICHD e a IHS não categorizem as cefaleias com base em critérios de progressão (piora progressiva na intensidade e/ou na frequência), clinicamente é importante definir o padrão evolutivo em progressivo ou não progressivo:
Cefaleias Progressivas
Caracterizam-se pelo aumento progressivo da intensidade e/ou frequência e/ou característica da cefaleia ao longo do tempo. As cefaleias progressivas ocorrem na evolução de alguns quadros de cefaleia secundária, estando intimamente ligadas à evolução da doença de base (ex.: processos expansivos intracranianos).
Cefaleias Não Progressivas
Caracterizam-se por episódios de dor que mantêm um padrão aproximadamente regular e não evoluem com aumento de frequência e/ou intensidade ao longo do tempo.
Assim, embora a classificação oficial não categorize as cefaleias como progressivas ou não progressivas, esses aspectos são fundamentais na avaliação clínica e no diagnóstico diferencial das cefaleias.
Classificação das Cefaleias em Pediatria - Quadro resumo
Avaliação Clínica da Cefaleia
A anamnese e o exame físico são fundamentais para o diagnóstico correto da cefaleia. Uma história minuciosa, acompanhada da descrição cuidadosa dos sintomas, é essencial para definir o tipo de cefaleia, identificar a causa subjacente e orientar a investigação quando for o caso. Além da história da doença atual, é importante considerar os antecedentes pessoais e familiares, bem como o contexto psicossocial do paciente. A forma como a família interpreta e lida com a dor, seus anseios e preocupações em relação ao diagnóstico, também devem ser levados em conta.
Já que o diagnóstico das cefaleias é essencialmente clínico, exames complementares só são necessários em casos específicos de cefaleias secundárias com sinais de alerta, visando a confirmação ou exclusão de possíveis causas graves. Na abordagem de casos de cefaleia recorrente, é crucial evitar tanto uma postura reducionista, que subvaloriza os sintomas, quanto a realização de investigações e encaminhamentos excessivos por medo de uma 'doença grave' sem fundamentação clínica. Esta postura, muitas vezes, se torna mais um fator de ansiedade e pode interferir negativamente no quadro clínico.
Na história da doença atual, um dos aspectos principais é a caracterização pormenorizada da cefaleia, cujos principais descritores são apresentados a seguir:
- Cronologia e intensidade (início, duração, frequência, ciclo, intensidade)
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Início: súbito, abrupto ou insidioso
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Duração: definir o número de horas ou dias de cada episódio
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Frequência: aguda, episódica, crônica
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Ciclo: matinal, diurna, vespertina, noturna
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intensidade: fraca, moderada, forte
- Características qualitativas (definir o caráter da dor)
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Pulsátil (latejante)
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Opressiva
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Pontada
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Outros
- Topografia
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Frontal, parietal, temporal, occipital
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Hemicraniana, bilateral, holocraniana.
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Irradiação da dor
- Circunstâncias
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Antecedentes pessoais e familiares
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Contexto psicossocial
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Histórico de trauma craniano
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Comorbidades crônicas
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Vigência de sinais e sintomas de infecção
- Fatores desencadeantes, agravantes ou atenuantes
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Agravantes: Som alto, luminosidade, esforço visual, jejum, estresse, exercícios físicos, privação de sono, alimentos (chocolate, queijos, embutidos...), outros 'gatilhos'.
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Atenuantes: repouso, sono, ambiente silencioso, ambiente pouco iluminado, medicamentos...
- Sintomas associados
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Fotofobia, fonofobia
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Náuseas, vômitos
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Irritabilidade, fadiga, sonolência
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vertigem, palidez, alterações visuais
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escotomas e outras formas de 'aura'
- Propedêutica
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Exames já realizados
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Tratamentos realizados e resposta à medicação
O exame físico deve ser completo e pode contribuir muito na identificação de causas subjacentes e de sinais de alerta, quando for o caso. Os aspectos mais importantes do exame físico incluem:
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Sinais vitais: pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura e saturação de oxigênio.
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Avaliação de alterações do nível de consciência, do comportamento, irritabilidade, postura.
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Otoscopia, oroscopia e rinoscopia
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Exame oftalmológico (fundoscopia)
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Realização de exame neurológico (ver Exame Neurológico)
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Avaliação de tensão muscular em músculos do pescoço e dos ombros
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Pesquisa de rigidez de nuca e outros sinais de irritação meníngea. No lactente, avaliação da fontanela anterior.
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Avaliação de sinais de hipertensão intracraniana
Após avaliação clínica inicial: (1) classificar a cefaleia de acordo com suas características; (2) definir a etiologia provável; (3) verificar se há sinais de alarme.
Exames complementares
A investigação complementar da cefaleia em pediatria é indicada quando o quadro é progressivo ou quando existem sinais de alerta que podem sugerir uma causa secundária grave, ou seja, são indicados em casos de cefaleia secundária progressiva ou a uma condição subjacente com sinais de gravidade.
- Neuroimagem
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Tomografia Computadorizada de Crânio: Indicada em situações de emergência, como trauma craniano, suspeita de hemorragia intracraniana, ou quando há necessidade de uma avaliação rápida.
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Ressonância Magnética de Crânio: É o exame de escolha na maioria dos casos, especialmente quando há sinais neurológicos focais, suspeita de malformações, tumores, ou infecções do sistema nervoso central.
- Avaliação Oftalmológica
- Eletroencefalograma (EEG)
- Exame de Líquor: Indicado em casos de suspeita de meningite, encefalite, hemorragia subaracnoide.
- Exames Laboratoriais: Hemograma, glicose, eletrólitos, função renal e hepática, função tireoideana e outros indicaddos de acordo com as suspeitas clínicas.
A decisão de solicitar exames complementares deve ser baseada em uma avaliação clínica detalhada, considerando os sinais de alerta e o contexto clínico da criança.
A seguir, vamos destacar três tipos de cefaleia, por sua importância clínica e epidemiológica:
Migrânea (enxaqueca)
O diagnóstico da migrânea em crianças pode ser um desafio, pois os sintomas podem variar e nem sempre são tão claros como em adultos. No entanto, a Sociedade Internacional de Cefaleias (IHS) estabeleceu critérios específicos para auxiliar no diagnóstico.
Critérios Gerais para Migrânea em Crianças
Os critérios da IHS para migrânea em crianças levam em consideração a frequência, duração e características das crises, além de outros sintomas associados. De forma geral, para o diagnóstico de migrânea, a criança deve apresentar pelo menos cinco episódios preenchendo os critérios seguintes:
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Crises recorrentes de cefaleia, com intervalos variáveis
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Duração: Os episódios de migrânea nos adolescentes, se assemelham aos quadros do adulto, podendo durar entre 4 e 72 horas. Mas, em escolares e pré escolares, sua duração é frequentemente menor que 24 horas (variando entre 1 hora e 72 horas).
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Características da dor: Em adolescentes, a dor costuma ser pulsátil ou latejante, de intensidade moderada a grave, e localizada em uma das laterais da cabeça. No pré-escolar e escolar, as crises podem ter localização bilateral, em geral frontotemporal.
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Piora com a atividade física rotineira.
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Associação com outros sintomas: Náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia. No pré-escolar e escolar, fotofobia e fonofobia nem sempre são relatadas, mas podem ser inferidas através do comportamento da criança. O caráter pulsátil é pouco comum nesta idade mas, quando presente, a ocorrência de náuseas e vômitos pode ser bastante exacerbada.
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Nenhuma outra condição médica que explique melhor os sintomas.
Subtipos de Migrânea
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Migrânea com aura: A crise é precedida por sintomas neurológicos reversíveis, como sintomas visuais (escotomas, turvação da visão); sintomas sensoriais (formigamento, dormência, zumbidos); sintomas de fala ou linguagem (disfasia).
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Migrânea sem aura: A crise não é precedida por aura.
Gatilhos da Migrânea em Crianças
A identificação de fatores que podem desencadear uma crise de migrânea é fundamental para prevenir ou minimizar a frequência e a intensidade das crises. Alguns dos gatilhos mais comuns em crianças incluem: alimentação (chocolate, queijos curados, alimentos processados com corantes artificiais, cítricos, aspartame, cafeína); situações de estresse (provas escolares, problemas sociofamiliares, mudanças na rotina); menarca; fatores ambientais (luz intensa, ruídos altos, odores fortes, alterações climáticas, privação de sono, entre outros).
Dificuldades no Diagnóstico
O diagnóstico de migrânea em crianças menores pode ser desafiador, considerando sua dificuldade de verbalização sobre o caráter da dor e sua localização precisa, ou ainda devido a existência de formas atípicas de migrânea na população infantil. Outro aspecto que pode dificultar o diagnóstico, inclui a coexistência com outras condições, como ansiedade, transtornos de humor, entre outras.
Tratamento
O tratamento da migrânea tem o objetivo de aliviar os sintomas durante as crises e prevenir ou minimizar futuras ocorrências. Envolve tanto abordagens farmacológicas, quanto não farmacológicas.
Abordagens não farmacológicas
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Tranquilizar a criança e a família sobre a natureza benigna da migrânea, apesar do impacto negativo das crises sobre a qualidade de vida.
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Orientar no reconhecimento e manejo de gatilhos.
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Explicar a importância da regularidade nos horários de sono e adequação do ambiente para dormir: quarto escuro, silencioso e com ventilação e temperatura adequadas.
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Indicar técnicas de relaxamento ou terapia cognitivo-comportamental em casos onde o estresse ou a ansiedade são fatores contribuintes significativos.
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Orientar atividade física regular com exercícios aeróbicos como caminhar, correr, nadar, ou andar de bicicleta.
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Recomendar alimentação balanceada e saudável, evitando jejum prolongado e alimentos que possam funcionar como gatilhos para as crises. Incentivar o consumo regular de água.
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Propor o uso de um diário de cefaleia, onde são anotadas a frequência, duração e características das crises, além de possíveis gatilhos e medidas terapêuticas adotadas.
Tratamento Farmacológico
Tratamento das Crises
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Analgésicos simples (dipirona, paracetamol ou ibuprofeno)
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Triptanos (para adolescentes)
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Inibidores do CGRP(*)
Tratamento Profilático
Vizam reduzir a frequência e a intensidade das crises.
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Betabloqueadores (propranolol)
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Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina)
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Anticonvulsivantes (topiramato)
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Antagonistas de Canais de Cálcio (flunarizina)
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Inibidores do CGRP(*)
(*) Inibidores do CGRP (Peptídeo Relacionado ao Gene da Calcitonina)
São uma opção relativamente nova e eficaz para o manejo da migrânea, tanto na prevenção quanto no tratamento agudo dos episódios.
Existem duas principais classes de medicamentos relacionados ao CGRP utilizados no tratamento da migrânea:
- Anticorpos Monoclonais contra CGRP ou seu Receptor:
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Erenumabe, Fremanezumabe, Galcanezumabe e Eptinezumabe. Os anticorpos monoclonais bloqueiam a ação do CGRP ou seu receptor, prevenindo a vasodilatação e a inflamação associadas à migrânea. Usados principalmente para a prevenção da migrânea. Esses medicamentos são administrados por injeções subcutâneas mensais ou trimestrais, dependendo do tipo.
- Antagonistas de Receptor de CGRP (gepantes):
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Ubrogepant, Rimegepant, Atogepant. Os gepantes inibem o receptor do CGRP, impedindo sua ação durante um episódio de migrânea ou prevenindo a ocorrência de novos ataques.
Os inibidores de CGRP têm mostrado eficácia significativa na redução da frequência, intensidade e duração das crises de migrânea, com efeitos adversos relativamente poucos e leves. Esses medicamentos representam uma nova era no tratamento da migrânea, proporcionando opções para pacientes que não respondem bem aos tratamentos convencionais com triptanos e analgésicos.
Seja qual for o tratamento, ele deve ser ajustado às necessidades individuais da criança ou adolescente, considerando a resposta ao tratamento e os efeitos colaterais. É crucial que a família esteja engajada no tratamento e no reconhecimento dos sinais que indicam a necessidade de intervenção precoce. O sucesso do tratamento da migrânea em pediatria depende de uma abordagem multidisciplinar e individualizada, focada tanto na redução da frequência e intensidade das crises quanto na melhoria da qualidade de vida do paciente.
Cefaleia Tensional
A cefaleia tensional é o tipo mais comum na infância, podendo interferir, em graus variados, nas atividades diárias da criança (escola, esportes, lazer etc.). Geralmente associada ao estresse, à fadiga e à tensão muscular, a cefaleia tensional pode ter um impacto significativo na qualidade de vida, tornando essencial conhecer suas características, para um correto diagnóstico e manejo.
Critérios gerais para Cefaleia Tensional em crianças
Pelo menos 10 episódios de cefaleia preenchendo os critérios:
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Cefaleia recorrente, bilateral, caracterizada pela sensação de aperto ou pressão
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A cefaleia tensional em crianças costuma durar de 30 minutos a várias horas, podendo se prolongar até 7 dias em alguns casos.
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Intensidade leve a moderada
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Não se agrava com a atividade física rotineira
Presença de quatro dos seguintes sintomas (alguns desses sintomas clássicos da cefaleia tensional em adultos, podem ser mais difíceis de identificar em crianças menores):
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Tensão muscular no pescoço ou ombros.
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Sensibilidade ao toque no couro cabeludo, pescoço ou ombros.
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Sensação de fadiga.
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Dificuldade em concentrar-se.
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Irritabilidade
Além disso, devem estar ausentes:
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Sintomas neurológicos como visão turva, formigamentos ou fraqueza.
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Náuseas ou vômitos, de fotofobia ou fonofobia.
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Qualquer condição médica que explique melhor os sintomas.
Fatores desencadeantes: Estresse, fadiga, postura inadequada e tensão muscular podem desencadear ou piorar a cefaleia tensional.
Dificuldades no Diagnóstico
O diagnóstico de cefaleia tensional em crianças pode ser mais dificil, considerando a dificuldade de verbalização de crianças menores, em expressar a qualidade da dor (se é em aperto, pressão, etc.) e sua localização exata. Embora crianças menores tenham dificuldade de descrever a dor, elas podem manifestar irritabilidade, choro excessivo ou recusa em realizar atividades.
Tratamento
Abordagens não farmacológicas
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Tranquilizar a criança/adolescente e sua família sobre a natureza benigna da cefaleia tensional, apesar do impacto negativo das crises sobre a qualidade de vida.
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Reduzir o tempo de exposição a telas, melhorar a postura e garantir um ambiente de estudo adequado podem ajudar a reduzir a tensão muscular.
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Garantir que a criança tenha uma rotina de sono regular e suficiente é crucial. A privação do sono pode ser um fator desencadeante.
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Ensinar habilidades que possam ajudar a lidar com situações de estresse, especialmente escolares e adolescentes que enfrentam pressão escolar ou social.
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A atividade física regular pode reduzir a frequência e a intensidade das cefaleias, além de melhorar o bem-estar geral.
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Manter uma boa hidratação e evitar alimentos que possam desencadear cefaleia (como cafeína ou alimentos processados).
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Propor o uso de um diário de cefaleia, onde são anotadas a frequência, duração e características das crises, além de possíveis fatores desencadeantes e medidas terapêuticas adotadas.
Tratamento Farmacológico
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Analgésicos simples: Dipirona, paracetamol ou ibuprofeno
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Profilaxia (em casos crônicos): Amitriptilina em doses baixas (adolescentes)
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Relaxantes Musculares (seu uso em crianças é limitado).
Em casos resistentes ao tratamento, uma equipe multidisciplinar que inclui pediatra, neurologista, psicólogo e fisioterapeuta pode ser necessária para um manejo eficaz. A combinação dessas abordagens deve ser personalizada para atender às necessidades específicas da criança ou adolescente, levando em consideração a frequência, intensidade e impacto das cefaleias na vida diária.
Cefaleias Secundárias com Sinais de Alerta
A maioria dos casos de cefaleia secundária em crianças é aguda e de curta duração, sendo frequentemente associada a condições benignas e comuns, como febre e infecções virais agudas, entre outras. No entanto, algumas condições clínicas subjacentes podem estar relacionadas a patologias mais graves e com pior prognóstico. Clinicamente, esses casos são caracterizados pela presença dos chamados 'sinais de alerta'. Os sinais de alerta, são sinais e sintomas que indicam a necessidade de uma avaliação médica mais detalhada para excluir causas secundárias graves de cefaleia, como tumores cerebrais, hemorragias, ou infecções do sistema nervoso central.
Sinais de Alerta
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Cefaleia progressiva
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Cefaleia de início muito abrupto e de grande intensidade frequentemente descrita como a "pior dor de cabeça da vida"
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Cefaleia noturna ou ao despertar
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Cefaleia acompanhada de mudanças comportamentais inexplicáveis, irritabilidade ou regressão no desenvolvimento
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Cefaleia associada a sintomas neurológicos focais
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Déficits neurológicos: paresias, parestesias, disartria, diplopia, alterações visuais, convulsões, entre outros
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Alterações no nível de consciência: rebaixamento do nível de consciência
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Cefaleia associada a febre, vômitos, rigidez de nuca ou outros sinais meníngeos
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Sinais sistêmicos: perda de peso inexplicada, febre persistente ou sinais de infecção sistêmica.
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Cefaleia com história de traumatismo cranioencefálico
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Vômitos "em jato" que predominam sobre a própria cefaleia, especialmente se ocorrem no início da manhã
A presença de qualquer um desses sinais de alerta geralmente requer avaliação médica urgente, muitas vezes incluindo exames de neuroimagem (como tomografia computadorizada ou ressonância magnética) e, em alguns casos, exame do liquor ou outros exames diagnósticos, para identificar ou excluir causas graves. O manejo e plano terapêutico irão depender da doença de base.