
EXAME FÍSICO
EM PEDIATRIA

Antes de começar o exame físico (e também após), as mãos devem ser bem lavadas, preferencialmente na presença do acompanhante da criança. Com o ato de lavar as mãos nesse momento, além de estar se evitando o risco de transmissão de agentes infecciosos para o paciente, o médico reforça também a relação de confiança por parte dos acompanhantes, demonstrando-lhes ser cuidadoso. O exame físico é feito na presença dos pais, de preferência, envolvendo-os nessa abordagem. Geralmente, inicia-se o exame físico pela ectoscopia. Os instrumentos (estetoscópio, termômetro, otoscópio...) serão introduzidos gradualmente na medida em que forem sendo necessários.

A definição da sequência do exame será mais ou menos determinada pela criança e não pelo médico. O exame será realizado com o paciente na posição mais confortável possível. Uma criança maior é examinada em uma mesa de exame ou maca suficientemente espaçosa, mantendo-se uma comunicação amigável durante o exame. A mãe deve ser estimulada a ficar junto à mesa de exames, próximo à criança. Se for um lactente, o exame pode começar no colo da mãe ou do pai. Se a criança se atraca à mãe, as costas e as extremidades serão examinadas primeiramente e o restante em seguida. Eventualmente, um paciente mais agitado e resistente pode rejeitar todas as posições e deverá então ser totalmente examinado nos braços da mãe. Ocasionalmente será necessário conter a criança para o exame dos ouvidos, nariz e garganta. Por isso, em geral, estes são deixados para o final. O paciente deve ser sempre informado sobre o que irá ocorrer antes de cada etapa do exame físico e em caso de procedimentos desagradáveis ou dolorosos, ele deverá informado e esclarecido. Estes deverão ser deixados para o final. Qualquer desconforto causado ao paciente deverá sê-lo pelo tempo mais curto possível.
Como se observa, não há uma regra precisa e única para o exame físico da criança. Tudo vai depender do estabelecimento de uma boa relação médico–paciente, de como a criança reage durante a consulta, da habilidade em buscar a melhor estratégia, garantindo o conforto e respeitando a melhor maneira de se obter a aceitação da criança. Mas o certo é que o exame físico deve ser realizado completamente. A criança deverá ser completamente despida para se fazer um exame físico completo. Se a sala é fria ou o paciente acanhado ou irritado, retira-se primeiro um grupo de roupas, examinando-se e tornando-se a vesti-las; em seguida, um segundo grupo, etc. O grau de pudor varia muito entre crianças. As crianças maiores, principalmente as meninas tendem a ter um grau maior, o que deve ser respeitado, naturalmente sem comprometer a avaliação médica.
A conquista do paciente pediátrico dependerá da afetividade, atenção, simpatia, respeito e principalmente da paciência do pediatra. O recém-nascido e o lactente durante o primeiro semestre de vida, quando não estão em situação de desconforto, costumam reagir positivamente ao contato com estranhos. A reação de estranhamento normalmente surge a partir do segundo semestre de vida da criança. A prática diária e a vivência cotidiana ajudam o profissional a adquirir habilidades que facilitam a abordagem do paciente pediátrico durante o seu exame físico. Com crianças maiores, que cooperam mais, consegue-se conversar sobre assuntos do seu cotidiano, como escola, animais, histórias infantis, suas roupas, calçados, etc.; essa conversa deve ser ao nível da criança, com linguagem simples sobre assuntos de seu interesse. Eventualmente o examinador pode deixar a criança brincar com os instrumentos médicos usados. Algumas vezes, consegue-se cooperação da criança mostrando-lhes brinquedos ou outras coisas atraentes para que se distraiam durante a consulta.



Iniciando o Exame Físico
Na maioria das vezes, após uma anamnese bem feita, o médico já poderá ter uma idéia do que encontrará no exame físico da criança. Na verdade, o exame físico inicia-se desde o momento da entrada da criança no consultório, pela observação de sua marcha, postura, atitude, coloração da pele e mucosas, fácies, padrão respiratório... (ectoscopia). Outros aspectos podem também ser observados nesse momento, tais como: a postura de quem traz a criança, de que maneira a conduz, como se relaciona com ela...
Repito que é fundamental que o exame se realize em um ambiente de confiança mútua, estando o pediatra atento para detalhes importantes como lavagem das mãos, a manutenção da mãe ou acompanhante no raio de visão da criança, a explicação da finalidade dos equipamentos a serem utilizados, sendo que jamais deverá lançar mão de promessas que não serão cumpridas. Os atos de despir, trocar ou segurar o paciente deverão ser realizados, sempre que possível, pela mãe ou acompanhante. Não há um padrão único para se examinar a criança, sendo que deve-se sempre considerar que a melhor forma é a que for mais confortável e cômoda para a criança, seja no colo, sentada ou deitada. Cabe ao pediatra usar de bom senso e optar pela melhor técnica ou tática para que o exame físico seja realizado da melhor forma possível.
Ectoscopia
Estado Geral (bom, regular, comprometido ou ruim, saudável ou enfermo), fácies, presença de malformações congênitas, biotipo/conformação corpórea, atitude (ativo, hipoativo, atitude passiva, posições características, movimentos significativos), estado psíquico (irritado, prostrado, obnubilado, sonolento, comatoso), estado de nutrição e hidratação, coloração da pele e mucosas, reação da criança aos pais, acompanhantes e médico, presença de edema.
Completar a ectoscopia com uma inspeção geral da pele, anexos e subcutâneo - Cor: (pigmentação, cianose, palidez, icterícia), Vasos sanguíneos: Pulsos, alterações vasculares (telangiectasias, hemangiomas, circulação colateral, púrpura - petéquias e equimoses), erupções, dermografismo, , xantomas, nódulos subcutâneos, turgor e elasticidade, escamação, estrias, cicatrizes, estado de hidratação (umidade das mucosas, turgor e elasticidade, fontanelas, enoftalmia), edema, enfisema. Unhas: cianose, palidez, pulsação capilar, coloração, estrias, infecção (paroníquia). Cabelos: distribuição, coloração, textura.
Sinais Vitais
Temperatura, freqüência cardíaca, freqüência respiratória, pulso, pressão arterial. A FR e a FC variam de acordo com a faixa etária. Há tabelas para conferir sua normalidade (ver Tabelas). A pressão arterial na infância varia de acordo com o gênero, idade e altura da criança. Há tabelas específicas (ver Tabelas) para avaliar a normalidade da pressão arterial. Incluir também a avaliação da perfusão periférica (deverá ser menor ou igual a dois segundos) e a oximetria de pulso (em atendimentos de urgência/emergência)
Exame físico segmentar
Iniciar com a palpação das cadeias de Linfonodos: Presença de linfadenomegalias, localização, tamanho, consistência, mobilidade, sensibilidade, calor.
Cabeça e pescoço
Crânio: posição, couro cabeludo, suturas, fontanelas, conformação anatômica do crânio, craniotabes.
Face: conformação, paralisias (facial, trigêmeo), glândulas salivares (parótida, submaxilar,sublingual).
Olhos: esclera, conjuntiva e córnea, exoftalmia, enoftalmia, tensão do globo ocular, estrabismo, movimentos oculares, nistagmo, pálpebras (ptose, infecções), pupilas (fotoreatividade, anisocoria),
Orelhas: anomalias, posição, secreção, sensibilidade, otoscopia (conduto auditivo, membrana auditiva – triângulo luminoso, hiperemia, retração, abaulamento), mastóide, audição (função vestibular),
Nariz: forma, batimento de asas do nariz, aspectos da mucosa, secreções, epistaxe, septo nasal, polipos, tumores, seios paranasais.
Boca e Garganta: Palidez perioral. Lábios: (paralisias, fissuras, vesículas e pústulas, cor, edema). Boca: (odor, trisma, salivação). Dentes: (número, conservação, escovação, etc). Gengiva: (infecção, coloração, sangramento, cisto, hipertrofia). Mucosa oral: aspecto, coloração, monilíase, enantema, petéquias, ulcerações. Língua: papilas, cor, aspecto (geográfica, escrotal, framboesa), tamanho (macroglossia), cicatrizes, “lingua presa”, cisto, paralisia. Palato e Faringe: cor, sangramento, fenda, perfuração, palato ogival, úvula, faringe posterior, amígdalas (tamanho, coloração exudato...), epiglote. Laringe: voz, rouquidão, estridor. (Na semiologia pediátrica é fundamental que se deixe para o final do exame os procedimentos mais desagradáveis como visualização da orofaringe e otoscopia. Na otoscopia visualiza-se o conduto auditivo externo e tímpano, observando-se sua integridade e normalidade. No exame da orofaringe, usando-se preferencialmente uma lanterna, observa-se os lábios, e posteriormente com um abaixador de língua, inspeciona-se a mucosa, gengiva, frênulos labiais, língua, dentes, pálato e, finalmente, as amígdalas e região posterior da orofaringe).
Pescoço: tamanho, anomalias, esternocleidomastóideo, tireóide, traquéia, vasos, mobilidade e movimentos característicos.
Tórax
Forma, simetria, tipos de respiração (abdominal, torácica. Exame das mamas: desenvolvimento, simetria, ginecomastia.
Respiratório: freqüência respiratória, (taquipnéia, eupnéia, bradipnéia), amplitude (hiperpnénia), dispnéia (esforço respiratório com utilização de musculatura acessória), tiragem intercostal, subcostal, retração esternal ou de fúrcula; percussão (macicês, hipersonoridade), verificar a expansibilidade torácica; ausculta: verificar a intensidade e distribuição do murmúrio vesicular, ruídos adventícios (estertores, roncos, crepitações, sibilos...).
Cardiovascular: Ictus: localização, extensão, tipo, frêmito. Ausculta: Ritmo, FC,bulhas cardíacas, arritmias, sopros...
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Peso: Utilizar balanças pediátricas (tipo “pesa bebê”) até 2 anos de idade (capacidade máxima de 16 Kg). Pesar o bebê sem roupa, sem fralda. Após esse limite utilizar a balança “tipo adulto” Pesar a criança maior com o mínimo de roupa possível e descalça.
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Comprimento/Altura: para crianças até 1 metro utilizar régua antropométrica graduada com uma extremidade fixa e uma móvel. A cabeça da criança deverá ser mantida pela mãe na extremidade fixa. O médico deverá então estender as pernas com uma das mãos sobre os joelhos da criança e com a outra mão, guiar a extremidade móvel da régua até a planta dos pés em ângulo reto. As crianças maiores de um metro deverão ser medidas em balança antropométrica ou régua vertical, na posição ereta, com os calcanhares próximos e a postura vertical alinhada.
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Perímetro Cefálico: a fita deverá passar pelas partes mais salientes do frontal e do occipital. Essa medida deverá ser aferida até dois anos de idade.
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Perímetro Torácico: na altura dos mamilos. Deve ser aferido principalmente no primeiro trimestre de vida ou em caso de suspeita de alteração torácica.
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Perímetro Abdominal: na altura da cicatriz umbilical. Tem importância em caso de sobrepeso ou obesidade ou patologia que cursam com aumento de volume abdominal
Inspeção: forma, distensão, movimentos respiratórios, cicatriz umbilical, diastase de retos abdominais, veias e circulação colateral, peristalse. Ausculta: peristaltismo, borborigmo, meteorismo, sopros. Percussão e Palpação: parede abdominal (avaliar presença de hérnias), presença de massas palpáveis, ascite, visceromegalias.
Gênito urinário e região perineal
Lojas renais, palpação renal, punho percussão lombar.
Meninos: forma do pênis, exposição da glande, localização da uretra, forma da bolsa escrotal. testículos (tamanho, consistência, localização), hipospádia e epispádia, fimose (balanopostite), hidrocele, hérnia
Meninas: tamanho do clitóris, lábios maiores e menores, orifício uretral e hímen. Conformação, corrimento (uretral, vaginal), corpos estranhos, sinéquia de pequenos lábios.
Genitália, região perineal e ânus podem ser examinados no início do exame físico em lactentes, mas serão examinados por último nas crianças maiores. Na menina, a vulva e o intróito vaginal deverão ser examinados enquanto nos meninos é necessário verificar a presença de fimose e efetuar a palpação dos testículos na bolsa escrotal.
Examinar também região glútea, ânus (fístulas, fissuras), prolapso retal, outras protrusões, (pólipos, etc). Dermatite perianal, anomalias congênitas anorretais.
Extremidades: Anomalias, tamanho dos membros, conformação, sensibilidade, temperatura, edema, deformidade, marcha, claudicação. Coluna vertebral: Cistos dermóides, fístulas, espinha bífida, tufos capilares, mobilidade, opistótono, postura, lordose, cifose, escoliose. Articulações: Temperatura, sensibilidade, edema, hiperemia, mobilidade, Sinal de Ortolani - (displasia coxo-femural), genu-valgo e genu-varo. Músculos: Trofia e tônus, sensibilidade, espasmo, paralisias e paresias.
Neurológico
Avaliação de nível de consciência, postura e atitude (já se observa enquanto conversa com a(o) acompanhante), marcha, equilíbrio, coordenação motora, tônus, força muscular e integridade dos pares cranianos, reflexos tendinosos. Nos recém-nascidos e lactentes jovens, é importante a avaliação dos reflexos transitórios como parte do exame neurológico, observando-se sua presença, intensidade e simetria. Em crianças maiores os reflexos profundos serão obtidos com maior facilidade. Avaliar pupilas (isocoria e fotossensibilidade).
Mensuração (antropometria)
São obtidas medidas de peso, altura ou estatura, perímetro cefálico, perímetro torácico e Índice de Massa Corporal. Anotar os respectivos escores Z, consultando os gráficos de acordo com a faixa etária (ver Gráficos). A partir desses dados e utilizando os gráficos específicos, podemos avaliar o estado nutricional da criança.
de Exame Físico
Após a Anamnese e o Exame Físico, se estabelecem as hipóteses diagnósticas:
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Diagnóstico (s) Clínico(s) - Hipótese(s) principal (ais) e diagnósticos diferenciais
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Diagnóstico Nutricional
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Diagnóstico Neuropsicomotor
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Diagnóstico Vacinal
A partir das hipóteses diagnósticas, se propõe a conduta:
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Solicitação de exames complementares e pareceres se for o caso;
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Prescrição (Tratamento farmacológico, tratamento não farmacológico, orientações...)
Raciocínio Clínico
O diagnóstico clínico pode ser estabelecido a partir da análise minuciosa dos dados obtidos pela anamnese e exame físico, considerando o contexto epidemiológico (incluindo avaliação da presença de fatores de risco para possíveis condições patológicas). O processo consiste em identificar causas possíveis com base nos dados clínicos obtidos criando-se uma lista inicial de hipóteses diagnósticas.
A partir daí, procura-se destacar os dados clínicos mais relevantes para cada causa possível (para cada hipótese diagnóstica). Por meio de experiências prévias e pela busca atualizada de conhecimento na literatura médica sobre cada uma das hipóteses, se estabelece, a partir da primeira lista, uma hipótese mais provável, ou no máximo duas ou três suspeitas principais a serem consideradas, numa ordem de probabilidade. Há de se considerar a necessidade de exames complementares (laboratoriais e/ou de imagem) que poderão auxiliar nessa definição. Estes deverão ser solicitados de forma racional e indicados a partir das hipóteses estabelecidas.
Importante também é caracterizar o grau de gravidade e de urgência do processo patológico em questão, pois isso implicará na definição e agilidade da conduta a ser tomada. Também deve ser considerado o prognóstico e as possíveis complicações associadas à doença em curso.
Diagnóstico de risco
Por suas próprias características de vulnerabilidade e por sua dependência de cuidados por parte dos adultos, a criança é frequentemente vítima, às vezes antes mesmo de nascer devido a aspectos epidemiológicos desfavoráveis durante o período gestacional ou quando inserida em ambiente de risco.
1 - Evidência ou suspeita de violência:
( ) Negligência / Abandono
( ) Abuso e maus-tratos na família e nas instituições
( ) Exploração e abuso sexual;
( ) Trabalho abusivo e explorador;
( ) Tráfico de crianças e adolescentes;
( ) Uso e tráfico de drogas;
( ) Conflito com a lei, devido a ato infracional.
2 – Risco pelo período perinatal
( ) Peso ao nascer menor que 2.500g (baixo peso)
( ) Prematuridade
( ) Asfixia (Apgar < 7 no 5.º minuto de vida)
( ) Internação do RN em UI ou UTI neonatal após a alta materna
( ) Criança manifestadamente indesejada
( ) Não comparecimento à UBS para o Teste de Pezinho
( ) Falha em qualquer de triagem neonatal sem acompanhamento
3 – Falha no acompanhamento de Puericultura
( ) Crianças com vacinas em atraso
( ) Menor de 6 meses que não mama no peito
( ) Menor de 1 ano sem acompanhamento pediátrico
( ) Criança desnutrida
4 – Evidência de risco por patologias prévias
( ) Crianças com grande frequência em serviços de urgências
( ) Criança hospitalizada mais de uma vez / ano
( ) Egresso de internação hospitalar recente
( ) História de desnutrição nas outras crianças da família
( ) Criança com anemia ou sinais de hipovitaminose
( ) Criança com sobrepeso/obesidade
( ) Criança com diarreia persistente ou recorrente
( ) Criança com asma sem acompanhamento
5 – Risco Familiar e socioambiental
( ) Mãe adolescente abaixo de 16 anos
( ) Mãe analfabeta ou com baixa instrução (< 4 anos de escola)
( ) Mãe sem suporte ou apoio familiar
( ) Família sem fonte de renda mínima regular
( ) Mãe com deficiência que impossibilite o cuidado da criança
( ) Mãe ou pai com história de problemas psiquiátricos
( ) Mãe ou pai, dependentes de álcool ou drogas ilícitas
( ) Mãe residente em área sem saneamento básico
( ) Mãe residente em área social de risco
( ) História de migração da família há menos de 2 anos
( ) Morte de irmão menor que 5 anos
Assim, completa-se a consulta da criança. A adesão do(a) acompanhante da criança às prescrições médicas após a consulta dependerão, sem dúvida, do grau de confiança obtido através do estabelecimento de uma adequada relação médico-paciente conquistada durante a consulta.